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3. AS CRÍTICAS AO REGIME DISCPILINAR DIFERENCIADO

3.3. Considerações acerca das críticas apresentadas

De todo o exposto, importa tecer algumas considerações sobre as críticas direcionadas ao RDD no que tange a inconstitucionalidade do instituto e sua relação com a teoria do direito penal do inimigo, adiantando-se algumas conclusões.

De fato, impressiona o fato de que o STF não posicionou-se até o momento de forma contrária à aplicação do regime disciplinar diferenciado como política criminal de controle ao crime organizado.

As regras contidas na Lei 10.782 de 2003 ferem os mais variados artigos da Constituição Federal de 1988 e preceitos dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, desde a individualização da pena até a vedação a penas cruéis e tratamento degradante ao preso. Não há dúvidas de que o isolamento celular impõe intenso sofrimento psíquico aos presos, ocorrendo uma grave violação à integridade física e moral do apenado.

Quanto ao sofrimento psíquico, veja-se, por exemplo, alguns depoimentos de Fernandinho Beira-Mar, tido como principal líder do Comando Vermelho, sendo um dos principais inseridos no regime de exceção:

“Aqui o lugar é horrível, é horrível. É o pior lugar que eu já tive na minha vida. Eu estou bem fisicamente. Psicologicamente é que eu estou um bagaço. Esta é que é a verdade.”

[...] "Isso aqui é horrível. Nada se compara com isso aqui. É uma fábrica de fazer maluco, sinceramente.”225

Da mesma forma, é necessário destacar a violação ao princípio da legalidade e ao princípio da não culpabilidade. A imprecisão e os aspectos dúbios contidos na lei são

223 Ibidem, p. 301-302. 224 Ibidem, p. 303.

225 Apud GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de

Pádua. O Regime Disciplinar Diferenciado é Constitucional? O Legislador, o Judiciário e a Caixa de Pandora. Disponível em: <http://www.bu.ufsc.br/ConstitRegimeDisciplinarDifer.pdf>. Acesso em: 13 nov 2019.

graves e altamente benéficos à arbitrariedade dos aplicadores da medida de exceção, que por muitas vezes são tomados por juízos de presunção.

Nesse sentido, é perceptível que o regime disciplinar diferenciado incorpora o discurso do direito penal do inimigo, ao direcionar a aplicação deste regime a grupos dotados de características específicas, tentando se penalizar o autor e não os atos praticados por ele.

A incongruência e incoerência da Lei 10.782 são evidentes, já que a norma prevê o RDD como uma sanção disciplinar de caráter temporário, uma vez listada no rol de sanções disciplinares do artigo 53 da LEP, no entanto, na prática, em casos como o de Fernandinho Beira-Mar, o preso cumpre praticamente a pena inteira inserido no regime, com base apenas na sua alta periculosidade, sem que tenha cometido qualquer ato apto a ensejar uma punição.

Essa contradição é verificável também em discursos doutrinários que defendem a constitucionalidade do RDD, como o de Nucci, que utiliza do argumento de que os presídios comuns brasileiros possuem condições muito piores do que os estabelecimentos que aplicam o RDD.

Ora, se o objetivo do regime disciplinar diferenciado é impor uma punição mais severa, como esse argumento é capaz de justificar a transferência de um preso para o RDD, onde as condições são aparantemente melhores? Nessa lógica, o regime disciplinar diferenciado seria então um benefício ao réu e não cumpriria seu papel de punição.

De qualquer forma, é absurdo utilizar a situação atual dos presídios brasileiros como parâmetro para então concluir que o regime disciplinar diferenciado não impõe um tratamento desumano ao presos. Os parâmetros a serem utilizados devem ser exatamente aqueles estabelecidos em Tratados Internacionais de Direitos Humanos, pelos quais resta claro que o RDD impõe penas cruéis aos presos, em razão do isolamento celular e das restrições de visita.

A eventual declaração de inconstitucionalidade do RDD não se revela contraditória à situação real dos presídios, já que continua sendo dever do Estado a melhoria das condições do sistema prisional brasileiro como um todo.

Igualmente não se sustenta o argumento de que nenhum direito é absoluto, devendo-se, nesta situação, ser concedida a devida atenção ao direito à segurança da sociedade. Este argumento é perigoso, podendo progredir para um raciocínio no qual é justificável a imposição da pena de morte, por exemplo, em nome de outros direitos a serem tutelados. Além disso, esse raciocínio é flagrantemente oposto ao princípio

constitucional da dignidade humana, cujo preceito é basilar e deve orientar todo o ordenamento jurídico.

Ainda, mostra-se questionável a afirmação de que o RDD é o único meio viável para controlar o crime organizado atualmente e que ele é capaz de desarticular as lideranças das facções.

Comprovando que essa tese não é unanimidade, Camila Nunes Dias elaborou um estudo acerca dos efeitos práticos do regime. No texto, ela defende que o RDD vêm sendo utilizado nos presídios paulistas como forma de dissimulação e negação das lideranças nas prisões e como um elemento de barganha do Estado e que, na verdade, seus efeitos práticos indicam muito mais uma tentativa de demonstração de força do Estado do que uma efetiva desarticulação das facções.226

A pesquisadora especifica que os diretores de unidade prisionais tentam transferir as lideranças negativas das facções (aquelas vísiveis, inequívocas), no entanto novas lideranças surgem em um rápido mecanismo de reposição. 227 Dessa forma, não há um

fim de lideranças, mas uma reposição por outras lideranças que não chamam tanta atenção no exterior do ambiente prisional.

De certa forma, o Estado define os limites do exercício do poder informal pela facção, mas não os tira esse poder. Apesar disso, transmite-se a aparência de que a administração possui controle total sobre a prisão. 228

A pesquisa revela que os membros do PCC, desde a criação do RDD, em entrevistas concedidas, tentam convencer de que não existem mais líderes na facção, mas que existem apenas algumas “pessoas com mente” que resolvem os conflitos. Os “irmãos” também usam “laranjas”, ou seja, pessoas que na aparência são líderes, mas na verdade não são, para se esquivarem das transferências. 229

No entanto, diversos fatores indicam que os diretores das unidades geralmente sabem quem são os reais líderes e realizam tácitos acordos para definir os limites do exercício desse poder. 230 Ainda, considerando as evidências de que o estabelecimento de acordos de paz entre a administração prisional e lideranças do PCC é comum desde 2003, a pesquisadora afirma que essa intensa negociação ainda ocorre com o RDD, já que não há qualquer outra pólitica pública a médio e longo prazo sendo aplicada para resolver

226 DIAS, Camila Caldeira Nunes. Efeitos simbólicos e práticos do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)

na dinâmica prisional. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 3, n. 5, p. 128-144, 2009.

227 Ibidem, p. 137-138. 228 Ibidem, p. 137-138. 229 Ibidem, p. 137-138. 230 Ibidem, p. 139.

essa situação. 231

Neste contexto em que o Estado permite a coexistência de um poder formal estatal e de um poder informal das organizaçõescriminosas, há uma intensa negociação entre os dois polos na defesa de seus interesses: os criminosos negociam para manter o controle sobre a massa carcerária, enquanto o Estado tenta gerenciar as crises e manter sua imagem firm perante a sociedade. 232

Nota-se, portanto, que não é possível concluir que o RDD seria o único meio eficaz de desarticulação das facções, até porque, diante da subjetividade característica da norma, há grande possibilidade de ocorrência do uso desvirtuado do regime, como indicado pelo estudo supramecionado.

Por fim, cabe tecer algumas considerações quanto à função ressocializadora da pena, tão invocada pelos defensores da inconstitucionalidade do regime disciplinar diferenciado.

Diante da admitida falência da função ressocializadora da pena, com o declínio das teorias correcionalistas, e diante da constatação inequívoca de inefeciência das nossas prisões quanto a esse objetivo, talvez este não seja o argumento mais adequado e realista para demonstrar a inconstitucionalidade do regime disciplinar diferenciado.

A referida argumentação não responde às ponderações de Marcelo Lessa Bastos, por exemplo, o qual defende que os presos muitas vezes não desejam serem ressocializados, não sendo um problema a aplicação do regime disciplinar diferenciado a eles.

Muito embora esteja previsto no art. 1º da LEP, recepcionado pela Constituição, que a pena deve visar a reabilitação social do condenado, é possível que se faça outra interpretação dos referidos dispositivos, mais compatíveis com a situação atual do sistema prisional brasileiro e com a própria mentalidade dos discursos penalógicos atuais.

Pois bem, sendo necessária a compatibilização das normas do nosso ordenamento jurídico com a Consituição Federal de 1988, por óbvio as leis anteriores a ela precisam ser recepcionadas formalmente, respeitando-se o processo legislativo vigente à epoca, e materialmente, devendo o conteúdo da norma ser condizente com os novos valores constitucionais.233

Dessa forma, é preciso compatibilzar a LEP com o ordenamento constitucional.

231 Ibidem, p. 139. 232 Ibidem, p. 139-140.

233 SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, Deveres e Disciplina na Execução Penal. In: Crítica à Execução

Consoante à lógica do texto constitucional de que o princípio da proporcionalidade é uma garantia que legitima todo o ordenamento jurídico, tem-se que todos os atos estatais devem ser regidos também por tal princípio, atentando-se, ainda, para a necessidade e adequação. 234 Disso decorre a conclusão de que uma sanção penal deve sempre ser proporcional, representar adequadamente valores éticos deduzidos da Constituição e, no caso de uma execução, o meio utilizado deve ser o menos lesivo possível. 235

Sob essa concepção, afere-se, portanto, que a ressocialização obrigatoriamente imposta como função única da pena na LEP é inconstitucional. Isso porque a CRFB88, em diversos momentos, protege a liberdade interna do cidadão, com a proteção da manifestação do pensamento (art. 5º, inciso IV), por exemplo, e a liberdade de consciência ou de crença (art. 5º, incisos VI e VIII). 236

Dessa forma, pela lógica constitucional, o direito penal não pode controlar pensamentos e personalidades. Se o artigo 1º da LEP impõe como objetivo da execução penal a reabilitação social do condenado, deve este dispositivo ser reinterpretado em respeito às garantias de liberdade interna. 237

Nesse novo raciocínio hermenêutico, tem-se que a ressocialização não é função da pena, mas um direito do preso. Assim, caso deseje, o preso deve ter o direito de ser ressocializado, mas a ressocialização não pode ser vista como finalidade da pena. Afinal, não pode ser imposto obrigatoriamente ao preso o dever de ser socializado, de ser obediente, disciplinado, dentre outras imposições. Tais deveres só podem ser impostos ao preso na prática de uma conduta lesiva aos direitos de outras pessoas. 238

Da mesma forma, não podem os direitos fundamentais do preso serem restringidos em nome do direito à segurança, já que em nenhum momento a Constituição legitima esse tipo de pensamento derivado da ideologia da defesa social. Ora, os fins não podem justificar os meios, devendo todas as garantias fundamentais serem respeitadas. 239

Entende-se, portanto, que embora não seja errônea a afirmação de que o RDD viola a função ressocializadora da pena, diante das regras institúidas na Constituição Federal de 1988 e nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos (os quais, a maioria protege a função ressocializadora da pena), seria mais adequada a interpretação de que a ressocialização não é uma finalidade, mas um direito do preso.

234 Ibidem. p. 210-222. 235 Ibidem, p. 210-222. 236 Ibidem, p. 210-222. 237 Ibidem, p. 210-222. 238 Ibidem, p. 210-222. 239 Ibidem, p. 210-222.

Diante dessa interpretação, o RDD revela-se igualmente inconstitucional, por ferir o direito do preso de ser ressocializado, caso queira, e também por outros motivos já mencionados. Afinal, a execução penal não pode ser pautada pelo caráter do apenado, como acontece no regime disciplinar diferenciado. Pelo contrário, deve prevalecer na execução, assim como no processo penal, o princípio da culpabilidade do autor quanto ao fato praticado.

E mais ainda, o regime se revela inconstitucional, por inaugurar uma nova ordem em que a urgência e relevância são invocadas de forma desproporcional e desordenada para a imposição de severas restrições de direitos aos presos. Não podemos permitir que o direito penal seja tão mutável e desrespeite as garantias fundamentais do ser humano dessa forma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente trabalho permite que sejam delineadas algumas conclusões. Porém conclusão aqui não possui o sentido de término ou finalização, uma vez que se o direito é um “estar sendo”, que, portanto, se faz e refaz na experiência, a discussão jurídica deve ser permanente, não havendo termo final. Trata-se, na realidade, de um convite para a reflexão sobre as principais teses apresentadas.

A construção de uma política criminal devidamente eficiente e capaz de cumprir seus objetivos requer a elaboração de complexos estudos, principalmente empíricos, que ofereçam respostas sobre a melhor forma de utilização dos meios coercitivos do Estado. Por isso, não é possivel propor uma política criminal que, em substituição ao regime disciplinar diferenciado, seja capaz de desarticular a atuação organizada das facções prisionais. Apesar disso, é possível tecer algumas conclusões sobre o instituto jurídico em questão.

De início, portanto, a incursão no percurso histórico dos epísodios que antecederam a criação do regime de exceção até sua efetiva aplicação em todo o território nacional, com a denotação de todas as suas formas de aplicação, viabilizou a compreensão de que o objeto jurídico em questão inaugura na execução penal uma forma de tratamento ao preso que se assemelha em praticamente todos os aspectos com um regime de cumprimento de pena. Por si só, essa constatação comprova o aspecto dúbio que a norma possui, já que pretende ser uma sanção disciplinar cuja a iniciativa de aplicação começa no âmbito administrativo.

Nota-se pois, desde a conceituação do regime disciplinar diferenciado, que a norma responsável por sua implementação carece de objetividade e fundamenta-se principalmente em elementos subjetivos direcionados ao julgamento da personalidade do preso. As referidas mudanças introduzidas na Lei de Execução Penal são significativas, pois impõe-se ao preso uma forma de cumprimento da pena que não cumpre os preceitos do princípio da reserva legal, permitindo-se que até mesmo o preso provisório seja surpreendido com tal medida a qualquer momento.

Além disso, em atenção a alguns precedentes colacionados, foi possível verificar que o Judiciário segue justificando a flexibilização das próprias regras instituídas na norma em nome da segurança coletiva, que parece ter atingido um patamar de direito máximo e intocável que deve ser protegido a todo custo no nosso ordenamento jurídico. Enquanto isso, os direitos individuais fundamentais garantidos na Constituição Federal de 1988 e o princípio basilar da dignidade da pessoa humana são constantemente relativizados, consolidando-se a tendência de maximização do direito penal desenfreada, que por muitas vezes apresenta

indícios de arbitrariedade.

Com a explicação da evolução das teorias justificadoras da pena foi possível imergir na complexa discussão sobre as finalidades da pena, tornando-se perceptível a dificuldade de se elaborar uma teoria que consiga abranger todos os aspectos da criminalidade. E diante dessa dificuldade, tivemos diversas teorias contemporâneas que tentaram romper com os paradigmas das teorias anteriores, mas que na verdade foram apenas adaptações e reformulações de teorias que já eram desacreditadas. Em meio a esse embrólio, abriu-se espaço para a dominação de teorias que não buscam exatamente justificativas racionais, pois, como visto, a falta de mecanismos para lidar com as consequências advindas da globalização, fez surgir um discurso neutralizador e seletivo, pautado na presunção de periculosidade.

Com efeito, foi possível compreender que a gestão contemporânea da criminalidade, denotada pela ampliação e endurecimento do direito penal, não foi inaugurada com a insituição do regime disciplinar diferenciado. Pelo contrário, há pelo menos duas décadas as políticas criminais brasileiras são tomadas pela nova penalogia gerencialista, responsável pelo aumento expressivo da população carcerária em diversos países pelo mundo. Sendo assim, o regime disciplinar diferenciado apenas perpetua o discurso punitivista que já era predominante no país, sendo esta predominância explicada, em parte, pela incapacidade do Estado de lidar com o aumento da criminalidade.

Com a elucidação das medidas tomadas pelos órgãos estatais brasileiros no contexto do controle ao crime organizado, foi possível averiguar que ao longo dos anos as mesmas estratégias estão sendo adotadas para reestabelecer o controle estatal sobre os prisões, ainda que essas medidas adotadas não tenham apresentado até agora resultados expressivos capazes de justificar essa escolha. O levantamento de dados, teses e informações pertinentes às políticas penitenciárias adotadas nos últimos anos também denunciou a falta de coerência e racionalidade das escolhas estatais, que se pautam inteiramente na necessidade de oferecer uma resposta rápida à sociedade anêmica que clama por mais punição.

Em vista disso, evidencia-se que o problema da aplicação de uma política criminal tão repressiva e subjetiva como o RDD é muito mais complexo do que se aparenta, já que o direito penal brasileiro encontra-se completamente tomado pela mentalidade gerencialista e neutralizadora de se lidar com o crime.

De consectário, resta claro que não há qualquer perspectiva de mudança no cenário criminal do Brasil nos próximos anos. Cada vez mais, a sede de vingança justifica a aplicação de medidas imediatistas, em uma sociedade que tolera a existência de uma população carcerária que se aproxima ao número de 800 mil presos. O foco é prender mais e restringir

mais ainda, mas não atacar as raízes da criminalidade.

A intenção do estudo foi, assim, tornar clara a informação de que as políticas criminais atuais objetivam simplesmente a contenção e controle dos infratores, pouco se importando com o futuro desses criminosos. Os agentes estatais não mais escondem que não pretendem ressocializar o preso, mas apenas neutralizá-lo. Aliás, ao se deparar com a situação crítica do sistema prisional brasileiro, é válido questionar se o projeto ressocializador sequer existiu em algum momento no país.

Ademais, a exposição sobre o debate acerca da (in)constitucionalidade do instituto demonstrou que a tese sustentada pelas Cortes Superiores de que o RDD é constitucional está longe de ser unanimidade.

Em oposição, nos parece claro que o objeto jurídico é inconstitucional e fere também preceitos importantes dos tratados internacionais de direitos humanos e as regras previstas na Lei de Execução Penal. Isso porque o regime disciplinar diferenciado, ao instituir obrigatoriamente o isolamento celular e severas restrições ao direito à visita, indubitavelmente impõe intenso sofrimento psíquico aos presos, tendo em vista a constatação científica de que o ser humano precisa de interações sociais para o seu bem-estar.

É claro que podemos dizer que praticamente nenhuma prisão brasileira consegue oferecer algum tipo de bem-estar ao preso. No entanto, a realidade não pode servir de pretexto para que mais violações aos direitos humanos sejam praticadas. É preciso que o Estado adote medidas para mudar esse panorama, em vez de se buscar a institucionalização de um tratamento degradante ao preso.

Além disso, foi possível constatar que o regime de exceção expressa-se como um direito penal do inimigo pois, com enfoque na avaliação subjetiva da periculosidade do preso, a política criminal em questão foi idealizada visando atingir um grupo de presos específicos, que são considerados, de antemão, perigosos, ainda que não tenham realizado nenhum tipo de ação concretamente demonstrativa de perigo.

E apesar dos defensores do regime disciplinar diferenciado destacarem que a sua aplicação tornou-se um mal necessário, sendo o único meio capaz de desarticular as facções, o presente trabalho contribuiu para explicitar que existem vários indícios que apontam para a direção contrária. Como se não bastasse a inconstitucionalidade do instituto jurídico, o que por si só torna necessária a sua remoção do ordenamento jurídico, essa percepção torna ainda mais gritante a inadequação do seu uso na execução penal.

Sendo uma medida tão excepcional e rigorosa, o mínimo que se esperava eram altos índices de sucesso quanto ao objetivo inicial da norma: o controle ao crime organizado. No

entanto, a única certeza que temos é a de que o Estado penalizador, com o uso de medidas como o regime disciplinar diferenciado, mantém intacta sua imagem de instituição capaz de reprimir os problemas que tanto aflingem uma sociedade tomada pelo medo, pela ansiedade e pela sede de vingança.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADORNO, Sérgio(1996). A gestão urbana do medo e da segurança.Violência, crime e

justiça penal na sociedade brasileira contemporânea. Tese de livre-docência. São Paulo,

FFCH/USP. P. 183-191.

ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. Criminalidade organizada nas prisões e os

ataques do PCC. Estud. av. São Paulo, v. 21, n. 61, p. 7-29, Dec. 2007. Available from

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-