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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento priscilaferreiradeoliveira (páginas 102-105)

Fragmento 4: À espera do tratamento

4) CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos, ao longo deste trabalho, explicitar lógicas presentes no campo educacional, que produzem contradições cuja criticidade não pode ser escamoteada. O que procuramos foi realçar o que há de estrutural nessas contradições, como elas se intensificam a partir dos discursos que predominam na sociedade atual.

A principal contradição evidenciada é justamente o fato de o processo da universalização atual, que propõe a inclusão e defende a diversidade e valorização das diferenças, conviver com o fenômeno da medicalização da/na educação, que tende a ir na direção de um ideal homogeneizante.

Isso mostra que a universalização do acesso e a inclusão em nível político não são garantia de uma escola inclusiva e que valorize as diferenças, e podem, ao contrário, contribuir para que essas diferenças sejam apagadas. Assim, a educação escolar se organiza numa teia discursiva complexa e, mesmo com essa garantia, corre o risco de reproduzir outras formas de exclusão.

O desafio que a educação assume não é simples: ao mesmo tempo que universaliza, precisa dar conta da diferença. E isso deve ser debatido a partir de sua complexidade, haja vista que as políticas universalizantes possuem a tendência de ir justamente na direção do apagamento das diferenças. E a medicalização, que se intensifica no contexto educativo, segue a mesma trilha. Ao invés de servir de saída para lidar com a diversidade e a diferença, serve de resposta homogeneizante para elas.

Ao propor tais discussões, estamos considerando a importância da tarefa do educador nos anos iniciais da infância. A entrada da criança na escola se dá num momento crucial, quando ela começa a ser inserida no mundo social. Além disso, as crianças têm iniciado suas jornadas escolares cada vez mais jovens, e, assim, desde muito cedo, outros adultos, além daqueles presentes em seu núcleo familiar, irão compor o ambiente simbólico no qual elas circularão. Trata-se dos professores e outros educadores que estarão presentes em seu dia a dia.

Kupfer (2001) diz que destacar essa importância do educador pode deixar alguns professores preocupados ou inibidos em relação ao seu fazer, mas para ela isso é inovador e tem grande relevância na prática educativa. A tarefa do educador, segundo a autora, transcende a transmissão de conteúdos, formando não só uma posição no mundo, mas também a subjetividade, contribuindo com a formação de um estilo que pode ser decisivo para

103 o destino subjetivo da criança.

Ao discutirmos a reprodução desses discursos nas escolas, não estamos propondo a culpabilização dos professores pela medicalização. Nem dos médicos. O que se põe em relevo é a ordem discursiva, e nessa ordem as palavras têm caminho próprio, mostrando a complexidade de suas facetas, o seria impertinência reduzir toda essa grave questão a um jogo de vítimas e culpados.

Não se trata de culpar! Entretanto, quando elevamos os discursos que agenciam esse processo, não estamos dizendo que não haja uma responsabilidade referente à medicalização.

Dizer apenas dos efeitos discursivos e do submetimento da linguagem poderia nos levar ao engodo de acreditar que somos, então, todos vítimas de um processo medicalizante, alimentado por discursos que nos impulsionam a agir.

A questão não pode ser colocada puramente como ligada a um determinismo da linguagem, senão estaríamos, de modo semelhante, confinados a um determinismo como o biológico, o qual buscamos questionar. Não é isso que a psicanálise propõe. O esforço aqui está em extrair a estrutura da linguagem, e isso não pode ser feito sem o cuidado de considerar o sujeito inscrito nela.

“O sujeito tem uma margem de liberdade introduzida pelo desejo em sua função separadora e não um puro determinismo psíquico” (CORRÊA, 2011, p. 99). É essa margem de liberdade que torna o sujeito responsável, é ela que lhe permite, mesmo a partir do desejo do Outro, fazer algo seu. Como enfatiza Freire e Lustoza (2005), onde se poderia falar de um determinismo, é onde o gozo do sujeito marca o lugar de sua responsabilidade.

Logo, apontar os discursos presentes no processo de medicalização, ao contrário de distanciar a implicação do educador em relação ao processo medicalizante, é possibilitar que ele se situe perante os discursos e que possa aceder à sua responsabilidade frente ao que pode reproduzir.

Também vale dizer que não queremos nos enredar por uma fala reducionista, que trate os educadores como simples receptores e reprodutores de um discurso. Sabemos da existência de educadores que questionam a presença dos discursos medicalizantes nas escolas, que buscam formas diferenciadas e inventivas de lidar com o mal-estar de sua prática docente. Porém, a importância de se discutir sobre a medicalização no campo da educação é justamente porque ela tem servido para remediar as tensões presentes no contexto educativo e, com isso, silenciar o que essas tensões podem revelar.

104 singularidade que é própria do fazer do educador, do saber que ele constrói a partir de sua própria experiência e do Real de sua prática a fim de que os impasses na construção de escolas afeitas a lidar com as diferenças possam ser ouvidos, e não silenciados pela medicalização.

E no fim, sobre o começo…

É no a posteriori, na possibilidade de olhar para trás depois do caminho traçado, que podemos ver o que nos fez sair do lugar.

Foram as experiências de trabalho que trouxeram as inquietações que agenciaram esta dissertação, que orientaram a rota dos caminhos percorridos nesta pesquisa. Mas gostaria de fazer um pequeno adendo para poder falar do antes desse antes. Para poder dizer da dimensão inconsciente que nos atravessa. Sobre a razão inconsciente que também caminha por trás da trilha, racional e aparente, que tece esta dissertação.

É que, depois desta escrita, pude dar conta de que minha entrada no campo da educação tem razões que vão além. Talvez, porque educação não seja um significante qualquer em minha história.

Ele habitou minha infância, desde minha mãe, pedagoga, que fez da vida um desafio pulsante de ensinar a ler e escrever. Por ter, no ideal de meu pai, a educação como uma possibilidade que pudesse me fazer traçar caminhos diferentes do que ele teve, a educação como a herança que elepodia me dar. Por ter estudado o Ensino Fundamental numa escola pública – a única da pequena cidade em que morei durante minha infância –, na qual pude ter professores entusiasmados com a arte de educar e cujas marcas desse entusiasmo ainda carrego.

É o que faz pensar que existe algo do desejo que se interpõe no intervalo entre ensinar e aprender. É o que torna esses processos – por meio de suas interposições – Um, singular na história de cada sujeito. Que faz com que cada travessia pela jornada escolar seja singular, diferente e inclassificável pelos ideais medicalizantes/mercantilizantes.

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No documento priscilaferreiradeoliveira (páginas 102-105)

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