• Nenhum resultado encontrado

Aspectos da natureza da ciência e do trabalho científico no período inicial de

DESENVOLVIMENTO DA RADIOATIVIDADE

10) O último resultado e, talvez, o mais importante de todos, é o motivo do Prêmio

3.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que começou com as misteriosas radiações X no final do século 19 cresceu e se tornou um corpo de conhecimentos revolucionário para a ciência, logo na década seguinte. Ao se depararem com as chapas fotográficas impressionadas na forma do esqueleto da mão da esposa de Röntgen e com seu procedimento experimental, os cientistas certamente imaginaram que um novo mundo se expunha aos seus olhos. A chapa mostrava aplicações diretas desses raios em outras áreas do conhecimento, como a médica, notadamente. Mas mesmo para os mais otimistas, as descobertas que se seguiram foram, no mínimo, admiráveis. O desvelar desse novo domínio abalou as estruturas da ciência clássica mas, ao mesmo tempo, forneceu bases para as rápidas mudanças que caracterizaram todo o século 20.

Para a química, as noções que se seguiram da radioatividade colaboraram de uma certa maneira para uma compreensão mais global da disciplina. A postulação do número atômico como nova base para a classificação periódica dos elementos, em substituição da massa atômica, permitiu uma melhor clareza nas representações dos elementos dentro de um sistema que há muitos anos vinha sendo desenvolvido e que é extremamente importante até hoje. Ainda, a compreensão da natureza complexa dos elementos, representada pela existência de isótopos, reforça a importância que o fenômeno da radioatividade teve para conclusões mais generalizadas, abrangendo inclusive os átomos estáveis.

A isotopia, que surgiu como uma propriedade dos elementos radioativos, logo foi procurada nos outros elementos e, finalmente

comprovada. Frederick Soddy afirmou em sua Conferência Nobel que, já em 1913, J. J. Thomson e Francis Aston observaram na atmosfera um isótopo de massa 22 do neônio. No ano seguinte à premiação de Soddy, Aston recebeu o Prêmio Nobel de Química de 1922, pela “sua descoberta, através de seu espectrógrafo de massa, de isótopos em um grande número de elementos não radioativos e por sua enunciação da regra do número inteiro”. A nova concepção de complexidade dos elementos rivalizava fortemente com a teoria atômica de Dalton, que enunciava serem os átomos de um elemento sempre iguais em massa – algo bastante dogmático na Química – e, juntamente com a noção de desintegração atômica, foi revolucionária para a área. Medeiros (1999) aponta que ensinar a história dos isótopos nas aulas da disciplina pode contribuir para desconstruir a ideia ainda tão costumeira entre os alunos de que os átomos de um elemento são sempre idênticos em massa.

Se as conseqüências desses novos conhecimentos para a Química foram revolucionárias, na Física elas abriram portas para a descoberta de diversos outros conceitos e fenômenos. O novo modelo atômico elucidou um novo domínio a ser estudado – o nuclear. A fissão e a fusão nucleares puderam se consolidar sem terem que enfrentar a concepção de matéria imutável. Quanto às implicações tecnológicas e sociais permitidas por essa nova ciência, pode-se mencionar o desenvolvimento de novas formas de geração de energia e instrumentos medicinais, além, é claro, das armas nucleares.

É bastante relevante ressaltar que o conjunto de conhecimentos que se construiu a partir da descoberta da radioatividade foi feito sem o conhecimento do nêutron – descoberto por James Chadwick, em 1932. Certamente, esse extraordinário fato pode impressionar o aluno que, usualmente, aprende sobre radioatividade e isótopos já familiarizado com o conceito. A tradição de organização dos conhecimentos científicos de maneira dessincretizada de certa forma descaracteriza essa face construtivista da ciência, e colabora para promover imagens inapropriadas do conhecimento científico.

Muitos são os autores que apontam que essa função, de recontextualização da ciência, pode ser feita através do uso da história da ciência e da tecnologia (MATTHEWS, 1995; CARVALHO; VANUCCHI, 2000; GUERRA et al, 2004). De qualquer modo, aproximar o aluno desse empreendimento e fornecer subsídios para a ressignificação de conceitos que perdem suas essências quando tratados de maneira meramente instrumental, representa um grande desafio para o ensino.

Outro tópico que vem ganhando atenção significativa no ensino de física é o da adição dos conteúdos de física moderna e contemporânea no currículo do ensino médio brasileiro, que ainda é feita de maneira bastante incipiente (OSTERMANN; MOREIRA, 2001; PEREIRA; OSTERMANN, 2009). A disparidade entre a física aprendida em sala de aula e a física do cotidiano tecnológico dos alunos é abissal e também contribui para que os alunos não enxerguem essas duas físicas como a mesma ciência. Este é outro tipo de ressignificação cuja essencialidade ganha cada vez mais espaço nas pesquisas acadêmicas.

Uma combinação de esforços para tornar a ciência e sua imagem menos problemática, ao menos, parece passar, entre outras ações, por um melhor apreço didático à história da ciência moderna e contemporânea. Apesar de o presente trabalho estar voltado ao aluno do ensino superior, frisa-se novamente que tal aluno, possivelmente, será ele mesmo professor – de Ensino Médio ou Superior – e que sua formação em uma física moderna contextualizada histórica e filosoficamente pode trazer reflexos positivos para o ensino dessa matéria com seus alunos.

Longe de intentar esgotar o assunto, espera-se, através deste trabalho, ter apresentado argumentos convincentes e desafiadores para levar o aluno universitário a se interessar e a refletir, com mais fundamento, sobre um tema com tantos desdobramentos, dentro e fora da ciência, como é o período inicial da radioatividade.

REFERÊNCIAS

BADASH, L. Radioactivity before the Curies. American Journal of Physics, v. 33, n. 2, p. 128 – 135, fev. 1965.

BADASH, L. Rutherford and Boltwood: Letters on Radioactivity. 377 p. New Haven e Londres: Yale University Press. 1969.

BECQUEREL, H. Émission de radiations nouvelles par l‟uranium métallique. Comptes Rendus Hebdomadaires de l’Académie des Sciences de Paris. Paris, v. 122, t. 1, p. 1086-1088, 1896.

BECQUEREL, H. Contribuition à l‟étude du rayonnement du radium. Comptes Rendus Hebdomadaires de l’Académie des Sciences de Paris. Paris, v. 130, t. 1, p. 206 – 211, 1900a.

BECQUEREL, H. Sur La dispersion Du rayonnement Du radium dans um champ magnétique. Comptes Rendus Hebdomadaires de l’Académie des Sciences de Paris. Paris, v. 130, t. 1, p. 372 – 376, 1900b.

BECQUEREL, H. Déviation du rayonnement du radium dans un champ éléctrique. Comptes Rendus Hebdomadaires de l’Académie des Sciences de Paris. Paris, v. 130, t. 1, p. 809 – 815, 1900c.

BECQUEREL, H. Note sur le rayonnement de l‟uranium. Comptes Rendus Hebdomadaires de l’Académie des Sciences de Paris. Paris, v. 130, t. 1, p. 1583 – 1585, 1900d.

CARVALHO, A. M. P.; VANUCCHI, A. I. History, Philosophy and Science Teaching: Some Answers to How. Science & Education. Amsterdã: Elsevier, v. 9, p. 427 – 448, 2000.

CHADWICK, J. The Collected Papers of Lord Rutherford of Nelson, Volume I: New Zealand – Cambridge – Montreal. Nova York: Interscience, 1962.

CORDEIRO, M. D., PEDUZZI, L. O. Q. As Conferências Nobel de Marie e Pierre Curie: a gênese da radioatividade no ensino. Artigo aceito para publicação, Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 27, dez. 2010.

CURIE, E. Madame Curie. Tradução: Monteiro Lobato. 11 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1962.

CURIE, M. Rayons émis par les composés de l‟uranium et du thorium. Comptes Rendus Hebdomadaires de l’Académie des Sciences de Paris. Paris, v. 126, t. 2, p. 1101 -1103, 1898.

CURIE, M. Sur la penetration des rayons de Becquerel non déviables par le champ magnétique. Comptes Rendus Hebdomadaires de l’Académie des Sciences de Paris. Paris, v. 130, t.1, p. 76 – 79, 1900. CURIE, P. Action du champ magnétique sur les rayons de Becquerel. Rayons déviés et rayons non déviés. Comptes Rendus Hebdomadaires de l’Académie des Sciences de Paris. Paris, v. 130, t. 1, p. 73 – 76, 1900.

CURIE, P.; CURIE, M. Sur la charge électrique des rayons déviables du radium. Comptes Rendus Hebdomadaires de l’Académie des Sciences de Paris. Paris, v. 130, t. 1, p. 647 – 650, 1900.

CURIE, P. Radioactive Substances, espeacially Radium. In: Nobel Lectures, Physics 1901-1921. Amsterdam: Elsevier, 1967.

CURIE, M. Radium and the new concepts in chemistry. In: Nobel Lectures, Chemistry 1901-1921. Amsterdam: Elsevier, 1966.

EISBERG, R., RESNICK, R. Física Quântica: Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas. 13. Ed. Rio de Janeiro: Campus, 1979.

FAJANS, K. Radioactive Transformations and the Periodic System of the Elements. Berichte der Deutschen Chemischen Gesellschaft, v. 46, p. 422 – 439, 1913.

FELDMAN, B. The Nobel Prize. 1. ed. Nova York: Arcade Publishing, 2000

FRANK, P. The Place of the Philosophy of Science in the Curriculum of the Physics Student. American Journal of Physics, v. 15, n. 3, pp. 202 – 218, 1947.

FRANK, P. The Place of the Philosphy of Science in the Curriculum of the Physics Student. Science&Education, Amsterdã: Elsevier, v.13, pp. 99 – 120, 2004.

FREEDMAN, M. I. Frederick Soddy and the Practical Significance of Radioactive Matter. The British Journal for the History of Science. v. 12, n 42. 1979.

GEIGER, H., MARSDEN, E. On a diffuse reflection of the alpha particles. Proceedings of the Royal Society. Londres, v. 82, p. 495 – 500, 1909.

GEIGER, H., MARSDEN, E. The Laws of deflexion of alpha particles through large angles. Philosophical Magazine, s. 6, v. 25, n. 148, abr. 1913.

GIL-PÉREZ, D. et al. Para uma imagem não deformada do trabalho científico. Ciência e Educação, São Paulo, v.7, n.2, p. 125 – 154, 2001. GUERRA, A. et al. Uma abordagem histórico-filosófica para o eletromagnetismo no ensino médio. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 21, p. 224 – 248, ago. 2004.

KRAGH, H. The origin of radioactivity: from solvable problem to unsolvable non-problem. Archive for History of Exact Sciences, Berlin/Heidelberg, v. 50, n. 3-4, set. 1997.

KRAGH, H. Conceptual changes in chemistry: the notion of a chemical element ca. 1900 – 1925. Studies in History and Philosophy of Science Part B: Studies in History and Philosophy of Modern Physics, v.31, n.4, dez. 2000.

KUHN, T. S. The Structure of Scientific Revolutions. 2 ed. Chicago e Londres: University of Chicago Press, 1970.

LAUDAN, L. Science and Values: the aims of science and their role in scientific debate. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 1984.

LONGINO, H. Science as a Social Knowledge. Values and Objectivity in Scientific Inquiry. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1990.

MARTINS, R. A. Como Becquerel não descobriu a radioatividade. Caderno Catarinense de Ensino de Física, Florianópolis, v. 7 (numero especial), p. 27 – 45, 1990.

MARTINS, R. A. Becquerel and the Choice of Uranium Compounds. Archives for History of Exact Sciences, Berlin/Heidelberg, v. 51, n. 1, p. 67-81, mar. 1997.

MARTINS, R. A. A Descoberta da Radioatividade. In: Santos, C. A. Da Revolução Científica à Revolução Tecnológica. Porto Alegre: Instituto de Física da UFRGS, 1998, p. 29 – 49.

MARTINS, R. A. As primeiras investigações de Marie Curie sobre os elementos radioativos. Revista da SBHC, n. 1, p. 29 – 41, 2003.

MARTINS, R. A. Hipóteses e interpretação experimental: a conjetura de Poincaré e a descoberta da hiperfosforescência por Becquerel e Thomson. Ciência & Educação. São Paulo, v. 10, n. 3, p. 501 – 516, 2004.

MARTINS, R. A. Ciências versus historiografia: os diferentes níveis discursivos nas obras sobre história da ciência. In: ALFONSO- GOLDFARB, A. M; BELTRAN, M. H. R. (eds). Escrevendo a História da Ciência: tendências, propostas e discussões historiográficas. São Paulo: EDUC / Livraria da Física / FAPESP, 2005, p. 115 – 145.

MEDEIROS, A. Aston e a descoberta dos Isótopos. Química Nova na Escola, n. 10, p. 32 – 37, nov. 1999.

MOREIRA, M. A.; OSTERMANN, F. Sobre o ensino de Método Científico. Caderno Catarinense de Ensino de Física, v.10, n. 2, p. 108 – 117, ago. 1993.

OLIPHANT, M. Rutherford: Recollections of the Cambridge Days. 158 p. Amsterdã, Londres, Nova York: Elsevier, 1972.

OSTERMANN, F., MOREIRA, M.A Uma revisão bibliográfica sobre a área de pesquisa “Física Moderna e Contemporânea no ensino médio”. Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre, v.5, n.1, p. 23 – 48, jan. 2000.

OSTERMANN, F., MOREIRA, M. A. Atualização do currículo de física na escola de nível médio: um estudo dessa problemática na perspectiva de uma experiência em sala de aula e da formação inicial de professores. Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 18, n. 2, p. 135 – 151, ago. 2001.

OWENS, T. Going to school with Madame Curie and Mr. Einstein: gender roles in children‟s science biographies. Cultural Studies of Science Education, Holanda. Publicado online, fev. 2009. Disponível em <www.springerlink.com> Acesso em: 17 mai. 2009.

PEREIRA, A. P., OSTERMANN, F. Sobre o ensino de Física Moderna e Contemporânea: uma revisão da produção acadêmica recente.

Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre, v. 14, n. 3, p. 393 – 420, 2009.

PLEITEZ, V. O acaso, o preconceito e o método científico em física. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 18, n. 4, p. 355 – 361, dez. 1996.

RAMSAY, W., SODDY, F. Experiments in Radioactivity, and the Production of Helium from Radium. Proceedings of the Royal Society of London. Londres, v. 72, p. 204 – 207, 1903.

RUTHERFORD, E.; SODDY, F. The cause and nature of Radioactivity. Philosophical Magazine, v. 4, p. 370 – 396, 1902.

RUTHERFORD, E., ROYDS, T. The nature of the alpha particle from radioactive substances. Philosophical Magazine, v. 17, p. 281 – 286, 1909.

RUTHERFORD, E. The scattering of alpha and beta particles by matter and the structure of the atom. Philosophical Magazine, s. 6, v. 21, p. 669 – 688, mai. 1911.

RUTHERFORD, E. The Structure of the Atom. Philosophical Magazine, s. 6, v. 27, p. 488 – 498, mar. 1914.

RUTHERFORD, E. The Chemical Nature of the Alpha Particles of the Radioactive Substances. In: Nobel Lectures, Chemistry 1901-1921. Amsterdam: Elsevier, 1966.

SCHMIDT, G. C. Sur les radiations émises par le thorium et ses composes. Comptes Rendus Hebdomadaires de l’Académie des Sciences de Paris. Paris, v. 126, t. 1, 1898.

SILVA, C. C.; MARTINS, R. A. Teoria das cores de Newton: um exemplo do uso da História da Ciência em sala de aula. Ciência & Educação, v. 9, n. 1, p – 53 – 65, 2003.

SODDY, F. La chimie des elements radioactifs. Paris: Gaulthier-Villars et Compagnie, 1915.

SODDY, F. The origins of the concetions of Isotopes. In: Nobel Lectures, Chemistry 1901-1921. Amsterdam: Elsevier, 1966.

SOLOMON, J. Teaching Science, Technology and Society. Developing Science and Technology Series. Bristol: Taylor and Francis, 1993.

TERRAZAN, E. A. A inserção da Física Moderna e Contemporânea no ensino de Física na escola de 2º grau. Caderno Catarinense de Ensino de Física, Florianópolis, v.9, n.3, p. 209 – 214, dez. 1992.

TRENN, T. J. Radioactivity and Atomic Theory: presenting facsimile reproduction of the Annual Progress Reports on Radioactivity from 1904 to 1920 to the Chemical Society. Londres: Taylor and Francis ltd., 1975.

VILLARD, P. Sur Le rayonnement Du radium. Comptes Rendus Hebdomadaires de l’Académie des Sciences de Paris. Paris, v. 130, t. 1, p. 1178 – 1179, 1900.

WELLS, H. G. Experiment in Autobiography. 175 p. Nova York: McMillan. 1934.

CAPÍTULO 4

Consequências das descontextualizações