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A ORGANIZAÇÃO DAS MULHERES NO ASSENTAMENTO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao buscar compreender o significado social que tem a participação das mulheres no processo de organização do assentamento Arizona no município de São Miguel do Gostoso, buscamos percorrer a trajetória histórica do assentamento em seus dez anos de existência, desde a luta pela terra, as negociações com o poder publico o papel do MST e o envolvimento das mulheres na qualidade de mulher, mãe, assentada, participante dos processos de organização do assentamento.

Ouvir os relatos de mulheres em suas lembranças, conhecer situações de vida existentes, aparece na pesquisa como a oportunidade de reconstruir vivências, histórias e sonhos daquelas, cujas lembranças permeiam os momentos que passaram no acampamento, enquanto uma afirmação e resistência através da busca pela terra para nela trabalhar, plantar e viver. No assentamento, quando já se consolida a fase de acesso aos créditos, as construções das casas e as perspectivas de fortalecimento através de uma atividade produtiva e geradora de renda.

A pesquisa revela que ao participar da construção do assentamento rural, a mulher assentada se reconhece como participante ativa no processo de organização do assentamento, quando no período do acampamento precisa assumir sozinha, a casa e a família, enquanto o marido guardava o canto, como diz uma delas em momentos de conversa. Buscam na lembrança as dificuldades e alegrias vividas. No resgate, o fator emocional desvenda o poder da conq uista, quando a emoção sufoca a palavra que traz nas lembranças os tempos passados, cujas dificuldades marcam a vida na fase anterior e durante o acampamento.

Ao descrever as relações construídas entre homens e mulheres no assentamento Arizona, enquanto um universo relacional, observa-se que permanece na estrutura de sua organização, uma diferenciação nas atividades assumidas por homens e mulheres e que essas seguem normas e papeis de acordo com o sexo e o gênero. Nesse aspecto, as mulheres continuam com a responsabilidade, quase que exclusivamente, de cuidar dos filhos e filhas e da casa, mas também assumem a responsabilidade como agricultora no trabalho com o quintal e o roçado.

A participação nos espaços de organização é visível nas influências do gênero quando na escolha de seus representantes o que se reflete num envolvimento parcial das mulheres na organização política do assentamento, e que confirma os estudos sobre as relações de gênero, quanto à afirmação de que essas estruturam o conjunto das relações socais, que os mundos da política, do trabalho e da cultura se definem pelos papéis masculinos e femininos e se materializam com uma rígida divisão sexual do trabalho.

Tanto na fase do acampamento, quanto na fase do assentamento, as mulheres desempenham um papel fundamental na organização e na manutenção da unidade doméstica e na produção de bens de consumo e atividades desenvolvidas tanto na casa, quanto no lote. Realizam atividades agrícolas e desempenham um papel essencial na economia doméstica, através da criação de pequenos animais, no fortalecimento do trabalho no quintal, bem como em relação aos cuidados que assumem relacionados à defesa da saúde e do bem estar da família.

Por outro lado, a noção do homem, enquanto provedor e único responsável pelo bem estar da família, parece solapar, na realidade em que vive as mulheres do assentamento Arizona, visto o importante papel que essas têm desenvolvido para o fortalecimento e sustentabilidade da economia doméstica, ao assumirem as diversas atividades no contexto da produção e reprodução social da família. No entanto, ainda perdura a invisibilidade do trabalho realizado pelas mulheres, a partir da noção do trabalho como ajuda associada à idéia de trabalho

pesado (realizado pelos homens) ou leve (realizado pelas mulheres e crianças)

(Paulilo, 1987).

No entanto, no processo de organização do assentamento, desde a fase do acampamento, a mulher assentada se constrói enquanto um novo sujeito à medida que se organiza através do grupo e passa a participar, planejar e ocupar espaços de discussão política. Produz para o seu próprio sustento e de sua família, adquire conhecimentos a que antes não tinha acesso.

Nessa perspectiva, as mulheres através dos grupos, se diferenciam no contexto da organização do assentamento. Nisso há um maior reconhecimento sobre a importância que essa tem para o desenvolvimento do assentamento.

Somando-se a sua organização às articulações em torno do projeto agroecológico, o que tem contribuído significativamente para que as assentadas se afirmem enquanto um sujeito produtivo e social, pois rompem fronteiras, ampliam conhecimentos, vivem novos horizontes de participação, se necessário, se impõem no processo para defender os seus direitos e do grupo. Para isso, destacam-se as articulações cotidianas entre elas no assentamento, cujos laços de solidariedade, amizade, confiança e cumplicidade têm sido fundamentais na sua organização.

Através da experiência do grupo “Maria”, demonstra-se que é possível a organização enquanto uma ação coletiva, o que lhes possibilita a ampliação dos horizontes, e a presença, em vários espaços de construção, pode lhes proporcionar visibilidade e reconhecimento, dado o seu importante papel dentro da unidade familiar e fora dela.

Podemos constatar, por fim, uma participação efetiva das mulheres no assentamento Arizona, ao que pese as relações de gênero construídas. Uma participação que guarda significados nos papéis assumidos por elas na qualidade de mãe, dona de casa, sócia da associação e agricultora, papéis esses que asseguram a sua realização. A mulher assentada tem contribuído efetivamente com a produção

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