• Nenhum resultado encontrado

A adoção do software Notivisa a partir de 2008 representou um grande avanço para a Anvisa, no que se refere à forma de recebimento de notificações. Até então as notificações de suspeitas de eventos adversos ao uso de medicamentos eram enviadas por formulários eletrônicos, mas estes não eram armazenados em um banco de dados. Nesse sentido, portanto, o Notivisa constituiu uma inovação extremamente positiva, especificamente para o desenvolvimento de atividades de farmacovigilância. A possibilidade de localizar notificações por período de tempo, por medicamento, por evento adverso notificado, entre outras alternativas, foi um incremento de qualidade para as ações de farmacovigilância da Agência.

Neste trabalho, com o auxílio do MicroStrategy®, foi possível identificar que há Estados que enviam poucas notificações de suspeitas de inefetividade para o Notivisa, notadamente Estados localizados nas Regiões Norte e Nordeste (sete das nove UFs com coeficiente de notificação por milhão de habitantes inferior a um se localizam na Região Nordeste). Isso contribui para os altos índices de subnotificação, uma das maiores dificuldades para as ações de farmacovigilância. É necessário, portanto, sensibilizar os profissionais de saúde dessas regiões quanto à importância da notificação. Para isso, contudo, é certamente importante que os notificadores dessas regiões (e de outras do país) percebam resultados efetivos em relação às notificações que são encaminhadas para o Notivisa.

Depõe contra essa iniciativa, pelo menos no que se refere às notificações de inefetividade analisadas, o fato de nenhum dos lotes citados nas notificações recebidas no período ter sido objeto de medidas sanitárias por parte da Anvisa. É necessário, portanto, esclarecer aos notificadores a importância dessa vigilância passiva, que se dá por meio das notificações voluntárias encaminhada pelos notificadores, mesmo que não haja medidas sanitárias que resultem no recolhimento de lotes. Deve ficar claro aos notificadores que a ausência dessas medidas sanitárias não implica necessariamente uma falha na atuação da Anvisa. Casos de inefetividade, conforme informa a literatura, podem acontecer. Compete a atuação da Anvisa quando essas inefetividades se dão por problemas com os medicamentos (desvio da qualidade) ou necessidade de adequações (uma interação medicamentosa, por exemplo).

É imperativo também que os notificadores entendam a importância de registrar os lotes e o nome do medicamento suspeito corretamente (escrever o nome do medicamento completo, especialmente quando se trata de uma associação). No que concerne aos lotes, é

fundamental que os notificadores compreendam que registrá-los nos casos de suspeita de inefetividade é essencial para que a análise dessas notificações não fique comprometida.

Ainda com relação aos notificadores, a avaliação da gravidade dos casos por parte destes foi semelhante a dos técnicos da Anvisa. Isso indica um padrão de análise de gravidade próximo entre o notificador e o técnico da vigilância sanitária responsável pela análise da notificação.

O fato de os notificadores utilizarem em quase todos os casos – mais de 90% – os termos “inefetividade de medicamento”, “ineficácia”, “inefetividade” e “inefetividade inesperada de medicamento” denota uma identificação dos profissionais de saúde com esses termos de eventos adversos para se referirem a suspeitas de inefetividade. É oportuno, portanto, se utilizar desses mesmos termos caso se queira comunicar com os notificadores ou fazer buscas ativas – na Internet, por exemplo – de suspeitas de inefetividade.

Com respeito aos medicamentos mais notificados, é relevante observar o grande número de anestésicos relatados como suspeitos, notadamente as associações contendo bupivacaína. O número de notificações aponta para uma desproporcionalidade no número de casos dessas associações, situação que é comprovada por meio do cálculo da odds ratio (147,21) e do número esperado de casos (eram esperados três casos, mas se receberam 144), com valores bem superiores aos dos demais medicamentos analisados.

Embora a Anvisa não tenha adotado ainda nenhuma medida específica em relação à bupivacaína, faz-se necessário identificar o motivo desse número de relatos. De acordo Capucho e colaboradores 2008, “estudos de estabilidade de várias formas de um determinado fármaco são muito importantes para o desenvolvimento de um medicamento eficaz e seguro”, especialmente em medicamentos que possam apresentar polimorfos, como é o caso da bupivacaína.

Não se pode esquecer, contudo, que há fatores alheios ao medicamento – como os profissionais de saúde (excesso de trabalhos desses profissionais, expectativas inverossímeis quanto ao medicamento, falhas na técnica de aplicação) e os pacientes (suas doenças de base, faixa etária e o uso de outros produtos indutores do metabolismo, como medicamentos concomitantes, álcool ou cigarro) – que frustram a determinação de uma causalidade associável ao medicamento. Há, portanto, circunstâncias que dificultam o estabelecimento de uma relação causal pujante entre a inefetividade e o medicamento. Corrobora com esta afirmação o fato de 61,7% das notificações recebidas pelo Notivisa no período analisado terem sido avaliadas com a causalidade “possível”, casos em que há variáveis diferentes do medicamento passíveis de justificar o evento adverso inefetividade.

Nesse sentido, a ausência no Notivisa de ferramentas que permitam uma análise agrupada das notificações recebidas é algo consideravelmente preocupante. Sem esse tipo de informação, os dados recebidos não geram informações estatísticas relevantes (ainda que a partir de simples medidas de frequência, como número esperado e reporting odds ratio), para a tomada de decisão. Em um tempo dinâmico como o atual, em que se necessita cada vez mais de informações tempestivas para a tomada de decisão, isso se mostra algo crítico. No caso específico de notificações de suspeita de inefetividade terapêutica isso é ainda pior, visto que esse tipo de evento adverso é extremamente complexo para se determinar. Estabelecer uma relação causal e tomar uma medida sanitária em casos de inefetividade não é algo simples.

Para assegurar a fluidez dessas informações, e o consequente fortalecimento do sistema de farmacovigilância, é necessário o envolvimento sincronizado de diversos atores – usuários, profissionais de saúde e técnicos de vigilância sanitária. Os profissionais de saúde precisam ser sensibilizados sobre a necessidade de questionar seus pacientes sobre a ocorrência de eventos adversos e de notificá-los para a Anvisa. Da mesma forma, os usuários precisam de orientações sobre o fato de que todo medicamento pode gerar reações adversas e que estas precisam ser não apenas tratadas, mas também notificadas. Certamente é um percurso longo, que envolve a promoção pela Anvisa de campanhas educativas, agilidade e pronta atitude da Agência diante das notificações recebidas.

Nesse sentido, a adoção de um sistema mais robusto, como propõe ser o VigiMed – novo sistema disponibilizado pela Anvisa para cidadãos e profissionais de saúde relatarem eventos adversos de medicamentos e vacinas. Atualmente ele funciona em conjunto com o Notivisa, mas brevemente o substituirá – se mostra interessante, visto que o VigiMed dispõe de funcionalidades mais modernas para avaliação das notificações pela farmacovigilância.

A despeito das limitações do sistema, o Notivisa é uma valiosa ferramenta para a prática da farmacovigilância. Nossos resultados, entretanto, sugerem a existência de alguns ruídos na interface notificador-Notivisa, situação que compromete de forma direta as possíveis ações da Anvisa, as quais seriam deflagradas a partir das informações recebidas pela Agência por meio do Notivisa. Essas informações podem ser o combustível para as ações regulatórias da Anvisa junto ao mercado farmacêutico brasileiro.