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O presente trabalho dedicou-se a avaliar uma das situações mais comuns na vida de qualquer cidadão: o diálogo que se estabelece com trabalhadores em saúde quando esse cidadão, acometido por um desequilíbrio em seu estado físico e emocional, procura um serviço público de saúde em busca de atendimento e alívio para seus males e angústias. Nesse encontro, conforme afirmado anteriormente, está presente uma relação de dominação histórica, característica dos serviços públicos de saúde desde sua criação. Tal momento é descrito, por autores revisados no presente trabalho, como um relacionamento unilateral, pautado pelo discurso do profissional de saúde, que determina condutas de tratamento com base em seu repertório técnico e sua visão do estado de saúde do paciente. Por sua vez, o paciente acaba aceitando essas condutas, frequentemente sem questionar, devido à relação de dominação social representada pela diferença de repertório técnico e sua fragilidade física e emocional.

Nessa pesquisa, encontrou-se que pacientes internadas no setor de GO do HUSM eram mulheres, que estiveram internadas por diversas situações e doenças (ginecológica, oncológica e obstétrica). A idade média das mulheres que estavam internadas era de 27 anos, a renda média foi de um a três salários mínimos e a maioria das mulheres era casada (ou união consensual). Essas mulheres estavam internadas por pós-parto, cesárea ou vagina 61,4% (GOO), por doenças da gestação 24,8%; (GGC) e em tratamento por doenças neoplásicas 8,5% e ginecológicas 5,3% (GGM). As pacientes provenientes de Santa Maria totalizaram 67% dos casos.

Através da pesquisa quantitativa verificou-se que 95,3% das pacientes referiram estar satisfeitas com as informações médicas prestadas e ofertadas, considerando-se que a maior parte delas internaram para realizar parto normal/cesárea, o que se constitui, na realidade, no tipo de atendimento predominante do serviço. Entretanto, dentre aquelas pacientes que estiveram internadas por doenças da gestação, oncológicas ou para cirurgias eletivas ginecológicas referiram estar menos informadas e conscientes a respeito dos processos de doença pelos quais passavam.

Verificou-se que houve diferenças na compreensão das pacientes dos motivos de sua internação. Obviamente, aquelas que internavam para parto, com ou sem experiência prévia, estavam mais bem equipadas informativamente em relação ao motivo pelo qual necessitaram

de internação. No entanto, as mulheres portadoras de doenças clínicas da gestação, oncológicas e com doenças ginecológicas sabiam menos sobre a sua condição de saúde ou doença que as outras. Houve, dentre essas, um percentual menor de mulheres que disseram ter sido bem orientadas.

Observou-se que a maioria das gestantes, quando vieram avaliar se estavam em trabalho de parto, estava desacompanhada e internaram dessa forma. Entretanto, dentre as pacientes com doenças ginecológicas ou mamárias e doenças da gestação uma maior parte estava acompanhada num momento do seu diagnóstico e /ou internação.

Como uma importante proposta dessa pesquisa verificou-se que as pacientes obstétricas, que vieram para parto, em geral (92%), referiram que o profissional da saúde, médico ou médica, que as atendeu, foi empático, explicativo e atencioso no seu comportamento. Esse percentual foi menos expressivo nas pacientes com doenças ginecológicas e da gestação. Este fato pode estar relacionado com a maior dificuldade e inabilidade que os médicos têm ao serem solicitados a dar más notícia ou notícias difíceis, em especial no setor da oncologia.

No seguimento da observação do cumprimento dos objetivos propostos concluiu-se que é rara, esparsa, não efetiva, ocasional a participação das pacientes no processo de tomada de decisões dos seus processos saúde-doença. Esta, seguindo os modelos atuais de deliberação e com ênfase à autonomia e liberdade das pessoas, encontra-se, no contexto estudado, num estágio evolutivo precário. Tal fato foi corroborado através do desconhecimento do processo de obtenção do TCLE por parte dos médicos e de falta de informação das pacientes sobre a importância do documento, como demonstram os dados da tabela 6. Evidenciou-se que quando o TCLE foi aplicado este procedimento foi realizado de maneira mecânica, sem orientação suficiente apontando a busca, simplesmente, da assinatura da paciente. Essa forma de aplicação do documento não abarca nenhum valor, pois se distancia das prerrogativas para os quais o TCLE deve ser responsavelmente utilizado. Essa prática necessita ter o seu foco esclarecido e valorizado, e uma vez cumprida essa etapa sua aplicação precisa ser realizada de modo consciente e eficaz.

Seguindo nessa linha de pensamento, alcançar os objetivos propostos, verificou-se que quando se realizou o confronto da informação referida pelo paciente através do questionário e a checagem desta no prontuário, houve informação coincidente em 75,7%. Considera-se esse percentual pouco satisfatório. Em um hospital escolar, de nível terciário e referência regional, esperavam-se pacientes conscientes e muito bem informados.

123 As novas perspectivas vinculadas com doenças neoplásicas e malignas estimulam as pessoas, apesar de insegurança e do medo, a enfrentar melhor as suas verdades. Deste modo, coincidente com este aspecto da modernidade, 81% das mulheres referiram querer saber realisticamente as informações sobre a sua doença. Estariam os médicos que as assistiram preparados para ofertar notícias difíceis? Observou-se que existe uma fuga do agir correto, por parte dos médicos, em relação a essas situações. Houve referência a dificuldades por parte desses no manejo dessa situação.

Levando-se em conta o estudo qualitativo, elucidou-se com maior profundidade o pensamento e a percepção de algumas mulheres sobre os mesmo elementos acima mencionados. Esta pesquisa demonstrou com maior ênfase e mais liberdade de expressão que muitas vezes o que é respondido em um questionário fechado, que traz possibilidade de respostas fechadas e não elucida um fenômeno em sua completude e complexidade. Muitas mulheres, ao expressarem-se mais livremente, ofertaram percepções às vezes opostas àquelas ofertadas no questionário. Relataram diversas vezes sentirem-se tristes e desvalorizadas como seres humanos pelos médicos e pelas médicas que as deveriam cuidar de um modo amplo e educado.

Como expresso na discussão, ressalta-se que tal fato é muito preocupante, principalmente, por ser o HUSM um hospital escola onde se deve aprender a ser e atuar como médicos, em âmbito geral, e com visão global das pessoas em seu contexto. Nos dias atuais em que se preconiza uma relação médico paciente (RMP) deliberativa, onde a informação adequada é parte muito relevante, tal fato, principalmente, em um hospital escola, é inadmissível. Pode-se ponderar que as pacientes não compreendem adequadamente a informação ou a negam em função de seus mecanismos psíquicos de proteção. No entanto, cabe reforçar que é papel obrigatório do médico fazer-se entender e procurar saber, em contrapartida, se foi adequadamente compreendido, não importando quanto tempo se mostre necessário para que esse processo ocorra.

Essa pesquisa mostrou que as mulheres internadas, apesar de elogiarem a internação, o atendimento, a qualidade do serviço, em diversos momentos queixaram-se de falta de informação, falta de disponibilidade médica e tinham dúvidas sobre a internação/tratamento. Observou-se até mesmo que algumas pacientes tinham concepções erradas a respeito dos motivos de sua internação/diagnóstico/tratamento.

Perguntou-se, após a análise dos resultados: porque elas não sabiam corretamente o diagnóstico/motivo da internação? Porque elas tinham tantas dúvidas? Especula-se que possa

ter alguém (médico) pensando e decidindo por elas, tomando as condutas sem consultá-las. A paciente internada no HUSM foi, em alguns casos, um objeto passivo dessas decisões médicas.

De um modo geral, todas as pacientes desejavam saber, ser atendidas, ouvidas, respeitadas e principalmente queriam ser informadas. Elas se mostraram capazes de compreender o que lhes poderia ter sido dito, independente da sua escolaridade. Desse modo, é importante lembrar e reafirmar as palavras de vários pesquisadores nessa área e, de certo modo, reconduzir a prática médica na RMP, de forma efetiva, delicada e sensível.

Através da analise desses dados sugere-se para melhoria do atendimento e serviço a criação de uma rotina no serviço da aplicação do TCLE, para todas as pacientes, especialmente as pacientes da área da obstetrícia. Para treinamento e aperfeiçoamento profissional sugere-se a leitura de material sobre relação médico-paciente, oficinas e grupos de treinamento médico, em especial para os médicos residentes.

Como disse Sigmund Freud (1856 - 1939) “a ciência moderna ainda não produziu um medicamento tranquilizador tão eficaz como o são umas poucas palavras bondosas”.

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