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O objetivo deste artigo, ainda exploratório, foi analisar os elementos discursivos originados a partir da temática de assédio sexual no âmbito específico da academia brasileira em Administração. Nesse contexto, a pergunta de pesquisa foi: o evidenciado não dito a respeito dos casos de assédio sexual nos espaços da academia brasileira em Administração sugere evidências de uma não ocorrência de práticas de assédio neste espaço, ao que respondemos não. O não dito não é significado, neste espaço, como não presente. Os assédios ocorrem em variados âmbitos da academia e perpetuam relações de poder que significam não lugares para as mulheres, ou pertenças simbólicas a estes espaços em condição sexualmente objetivada. Embora os avanços nas discussões de gênero devam ser reconhecidos, falar de assédio sexual é, ainda, falar de um assunto naturalizado e negado neste espaço, embora vivenciado. Nesse sentido, consideramos que a ruptura com essa naturalização seja urgente para que o espaço acadêmico possa ser plenamente vivenciado por mulheres sem que seus corpos sejam, assim como em variados âmbitos sociais e organizacionais, classificados dentro de padrões estéticos e reduzidos a objetos sexuais. Além disso, o estudo exploratório aqui realizado teve como desdobramento o reconhecimento da importância de se ampliar não só as concepções jurídicas de assédio, como também as comumente trabalhadas no contexto dos estudos organizacionais e do

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trabalho, a fim de se apreender a complexidade e a miríade de possibilidades de práticas sexuais que objetificam a mulher.

Este artigo contribui para o campo de pesquisas e da prática acadêmica, política e institucional em Administração ao chamar para o debate os diversos sujeitos e instituições que compõem esta academia para um assunto negligenciado e, ao mesmo tempo, cotidianamente reproduzido, limitando vivências e experiências subjetiva e emocionalmente positivas de mulheres acadêmicas. Embora exploratório, o estudo permite um avanço acerca de apreensões diversas de concepções sobre assédio, ainda limitadas, como já pontuado.

Essa natureza exploratória que configuramos como uma das importantes limitações do estudo não elimina o potencial significativo de desenvolvimento a partir da continuidade da pesquisa, que já está sendo feita a partir da realização de novas entrevistas com mulheres acadêmicas, que serão trabalhadas em futuros estudos. Por fim, apontamos como evidência da urgência da discussão sobre a temática a necessidade, neste estudo exploratório, de inserirmos nossas próprias narrativas (importantes, de qualquer forma) para legitimar nossa discussão, uma vez que falar sobre o assunto envolve ainda significativos processos de resistências e receios relativos das mulheres que foram interpeladas aos desdobramentos da discussão.

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Como sugestões para próximas pesquisas, além de maior exploração teórico- empírica do tema, sugerimos uma discussão mais aprofundada acerca das perspectivas teóricas sobre assédio sexual, numa tentativa de evidenciar quais dessas perspectivas seriam interessantes para estudos que envolvam construções de gênero e/ou se vinculem a epistemologias feministas, possibilitando um avanço teórico à discussão.

Como sugestões práticas para este campo de pesquisas em Administração, indicamos a importância de um debate amplo, capilar e institucional, para que o combate a práticas silenciadas de objetificação e de violências se torne um valor deste contexto acadêmico (e também de outros). Romper com o silêncio, aqui, neste estudo, teve como objetivo incentivar uma não aceitação, mais, de práticas arraigadas numa academia que reproduz silenciosamente práticas que ela mesma, em determinadas linhas de pesquisa, questiona.

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Resumo

A objetificação histórica das mulheres na sociedade naturalizou os seus corpos como objeto de satisfação dos desejos masculinos. Neste contexto em que a hierarquia social baseada no gênero é criada e reforçada, será prudente pensar em uma academia isenta desta violência? Afinal, falamos de uma academia que, queiramos ou não, reproduz as relações históricas androcêntricas que colocam a mulher como um ser subalterno e inferior aos homens. É com este pensamento que temos como principal objetivo neste estudo analisar os elementos discursivos originados a partir da temática de assédio sexual no âmbito específico da academia brasileira em Administração. Para isso, trouxemos as narrativas de duas mulheres docentes e pesquisadoras que possuem uma trajetória acadêmica no campo de estudos da Administração que foram analisadas por meio da abordagem teórico-metodológica da Análise do Discurso de Linha Francesa. Os resultados ratificam a dificuldade de discutir o assunto neste campo acadêmico.

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