Analisou-se neste trabalho o conceito de Emenda Constitucional (EC), a partir das transformações realizadas na Constituição brasileira de 1988 no período compreendido entre os anos de 2015 e 2018. Para tanto, utilizou-se, por um lado, a interpretação quantitativa ao se destacar o tempo de tramitação das emendas e também a quantidade de PECs apresentadas. De outro lado, abordou-se de forma qualitativa as Emendas à Constituição ao se debruçar sobre seu conteúdo, os temas que tratavam, o partido ao qual pertencia seu proponente e a repercussão na sociedade. O aporte teórico foi conferido pelo doutrinador Marcelo Neves (2007), que com o conceito de "Constituição Simbólica" permitiu que se interpretasse a dinâmica das mudanças constitucionais do presente em sua relação com o contexto político atual.
Diz-se que a Constituição brasileira é instável devido ao fato de sofrer muitas alterações em seu texto originário. Há quem diga que hoje ela já é irreconhecível. Por outro lado, há quem afirme que sua mudança é de superfície, mantendo-se seu núcleo estruturante e parte mais importante. Devido ao fato da palavra PEC estar sempre presente na mídia, existe a sensação de que os emendamentos à Constituição fazem parte da cultura política nacional. No entanto, nesta pesquisa apresentou-se dados que mostram uma queda constante no número de PECs apresentadas, ainda que, por outro lado, nos últimos dez anos mudou-se mais a Constituição do que em comparação com as duas décadas anteriores.
Durante o período selecionado chegou-se à Emenda Constitucional de nº 99. Hoje, no momento em que este trabalho é escrito já se alcançou a Emenda Constitucional de nº 101, de 03 de julho de 2019. Esse fato é um exemplo flagrante de quão velozmente a Carta Magna tem sido alterada. Tal retalhamento do texto da Lei Maior - por vezes sem necessidade - cria a possibilidade da insegurança jurídica, imprescindível a um Estado Democrático de Direito, em particular para uma democracia jovem como a brasileira.
Encerra-se essa pesquisa com a intenção de que ela possa servir de apoio a trabalhos futuros que se dediquem a análise da série completa de Emendas à
51 Constituição, podendo testar com mais propriedade hipóteses aqui aventadas, como, por exemplo, a correlação entre a velocidade de tramitação das PECs e o contexto político, a relação entre o Congresso e o Poder Executivo e a função de álibi político que as mudanças constitucionais podem assumir. É notório que, se em um momento a rapidez de tramitação das PECs apontavam para o diálogo entre Câmara dos Deputados, Senado Federal e Presidência da República, em outro momento, a velocidade pode apontar para o oposto.55
Conclui-se que é necessário cautela na investigação da necessidade de se alterar a Constituição; o mesmo ânimo, porém, não parece presente nos membros do Congresso Nacional ou na Presidência da República. Do contrário, corre-se o risco de desfigurar a CF/88 a cada crise econômica ou política, ao utilizá-la como instrumento para alcançar a estabilização na sociedade. No entanto, seguindo o proposto por Marcelo Neves (2007), tal anseio não passa de uma miragem, pois a transformação da sociedade não depende de mudanças simbólicas ou de compromissos estabelecidos em um texto, mas de modificações profundas das estruturas de poder e das relações entre os cidadãos, em particular entre as diferentes classes sociais, detentoras de níveis desiguais de poder. Mudando-se apenas a Constituição reiteradamente, sem atingir qualquer avanço social ou diminuição dos conflitos presentes, caminha-se, naturalmente, para o total descrédito da CF/88 e das instituições que a sustentam.
55
No ano de 2019 a EC 101 foi aprovada após tramitar por anos oitenta e quatro (84) dias. Ela é vista como produto do conflito entre o presidente da Câmara dos Deputados e o presidente da República. ESTADÃO. Orçamento impositivo e a Emenda Constitucional 100. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/orcamento-impositivo-e-a-emenda-
52
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