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Algumas palavras e a possibilidade de novos olhares sobre o meu “fazer pedagógico”

Essa pesquisa representou para a minha caminhada profissional uma oportunidade para pensar-me enquanto professor-pesquisador que pode, sumariamente, interferir em sua

práxis metodológica em sala de aula e tentar rever alguns processos presentes em sua

realidade. Nessa direção, vou construindo um novo lugar de reflexão sobre o meu “fazer” e tento redimensionar outros caminhos que oportunizem aulas mais significativas para meus estudantes. Tendo por fio condutor o desejo de estimulá-los a falarem e escreverem sobre si, através das narrativas autobiográficas, favorecendo um empoderamento da escrita e percebendo-a como prática social que pode nos fazer refletir sobre nosso lugar social.

Esse processo de refletir/agir sobre a minha práxis me confere novos olhares sobre os saberes que circulam no universo escolar, reconhecendo-os como construções de autoria que se materializam na práxis, aqui entendida como expressões enunciativas em que os sujeitos sociais expõem suas subjetividades em contextos de interlocução (CESAR, 2011).

Saí do lugar-comum e me deslocar para tarefa de um etnógrafo que, de dentro, tenta olhar de fora para identificar a maneira como desempenho meu papel de educadora, torna-se uma tarefa importantíssima para minha prática pedagógica. Como uma voz legítima de dentro do processo educativo, vislumbro novos “modos de fazer” e tento procurar perceber minha realidade, já tão comum para mim, como uma “novidade”, como algo “entranho” que traduz concepções, valores, crenças, conflitos, ideologias, e, sobretudo, necessidade de atuação crítico-política. Nesse novo olhar sobre minha realidade já conhecida, (re)vejo meu próprio papel na mediação do saber, (re)penso meu lugar social de agente que deve incitar mudanças nas práticas sociais cotidianas e reflito sobre como devo lidar com as subjetividades que aparecem no momento em que me predisponho a valorizar a experiência pessoal como um elemento indispensável à formação do sujeito.

Percebo-me, então, como um sujeito que resiste diante de uma realidade que o tenta sucumbir no marasmo diário que a cultura escolar nos faz mergulhar ao longo do caminho. Tento, assim, criar contradiscursos que me façam reagir diante de uma práxis pedagógica que não alcança meus estudantes para a partir daí, dar novos rumos a esse caminho que desde os tempos mais remotos me seduziu de forma inimaginável. Com base nesse percurso e através da minha própria escrita sobre a prática, posso me considerar também um sujeito autor que

tem na práxis diária um desejo de ser um educador melhor, mediador, autônomo, transformador da realidade.

Cada memória aqui revelada sobre mim e sobre essa pesquisa realizada representa, simplesmente, a interpretação que tive no momento em que vivi cada experiência, pois parto de minha realidade de professora da Educação Básica, na modalidade da Educação de Jovens e Adultos, em um contexto específico. Logo, parto desse lugar para fazer as minhas observações que se desdobram em um verdadeiro caminhar para um autoconhecimento, interferindo, significativamente, na postura profissional que apresentarei nos próximos anos de minha trajetória educacional.

Posicionar-me nesse lugar de aprendizagem constante no momento em que pesquisava essa minha suposta-teoria da formação dos meus estudantes, me fez enxergar que a escola que produzimos, por mais que tente negar a sua incapacidade de gerir o conhecimento, mantém uma cultura educacional que não favorece a percepção das subjetividades que circulam em seu universo e que, muitas vezes, são mecanismos que tentam evidenciar que há algo importante a ser observado nesse jogo intersubjetivo. Mas, para que isso seja percebido pelos agentes envolvidos nesse contexto, é preciso, dentre outras questões, uma mudança curricular e formação permanente dos professores, pois acredito que para se efetivar mudanças significativas na práxis é necessária, primeiramente, uma reflexão constante sobre esta.

Escrever esse memorial foi uma das tarefas mais difíceis que realizei em minha caminhada acadêmica, porém, necessária. Apesar de falar de forma legitima de um lugar deveras conhecido por mim, professora de escola publica há mais de 14 anos na Educação Básica, trabalhando com estudantes da periferia, percebo que a experiência vivida ainda diz pouco, visto que o processo educativo é uma ceara complexa, múltipla e de difícil interpretação.

Longe de acreditar que esse projeto de intervenção realizado em aproximadamente três unidades, modificou ou transformou a vida dos meus estudantes, sua proficiência em Língua Portuguesa ou suas trajetórias individuais, apenas tenho a pretensão de ter procurado escutar um pouco mais sobre as histórias de vidas desses estudantes da EJA que representa uma parcela marginalizada por sua própria condição de aluno-trabalhador. E se essa escuta se desdobrar numa possibilidade de rever o meu próprio “fazer”, a minha sensibilidade para com os diversos lugares sociais que estão presentes em minhas salas de aula, isso será um passo muito importante. Ademais, espero que a escrita produzida por esses estudantes durante o ano letivo de 2014 tenha, de fato, surtido um efeito desencadeador e estimulador de

reconhecimento de sua própria subjetividade como elemento que produz conhecimento sobre si e sobre o mundo.

Esse memorial, materializado em proposta de intervenção pedagógica do PROFLETRAS, representou muito para a minha trajetória profissional. Primeiramente, por sua capacidade autorreflexiva de me fazer debruçar sobre minhas próprias experiências diante do conhecimento, constatando que meu processo de formação é permanente e se reconstrói a cada etapa da caminhada, bem como, meus letramentos e reaparecimento das diversas vozes que constitui quem fui, sou e serei após esse momento; em segundo lugar, pela capacidade de me fazer escutar, minuciosamente, os meus estudantes da EJA, conhecendo suas histórias de vida, lugares que ocupam na sociedade e perspectivas diante da vida e do saber; e por últ imo, por permitir a mim e aos meus estudantes a percepção de que a escrita é prática social simbólica que pode, sim, ser produzida à luz das nossas experiências pessoais e nos fazer refletir sobre nossas próprias ações, projetando-nos para o futuro. A necessidade por uma formação permanente dos professores que atenda a todos os profissionais é uma realidade inquestionável, é preciso, pois, ampliar as formas de formação para as diversas áreas da Educação Básica.

Conceber a escrita como prática social que pode nos fazer refletir sobre a nossa própria experiência, cruzando recordações que são referências importantes para a própria formação (JOSSO, 2010) foi uma das premissas que defendi nessa pesquisa. Apostei que na prática de narrar a própria vida o sujeito dar forma ao vivido (DELORY-MOMBERGER, 2008) e pode através dessa escrita de si (FOUCAULT, 2004) refletir sobre si na relação com outros, construindo, inclusive, movimentos de autoria na práxis (CESAR, 2001). Ao implementar uma prática de escrita autobiográfica eu pretendia estimular meus estudantes a escreverem sobre si, percebem suas textualidades e retomarem posturas sociais mais favoráveis a si (MACLAREN; GIROUX, 1988). Dessa ação fica a esperança de ter contribuído, de alguma forma, para desmistificar a resistência pela leitura/escrita que esses estudantes da educação de Jovens e Adultos tanto apresentam.

Ao finalizar a narração de minha própria experiência em sala de aula, consigo compreender com extrema clareza, como a reflexão sobre a experiência pode proporcionar uma tomada de consciência sobre si na mediação com o outro e orientar novos percursos de atuação política dentro e fora de minha sala de aula.

Espero que essa pesquisa possa ter contribuído para o aprimoramento das habilidades de escrita/leitura dos meus estudantes nas aulas de Língua Portuguesa e que esse documento possa ajudar outros colegas a pensarem sobre as diversas possibilidades de produções das

textualidades que o texto autobiográfico possa nos ofertar em sala de aula. Saliento, também, a necessidade de um aprofundamento do tema para melhor compreendermos como a prática de narrar a própria vida pode contribuir para formação do sujeito e de seus posicionamentos frente à vida e ao mundo que lhe cerca.