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4. COMO A AGRICULTURA URBANA PODE CONTRIBUIR PARA CONSTRUIR E QUALIFICAR A PAISAGEM

4.3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fenômeno da última onda de urbanização resulta em um mundo onde a pobreza muda de predominantemente rural para urbana, trazendo problemas antes tipicamente rurais, como a desnutrição, para a cidade. Ainda que as áreas de urbanização recentes gerem cidades mais espalhadas e bem menos densas que as áreas de urbanização mais antiga, a possibilidade de utilização desta terra menos densificada para produção de alimentos não é percebida pelas populações pobres, que de maneira geral se concentram nas áreas mais densas das cidades (SMIT ET AL, 1994). Além da pobreza, a urbanização traz uma crise ambiental para o planeta.

Dentro deste contexto duas questões importantes aparecem: construir cidades sustentáveis e resolver o problema da fome.

A urgência de resolução destes problemas faz com que diversos sistemas e tecnologias sejam apresentados garantindo com um passe de mágica curar os

males do mundo sem questionar os problemas estruturais do sistema econômico- social da atualidade. Como Altieri bem argumenta:

Os enfoques que percebem o problema da sustentabilidade somente como um desafio tecnológico da produção não conseguem chegar às razões fundamentais da não-sustentabilidade dos sistemas agrícolas. Novos agroecossistemas sustentáveis não podem ser implementados sem uma mudança nos determinantes socioeconômicos que governam o que é produzido, como é produzido e para quem é produzido. (ALTIERI, 2004, p.21, grifo nosso)

Por sua vez, Brand e Muñoz trazem ao debate a realidade em que governos criam programas de agricultura urbana imediatistas e individualistas e que:

deixando de lado a racionalidade técnica da agricultura urbana, e com isso toda especulação sobre seus possíveis benefícios sociais e ambientas, pode- se discernir aquilo que está implícito na agricultura urbana e que o discurso exclui sistematicamente: sua conveniência como prática de governo, no sentido de constituir e regular os cidadãos nas condições individualizadas e radicalmente desiguais da urbanização neoliberal. (BRAND, 2007, p.56, tradução nossa)

Ponderando, Coutinho bem conclui que a agricultura urbana pode:

[...] assumir a forma de um projeto contra-hegemônico favorável à cooperação e às transformações sociais profundas ou pode favorecer um ideário conservador, com respostas pontuais às carências urbanas e que neguem os problemas estruturais. (COUTINHO, 2011, p.95)

Dito isso, pretende-se contribuir para uma reflexão sobre os usos do espaço urbano e as possibilidades que abarcam a totalidade da dimensão humana da vida - necessidades materiais e imateriais, objetivas e subjetivas - evitando um enfoque simplesmente tecnicista das possibilidades da Agricultura Urbana,

A agricultura urbana utilizada dentro de uma estratégia de paisagismo integrador pode contribuir para a habitabilidade dos espaços de maneira holística. A habitabilidade no que diz respeito ao que nos referimos na seção ‘paisagens para pessoas’, à humanização da paisagem em aspectos mais subjetivos. E também na habitabilidade no sentido em que nos referimos na seção ‘saúde da paisagem’, pensando no nosso habitat como um organismo vivo e nos aspectos de conforto ambiental e sustentabilidade.

Isto alia diversos princípios de desenho alinhados aos processos naturais (Hough, 1994), como a consideração da dinâmica dos processos que sustentam a

vida e a busca pela sua visibilidade, a economia de meios, a diversidade de possibilidades, a conectividade do local com o global, importância da educação ambiental integrando a vida à natureza e o desenvolvimento humano aliado à melhoria ambiental.

Entre as contribuições em termos de construção e qualificação da paisagem estão o aumento da inclusão social e da vida urbana, a contribuição para o cumprimento da função social da propriedade, a colaboração com a busca pela soberania alimentar, a melhoria da consciência ambiental, a participação positiva na gestão de resíduos urbanos, a geração de emprego e renda, a capacidade da vegetação em melhorar o microclima, proporcionar habitabilidade aos locais, melhorar a qualidade do ar e absorver água, construindo paisagens para pessoas.

De qualquer forma, urge salientar que esse trabalho não pretende fazer da agricultura urbana uma panaceia, mas que considera as possibilidades ideais de benefícios que pode trazer para a melhoria da qualidade das paisagens de maneira ampla. Mesmo sabendo que a transformação sistêmica necessária para a efetiva implantação deste ideal em que o valor de uso prevalece sobre o valor de troca na construção das paisagens independe disso.

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