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Ao iniciar o percurso do pensamento absoluto, Hegel o constitui, como vimos, sob uma verdadeira metafísica que não visa um saber sobre o ser, mas antes em um se saber do ser, pois a forma em que este inicialmente se apresenta é a de uma pura posição abstraída de qualquer conteúdo ou determinação, mais exatamente: é a “imediaticidade indeterminada” – se trata, portanto, do mais geral dos conceitos: o ser puro.

A exigência de incondicionalidade da Lógica expôs a idéia de imediaticidade. Neste sentido, o termo imediaticidade surge como um verdadeiro instrumento para a fundamentação de um princípio primeiro-último, porém, como em Hegel nada há que já não esteja inserido num processo de mediação, tal princípio não pode ser uma intuição intelectual. Daí porque, na Doutrina do Conceito, Hegel fala no Verbo originário enquanto manifestação: é o verbo no infinitivo, a palavra em seu eterno acontecimento.270

Para Hegel, portanto, a exigência de um começo não é despropositada, mas é ilusória quando pretende ser possível distinguir um imediato originário sem que ele já fosse também um mediado. Kaufmann defende que, por isso, “a primeira antinomia de que se ocupa a Lógica não é a do ser e o nada, que constitui o tema do primeiro capítulo, senão a do imediato e o mediato”.271 O ponto de partida com o ser puro pretende ser começo, mas, em sua tematização, está implícito o saber do ser, pressuposto no começo e posto no final. No início, Hegel se esforça em livrá-lo de toda determinação, da mediação que já está presente em sua origem. Ele quer pensá-lo como vazio de conteúdo, uma forma pura, um começo simples, para ver o que dele advém: de um ser livre de todo predicado, então, surge o nada. A resistência hegeliana em determinar um começo, portanto, é o que o conduz à oscilação entre um começo imediato e mediato. Ele sabe que o saber histórico não pode ser ignorado. Mas também sabe que o ser puro do começo exige uma certa purificação daquilo que se possa determinar como ser, ou seja, a exigência de imediaticidade própria ao começo. Na verdade, Hegel quer pensar o ser sem

270 Cf. HEGEL, G. W. F. Ciencia de la Logica – tomo I. Op. cit., p. 560.

qualquer determinação, e que somente pode se determinar a partir de um processo dialético, que não lhe é exterior, mas, inerente a si próprio.

Diante disso, se entende a sua crítica do ser à Fichte e Schelling quanto à proposição de um fundamento absoluto à ciência, pois teriam querido começar a filosofia como se do nada tão somente se pudesse passar a algo. Por isso Hegel equipara ser e nada: o ser puro é indizível, somente passa a ser enquanto nada, o que já é o processo de determinação. É isso o que mostra a passagem do ser ao nada, a qual tampouco se pode chamar de passagem, porque o que Hegel quer mostrar é justamente que eles não são nem tão somente ser, nem tão-somente nada, mas já devir. O sentido daí apreendido é o resultado de um comportamento negativo com respeito à imediação, a partir do que a indeterminação só existe como oposição dialética ao determinado, sem este contraponto não haveria processualidade.

Em geral, toda esta questão do começo da Lógica vem mostrar que, em Hegel, nada pode ser afirmado definitivamente como puramente indeterminado. Mesmo quando se pretende afirmar pura e simplesmente “ser”, logo se é levado ao “nada”, depois, do “ser” e “nada” ao “devir”. Por isso não há começo em um princípio isolado, sendo a tentativa de absolutizar os conceitos algo vão. Ao ser dito, o absolutamente indeterminado perde logo este seu caráter. Mesmo o “nada” que, segundo Parmênides não pode ser dito nem predicado, Hegel o submete à expressão, o aborda como necessário e não como ausência de determinação: o “nada” também é, é “ser”. Por isso, também, não obstante o esforço do pensamento em livrar completamente a categoria ser de seus predicados e de sua determinação, ela já surge minimamente determinada. Do contrário, não haveria movimento, pois nada poderia surgir de um impensado e inexprimível absoluto, tampouco ser apreendido como totalidade em uma única e primeira determinação.

Nessa perspectiva, a consideração dessa obra fundamental de Hegel como sendo uma verdadeira doutrina da ciência está bem fundamentada a partir do próprio propósito hegeliano de estabelecer um fundamento absoluto à filosofia, pois como para Hegel a ciência nada mais é que a própria filosofia especulativa, a busca por um princípio absoluto a ela se configura como o começo da própria ciência em geral. Cabe ressaltar que a Ciência da Lógica de Hegel se apresenta ao leitor como um escrito sistemático e um verdadeiro

sistema ao mesmo tempo. Pois, compreendemos que o projeto hegeliano se configura em uma real metaciência, que quer explicar e fundamentar a possibilidade da verdade de toda e qualquer ciência. Sendo esta ciência da lógica, por sua vez, uma ciência da ciência, a ciência de toda ciência. Portanto, se trata, de um proposta metafilosófica, ou seja, de busca de fundamentos irrecusáveis, pois se Hegel não tivesse tido por alvo uma fundamentação última, por que teria então falado de um “começo da ciência” para o seu sistema? Como Hegel poderia ter procurado por este princípio e discorrido sobre ele sem ter pressuposto primeiro, ou seja, de forma imediata, a priori, a possibilidade de uma fundamentação última e completa de todo seu sistema a partir de um fundamento?

Nosso aporte em tais conclusões está firmado, como dissemos, no próprio Hegel, que nos forneceu elementos para pressupô-las em sua Lógica, e cremos não ser realmente isso algo insustentável, se considerado a leitura da própria Lógica. Pois todo aquele que se confronta com o texto hegeliano tem atrelada a sua compreensão uma sensação de que o que lhe foi disseminado fora nada mais que um número bem maior de perguntas, que saltam-lhe muito mais até do que as respostas que puderam ser elaboradas. Com o destaque da questão do ser como começo da ciência na Lógica hegeliana, se espera ter provocado novas inquietações ou encetado outras interpretações possíveis. Se não isso, ao menos ter recolocado a pergunta, seja pelo seu sistema seja pela posição nele ocupada e exercida pela busca de uma fundamentação última, como uma tarefa filosófica por excelência.

5. REFERÊNCIAS

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