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A presente dissertação buscou analisar perfis de senadores que se envolveram na discussão do impeachment na rede social Facebook. Definimos como objetivo principal identificar como os agentes políticos usam as ferramentas disponíveis nas redes sociais para se constituírem como atores de disputas discursivas e narrativas, na pretensão de compreender as principais formas enunciativas adotadas pelos senadores no Facebook, além dos temas e narrativas mais evidentes e que provocaram engajamento na rede. Buscamos, portanto, identificar as estratégias discursivas dos políticos usadas com o intuito de criar legitimidade em seus argumentos.

Do ponto de vista das redes sociais, buscamos entendê-las como um território em que se disputa poder, por meio da busca de capital simbólico, que se estrutura nas trocas discursivas. Ao relacionar Raffestin (1993) a Levy (2014; 2016), entre outros autores, alcançamos a conceituação de ciberterritório comunicacional, que nos permite analisar a rede social como um ambiente que agrupa sujeitos e cria relações, resultando em experiência e em territorialidade.

Compreendemos que a territorialidade é resultado dos processos constituintes dos territórios, sendo assim, possível criar identidades coletivas a partir do compartilhamento do mesmo espaço e ideais.

Nessa mesma pista, pudemos encontrar no Facebook a condição de um ciberterritório. É ele uma rede dinâmica que nos permite realizar trocas discursivas. Nesse ciberterritório, os usuários que estão virtualmente conectados efetivam disputas narrativas e defendem seus posicionamentos com base em seu capital simbólico e social. Essas disputas incidem sobre o cotidiano das vivências interpessoais imediatas, em que as decisões são tomadas e a vida se desenrola, já que o mundo da internet, o chamado mundo virtual, está imbricado ao restante da experiência contemporânea.

Compreender as possibilidades da tecnologia e o papel dos atores envolvidos incita a consciência de que humanos e máquinas ocupam um mesmo espaço, um mesmo território ou campo. Entretanto, acreditamos que as funções desempenhadas por esses agentes não podem ser consideradas iguais. Assim, entendemos que são as relações entre os agentes humanos nas redes sociais que provoca a interação, a influência e legitimam os discursos políticos.

Usando a análise do discurso, baseada nos estudos de Patrick Charaudeau, pudemos entender que a construção discursiva é influenciada pela formação sócio-histórica do sujeito linguageiro, pelo lugar de fala que ocupa, pelas influencias do contexto e relações sociais dentro de um espaço de diálogo.

Também compreendemos que o ato comunicacional adotado pelos falantes, ao recorrer a estratégias discursivas e gerar efeitos de sentidos, busca influenciar o interlocutor e convencê- lo a aderir às suas pretensões.

Nosso aporte teórico nos permitiu compreender o discurso político como uma prática social, sustentada por forças simbólicas e disputas de poder, uma vez que ao adentrar na arena política, há um trabalho de convencimento para adesão à pauta defendida. O ethos e o pathos são, por sua vez, determinações dominantes no discurso, e, na maior parte das situações, a emoção supera os aspectos racionais, se valendo da forma como o narrador constitui o acontecimento, apropriando-se de frações do todo para criar um discurso credível. Os processos discursivos, com suas palavras, imagens e narrativas, constroem um imaginário coletivo, o político conquista um público e cria laços, provoca sentimentos.

Foi possível concluir que uma das principais estratégias discursivas usadas pelos políticos envolve roteirizar e dramatizar fatos do cotidiano na vida política e narrá-los de forma a constituir a si e ao outro, produzindo efeitos, ora de proximidade e compartilhamento de interesses, ora de distanciamento e polarização. A dramatização do discurso identificada por Charaudeau (2015) nos permitiu compreender a configuração das narrativas encenadas, cujo fim é convencer e persuadir.

Ao sugerirmos o Facebook e as publicações dos senadores da República para esta análise, nos propusemos a enxergar o uso de estratégias semelhantes para a construção de suas narrativas sobre o processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff. De um lado, o grupo pró-impeachment, representado por Aécio Neves e Ronaldo Caiado, faz uma estruturação dramática da situação em que se encontra o Brasil, buscando construir uma narrativa que provoque no leitor sentimento de angústia e revolta com a administração de Dilma e, consequentemente, do Partido dos Trabalhadores. Do outro, o grupo contrário ao impeachment e que o denomina golpe, é composto por Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias. Estes criam uma narrativa do golpe contra a democracia por compreenderem que as circunstâncias pelas quais o impeachment foi criado e consolidado, com atuação do PSDB e PMDB, corresponde a uma espécie de conspiração.

O drama da crise político-econômico-institucional foi apresentado e defendido pela oposição a Dilma Rousseff, que apontou a presidente como causadora do problema e o impeachment como solução. Dentre as narrativas apresentadas no último capítulo, a que dominou o arcabouço temático construído pelos senadores foi o impeachment, sua constitucionalidade e legalidade. Aécio Neves e Ronaldo Caiado sustentam que o impeachment foi baseado na Lei e a defesa da destituição de Dilma seria a melhor forma de fazer valer a

prerrogativa do parlamentar de fiscalizar o Poder Executivo e atuar para a manutenção da ordem.

Mostrar-se como opção é exatamente o que vem em seguida à desqualificação do adversário. Colocar-se como alternativa é a pretensão do sujeito político que critica outrem. Dilma é representada por esse grupo como má gestora, sem autoridade ou competência de administração, alguém que desrespeita as leis e a própria Constituição e que, por isso, não teria capacidade de se manter no cargo de Presidente da República. Toda esta narrativa foi sustentada com apoio da imprensa nacional que, de acordo com as publicações, legitimaram as alegações favoráveis ao impeachment, dando maior visibilidade a este grupo do que à defesa. Isso criou no espectador e telespectador o imaginário de uma narrativa única, que não permitiu (ou não teve acesso) a outras versões.

Já no outro lado, composto por Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias, entre outros senadores, há uma estratégia discursiva de persuasão, que envolve, principalmente, a tentativa de criar uma relação de proximidade entre os políticos e os cidadãos. Considerando que a defesa do governo Dilma está ligada à manutenção dos direitos sociais, percebemos que Gleisi e Lindbergh buscam provocar nos seguidores um sentimento de revolta contra a oposição que teria construído uma narrativa baseada na Constituição, criminalizando uma ação administrativa – que ficou conhecida como pedaladas fiscais – que era comumente realizada pelos antecessores de Dilma Rousseff. A emoção é o elemento de influência no discurso de defesa de Dilma ao criar a sensação de compartilhamento de experiência.

A construção do ethos de mulher guerreira e combativa demonstra a principal tentativa dos senadores contrários ao impeachment, isso porque eles querem mostrar para a sociedade que o Senado Federal está equivocado ao condenar à perda de mandato uma presidente eleita democraticamente e que não apresenta denúncias de corrupção. Do mesmo modo que o pró- impeachment, esse grupo tem por característica transformar em figuras caricatas os personagens envolvidos na trama política em questão. Os principais alvos são Michel Temer (PMDB), Aécio Neves (PSDB-MG), Antônio Anastasia (PSDB-MG), Eduardo Cunha (PMDB- RJ) e a direita. Neste grupo, todos os outros, adversários de Dilma, são afetados pela estratégia de desqualificação do adversário na qual são colocados como políticos que não aceitam derrotas e buscam chegar ao poder por meio de golpe.

Para isso, cria-se uma narrativa constituída de heróis e vilões em um contexto de crise econômica, social e política, da qual só é possível sair com a punição do adversário, seja pela justiça federal, como defendem os favoráveis ao impeachment, ou pela história, como dizem os contrários ao processo.

A simplificação e essencialização do discurso são outras estratégias de destaque dentro da fala dos senadores. As ações consistem em usar de termos que englobam uma consciência ou significado de maneira menos complexa, apesar de ainda assim necessitar de explicações. Por isso, os políticos estudados usam de terminologias como “pedaladas fiscais” para representar a edição de créditos suplementares do Plano Safra, ou então “governo golpista” ao mencionar o governo interino do vice-presidente Michel Temer.

Ao relacionar a autoridade de si, a simplificação e essencialização do discurso além da dramatização política, chegamos a uma outra estratégia que pode explicar desdobramentos políticos diversos. Ao criar um cenário de declarações gerais e superficiais, o político se resguarda de não ser apanhado de surpresa por questionamentos sobre sua própria fala ou atitude. Isso também se refere à estratégia do silêncio, quando o político opta por não fazer declarações.

Por fim, chegamos à conclusão de que os agentes políticos, quando organizados para atuar nas redes sociais, conseguem unir sua legitimidade política à construção de um ethos crível na rede social, provocando a participação de curtidores, seguidores e demais usuários do Facebook por meio de argumentos racionais e da força das emoções usadas no processo de construção do discurso político.