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Esta dissertação se propôs a interpretar a dúvida, desde a concepção clássica à modernidade, a partir de sua função estrutural na narrativa DOM CASMURRO. Apresentou os elementos estéticos que interagiram em sua construção artística, a metáfora e a ironia, procedimentos que ajudaram a construir o erro trágico do narrador- personagem Bentinho na intriga da casmurrice.

No primeiro capítulo, “A construção do erro trágico”, mostramos que, desde a Antigüidade, a metáfora tinha o papel de construir enigmas no discurso.Também apontamos que,na modernidade, a metáfora, além de ser vista como figura de linguagem,

é reconhecida com uma maneira de dizer mais, de inovar significados, que fogem do vocábulo isolado, abrangem o contexto.

Em Dom Casmurro, a metáfora colaborou na construção do erro trágico. Como a interpretação dos fatos exigiu de Bentinho um trabalho de imaginação, ele recorre às metáforas para construir um discurso oblíquo, criando a ambigüidade e arquitetando o erro trágico. Desse modo, construiu sua própria desgraça, pois confundiu-a com os desígnios do destino. Com efeito, foi pela verossimilhança, gerada pela coerência dos fatos, que a narrativa casmurra se construiu como um todo coerente,não importando se o que se narra é verdade ou mentira.

A ironia, desde Platão, tem uma conotação negativa. Expressa o contrário do que se quer dizer e, geralmente, está relacionada ao humor. Porém, com o surgimento do romantismo, ela ganhou novas concepções, aparecendo como elemento do processo criador, como inovação da obra de arte.

Em DOM CASMURRO, a intelegibilidade suscitada pela ironia tornou-se um jogo apurado pelo fato de ela exercer um desvio no discurso. Um desvio às vezes imperceptível, uma pequena torção na linguagem. Assim, a ironia criou uma mini- dialética entre o implícito e o explicito, entre o texto e o contexto,

instalou a simulação, a duplicidade, o conflito de linguagem e permitiu a construção da dúvida de Bentinho, o erro trágico.

Verificamos que ao longo da narrativa de DOM CASMURRO, as metáforas sempre estiveram acopladas à ironia, surgindo como metáforas irônicas. Foi desse modo, que o narrador construiu a ambigüidade do romance e a forma sutil de retratar os problemas sociais do final do século XIX. Seu objetivo era mostrar a tragicidade da existência, provocar o efeito estético e inovar o fazer literário.

O segundo capítulo, “Tradição e Modernidade”, mostra que o herói trágico Casmurro não se apresentando nem bom nem mau aproxima-se do sentido trágico grego e, ao construir uma forma oblíqua de ver o mundo e sua amada, caí no infortúnio. Mesmo sem existir a concretização da morte do herói, a situação de Bentinho é digna tanto de temor quanto de compaixão. Bentinho é inserido na trajetória da dúvida que o perseguirá por todo o romance. Ele cai em desgraça, porque comete um erro: sua forma oblíqua de ver a realidade. Enganando-se e nos enganando, ele tece a tragicidade do romance.

O erro trágico em DOM CASMURRO deve-se a uma falha humana de compreensão. O narrador autodiegético busca o convencimento do leitor, o que implica em seu próprio

convencimento. Nas tragédias clássicas, o herói errava e tinha

que pagar por seus erros, existia a punição, a reviravolta das ações, porque o herói tinha que cumprir seu destino. Com o advento do cristianismo e o aparecimento do livre arbítrio, o destino não é mais transcendente e não depende dos deuses, porém está implícito no caráter do herói. Por isso, na tragédia moderna, as personagens, de maneira geral, exemplificam a questão da crise de identidade e falam da sensação de viver neste mundo conturbado.

Em DOM CASMURRO, o herói trágico erra, porém não é mais punido por seus erros, não há reviravolta das ações, porque há o perdão. Bentinho é um herói moderno, um indivíduo solitário,

desprovido da convivência dos deuses gregos, abandonado a mais absoluta fragilidade . Sendo um ser inseguro e com grande poder de imaginação, ele comete um engano, constrói a dúvida ( o erro trágico) e mergulha no saber trágico.

Há no romance machadiano, uma visão moderna do trágico. O autor ficcional apresenta elementos que conciliam o peso sacrificial da destinação antiga e a desconfiança angustiante de Othelo com as formas contemporâneas da narrativa de ficção.

No terceiro capítulo, “A dupla função erro trágico”, tratamos da tragicidade do viver e da catarse aristotélica e seu efeito estético. Mostramos que a linguagem literária, desde a Antigüidade, é responsável pelo estabelecimento de relações inéditas entre o leitor e o código verbal.

Em DOM CASMURRO, os procedimentos artísticos adotados despertam sentimentos no leitor, com o intuito de purificar os espíritos, atingir o prazer estético e, através disso, melhorá-lo como ser humano. E é pela linguagem ornamentada que o narrador casmurro cria o efeito estético, que também é catártico, ou seja, a construção literária do romance é o elemento que toca a alma do leitor, propiciando o alívio das tensões.

Bentinho, ao atar as duas pontas da vida, reencontra-se com o tempo perdido. Isso não consiste apenas em um ato de memória ou de lembrança, mas é um esforço de recordação em busca da verdade, resultando em um saber trágico, que percorre todo o romance. Entretanto, podemos dizer que o narrador casmurro não encontra nenhum prazer verdadeiro, só consegue enxergar a vida através do olhar oblíquo, que constrói a tragicidade do viver.

O autor ficcional de DOM CASMURRO tentou buscar um sentido para sua vida sem sentido, porém, ao apoiar-se na angústia,na forma amargurada de ver o mundo e as pessoas, construiu o erro trágico. Ele deixou de lado a peripécia, como

acontecia nas tragédias clássicas, para enfatizar uma reflexão pessimista da existência, típica dos filósofos existencialistas.

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