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Neste trabalho, defende-se a tese de que as atuais formas objetivas e subjetivas de controle do capital sobre a força de trabalho no processo de reestruturação empresarial, no Brasil, nos anos de 1990, é produtora de uma nova cultura empresarial que fortalece a sociabilidade capitalista.

Com base nos princípios e diretrizes gerais contidos no Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade – PBQP foram analisados os mecanismos através dos quais são redirecionadas as formas de controle do capital sobre o trabalho. Identificou-se, nesse programa, a incorporação dos conceitos de controle de qualidade e de qualidade de vida como inspiração estratégica das novas políticas e práticas gerenciais para responder à modernização empresarial articulada às premissas do neoliberalismo.

Diante das dimensões presentes na orientação do capital à subjetividade, priorizou-se a dimensão subjetiva ou dimensão afetivo-intelectual do trabalho expressa no incentivo à criatividade, à polivalência, à autonomia e ao bem-estar do trabalho, próprias das orientações do pensamento empresarial.

Verificou-se que a reestruturação produtiva, estratégia do capital para encontrar alternativas à crise estrutural nas últimas décadas do século XX, decorre das transformações societárias. As contradições imanentes dessa crise tanto revelam os limites dos processos de valorização e de acumulação quanto das políticas de Estado que garantiam trabalho e direitos sociais aos trabalhadores. Todavia, apesar da constatação dos efeitos nefastos dessas transformações societárias sobre a reprodução social de grande parcela da humanidade, reafirma- se na sociedade que esse processo é inevitável o que vem requisitando do capital capturar ideologicamente a classe trabalhadora para se adequar à reestruturação capitalista.

Embora as incidências das transformações societárias sobre o mundo do trabalho resultem de um lado, conforme destaca Antunes (1999b), na “desproletarização do operário tradicional”, ou seja, na redução da classe operária tradicional e, de outro, na “subproletarização do trabalho” manifesta na consolidação das diversas formas de trabalho precário, terceirizado, subcontratado e informal; permanece inalterada a centralidade da categoria trabalho na sociedade. A redução quantitativa e qualitativa do trabalho vivo no setor produtivo, nos dias atuais, não implica a negação da lei do valor, ou seja, da função que o trabalho abstrato exerce na produção de mercadorias, nem tampouco na supressão da atividade humana fundante – trabalho concreto, útil que é vital à reprodução do ser social. O que ocorre, na atualidade, é uma significativa heterogeneização, complexificação e fragmentação da classe trabalhadora o que não implica sua eliminação, mas sim a ampliação das formas precarizadas de trabalho.

Assim, entendeu-se que a crise no mundo do trabalho representa, nos dias atuais, a crise da sociedade do trabalho abstrato, produtor de mercadorias e criador de valores que estrutura o mundo capitalista. A negação ideológica da centralidade do trabalho não atinge a atividade humana fundante, útil e vital à reprodução do ser social, pois sem essa atividade não há possibilidade de manter a reprodução humana. A eliminação do trabalho abstrato não implica supressão do trabalho que funda a sociabilidade humana. Esse último se mantém enquanto estruturador de todas as relações que se desenvolvem a partir dele, inclusive a forma estranhada de trabalho abstrato. O discurso capitalista atual de negação da centralidade do trabalho cumpre, desse modo, uma função social decisiva para a desestruturação da classe trabalhadora e para a negação dos princípios marxianos de transformação social que põem em risco a ordem capitalista.

Nesse contexto, verificou-se que o movimento de recomposição do capital, expresso nos processos de acumulação flexível, determina o redirecionamento das formas de controle do

capital. Na organização da atividade produtiva são introduzidos conhecimentos inovadores que alteram as relações de produção e os modelos de gestão do trabalho. Este processo manifesta um momento mais avançado do desenvolvimento das forças produtivas. No entanto, a assimilação dos conhecimentos da informática e da microeletrônica, expressos no modelo japonês, implica maior envolvimento do trabalho às funções reprodutivas do capital.

Identificou-se que, nesse processo, são introduzidos novos modelos de gestão que reconduzem as políticas e as práticas empresariais. A ênfase no maior envolvimento do trabalho marca ideologicamente a diferença do modelo japonês em relação aos demais processos de organização produtiva. Os modelos de gestão – Círculos de Controle de Qualidade, os Programas de Controle da Qualidade Total e os Programas de Qualidade de Vida no Trabalho – redirecionam as formas de controle sobre o trabalho baseadas na perspectiva de persuasão. Isso porque, a dinâmica capitalista não mais se sustenta apenas em formas coercitivas de dominação. São produzidas formas alternativas de controle que demonstrem a dimensão mais “humanizada” do capital na sociedade. O medo e à compulsão cederam lugar à motivação, ao trabalho em grupo, à autonomia, à criatividade, marcando decisivamente a peculiaridade do ideário da gestão participativa inspirador das formas de controle capitalistas contemporâneas.

Compreendeu-se que esses modelos de gestão propiciam articular as políticas de redução da força de trabalho e de flexibilização com as estratégias de envolvimento dos trabalhadores às relações mais competitivas na empresa. Essa articulação implica ampliação dos processos de terceirização, redefinição das políticas de qualificação profissional, dos níveis hieráquicos dos cargos e das políticas salariais que atinge parcela da força de trabalho empregada. De modo, destrutivo, resulta no desemprego, na precarização das relações de trabalho e de reprodução social. Esses são os efeitos objetivos das mudanças engendradas pela reestruturação empresarial sobre a força de trabalho.

Nesse contexto, conforme expressa o PBQP, identificou-se a produção de novos conhecimentos como o da qualidade de vida que orienta a intervenção gerencial segundo as expectativas da modernização. O conceito de qualidade de vida, inspirado nas concepções de controle de qualidade, exprime a idéia de excelência na reprodução social da força de trabalho. A busca pela excelência na esfera produtiva manifesta no discurso da qualidade transfere-se à concepção de qualidade de vida, demarcando a complexidade que o discurso empresarial assume nos dias atuais. O pensamento empresarial reconhece o conceito de qualidade de vida como inovador, pois tem nos aspectos comportamentais e motivacionais a base de sua fundamentação.

Apreendeu-se que esse conceito sofre influência dos princípios da teoria das relações humanas na administração. O pressuposto de tal teoria é de que os trabalhadores só se adaptam as empresas capazes de mantê-los satisfeitos através do estímulo e desenvolvimento de suas capacidades – criatividade, participação, liderança, comunicação. Supõe, portanto, atender as necessidades sociais do trabalho, ao contrário, de primar pelo atendimento de interesses econômicos. As relações que se estabelecem entre trabalhadores e empresários demonstram, na teoria das relações humanas, uma forma de controle que, supostamente, não tem na divisão do trabalho, no poder gerencial, nas regras e regulamentos sua base de sustentação. O controle se objetiva através de uma relação informal de “companheirismo” entre empresários e trabalhadores, em que a satisfação no trabalho é um dos elementos essenciais. Aparentemente inócua ou pouco expressiva, do ponto de vista racional, para a empresa contemporânea que tem na tecnologia informacional e na microeletrônica as bases de sua organização produtiva, a teoria das relações humanas serve instrumental e ideologicamente à formação de novos conceitos gerenciais que, criativamente, apelam para os aspectos motivacionais e comportamentais no sentido de atingir a dimensão afetivo-intelectual do trabalho.

Nessa perspectiva, compreendeu-se que a concepção de qualidade de vida auxilia as relações de trabalho flexíveis atuais. Transmite-se com o discurso da excelência da qualidade do produto a necessidade da extensão dessa qualidade ao trabalho. A partir disso os trabalhadores se sentem envolvidos para colaborar com as novas bases da organização da atividade produtiva, sem que isso implique questionamentos sobre a intensidade do ritmo de trabalho e a incorporação de novas funções nos postos de trabalho.

Apreendeu-se sobre a concepção de qualidade de vida que o elemento subjetivo é apropriado pelo capital por formas de controle que não são perceptíveis pelo trabalho. Essa é a tendência de mudança do controle do capital sobre o trabalho – a captura da subjetividade sob novas bases. Foi disseminada a idéia de que a satisfação no trabalho e na vida representa um avanço no sentido das conquistas das necessidades da força de trabalho historicamente reivindicadas pelos movimentos trabalhistas. Ao invés disso, sabe-se que a concepção de qualidade de vida responde às exigências da produtividade necessária para garantir os níveis da concorrência no mercado. Articulam-se as demandas do trabalho às do capital, cooptando o trabalho em função da suposta garantia de melhores condições de reprodução social.

Assim, entendeu-se que a concepção de qualidade de vida promove um efeito de sedução sobre a empresa e sobre a sociedade ao afirmar que se a qualidade do produto e do trabalho for boa isso tende reduzir as formas de controle coercitivas. Esse ideário produziu uma cultura empresarial de que o “êxito psicológico” do trabalhador na atividade contribui para definir novos padrões de produtividade. Produz-se continuamente uma imagem ideal de relações administrativas que dependem do desempenho eficiente da atividade e do controle psicológico dos trabalhadores, ou seja, da sua capacidade de resistir às dificuldades e de ser criativo no trabalho. Nesse sentido, o capital estimula o exercício do controle através da adesão consensual do trabalho aos novos modelos gerenciais.

Sobre essa adesão consentida do trabalho ao capital, percebeu-se, no PBQP, o destaque que se dá a relação entre cidadania e qualidade de vida. Essa relação funciona estrategicamente como forma persuasiva de controle do capital para promover à adesão dos trabalhadores a perspectiva modernizante da reestruturação empresarial. O PBQP incorporou o conceito de qualidade de vida como expressão da conquista da cidadania para encobrir as conseqüências da crise e o impacto da redução dos direitos sociais sobre a classe trabalhadora. Isso expressa, no PBQP, a fiel representação do Estado brasileiro aos preceitos do neoliberalismo.

Identificou-se que o PBQP, ao destacar a qualidade de vida como direito do cidadão, se apropria do termo cidadão-consumidor para designar o indivíduo que deve estar apto para participar da dinâmica do mercado como consumidor de produtos e serviços e, livre para ser consumido como mercadoria. Entendeu-se que esse novo termo reedita a concepção de cidadania liberal, na qual o cidadão defende seus interesses privados de liberdade e de igualdade. Ao articular cidadania e qualidade de vida, o PBQP aprimora os princípios liberais, aparentando um estágio mais civilizado de reprodução social, quando, na verdade, apenas aperfeiçoa o controle do capital sobre o trabalho.

De forma particular, chegou-se a conclusão de que a concepção de qualidade de vida, próprios da sociabilidade capitalista, promove formas de alienação do trabalho na medida em que reproduz a força de trabalho como potência ativa para o capital. A qualidade de vida, nesse sentido, diz respeito à garantia das condições materiais e subjetivas do trabalho – bem-estar físico e mental da força de trabalho – para aumentar a produtividade, somente dessa maneira a vida do indivíduo faz sentido para a reprodução capitalista.

Apreendeu-se que esse conceito se distingue da concepção da qualidade de vida do indivíduo – gênero humano – portador da mesma. Somente a ele interessa as condições