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Viver no campo e rasgar o véu da noite, em vários sentidos, foi o desígnio que levou à organização da Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este, no já longínquo ano de 1930, em plena crise económica internacional e num mar de dificuldades nacionais. Para as pessoas deste espaço camponês, a electricidade era uma espécie de fluído que passava algures no espaço, através dos fios de alta tensão que a conduziam do Lindoso para o Porto e depois Coimbra. Não foi, naturalmente, um movimento popular de base que esteve na génese da organização cooperativa. Pelo contrário, foi obra de uma elite muito restrita, que envolvia pessoas com habilitações superiores e proprietários rurais, com base no Louro. Aí nasceu o desejo e a forma de derivar electricidade dos fios de alta tensão da UEP que passavam perto e disponibilizá-la aos agregados populacionais daquela freguesia e de outras freguesias envolventes, sem perturbações de fronteiras concelhias, antes abrindo-se à contiguidade espacial conhecida como o vale do rio Este (daí as áreas de concessão abrangerem parcialmente os concelhos de Vila Nova de Famalicão e de Barcelos). Nem podia ser um movimento popular, pois o custo da energia era na altura muito elevado e absorveria uma percentagem elevada dos escassos rendimentos de caseiros e jornaleiros, mas foi um movimento que gradualmente se popularizou, com a população a ganhar consciência da importância da energia eléctrica, que lhe era disponibilizada muito antes de outras localidades, pois só era habitual a electrificação de áreas urbanas ou industrializadas (como já acontecia no vale do Ave).

Naturalmente que o serviço prestado pela Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este se teve de enquadrar nos parâmetros definidos superiormente, quer a montante, pela distribuidora de alta tensão que lhe fornecia a energia e lhe fixava preços e condições, quer pela entidade estatal que, gradualmente, desempenhou uma função regulamentadora sobre um domínio que foi certamente dos mais intervencionados e marcou a aprendizagem do Estado nos meandros da regulação e mais tarde da economia mista. Limitava-se a Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este a solicitar os ramais de alta tensão, a instalar os postos de transformação necessários para converter a energia em baixa tensão, estabelecendo depois a rede de postes, de fios e baixadas que levavam a luz e a força motriz aos clientes que o desejassem. E não era cousa pouca, em termos empresariais! Num espaço rural, onde o povoamento é, em si, disperso, ampliado para efeitos de consumo de energia eléctrica pela frugalidade camponesa, a distribuição de energia eléctrica não era empresa de dar lucro e o dilema colocou-se cedo: ou se recorre à força colectiva sob a forma da entreajuda cooperativa ou o Vale d'Este ficaria, por muitos anos, condenado a uma semi-escuridão e a grande inacção por falta de electricidade, tanto sob a forma de luz como de força motriz. Felizmente venceu a primeira perspectiva e o futuro deu-lhe cargas de razão, pois a electrificação rural foi um processo muito demorado em Portugal, e o Vale d'Este pôde assim desfrutar com antecedência significativa das vantagens económicas e sociais da electricidade.

Este é, pois, um estudo sobre uma Cooperativa, que depois da sua arrancada promissora, teve de enfrentar uma vida com algumas turbulências, derivadas de oposições diversas, situação típica de países com pouco espírito gregário e débil cultura de entreajuda. Mas pretende ser também um estudo sobre o serviço da distribuição eléctrica local, uma tarefa que normalmente passa despercebida face à produção de electricidade. Esta com as suas grandes realizações, as centrais

hidroeléctricas ou térmicas, ganha uma visibilidade junto da opinião pública que obscurece a distribuição. Se não se pode pôr em causa a complexidade dos sistemas produtivos, sem o qual não haveria distribuição, não há razão para reduzir este a "um trabalho obscuro, inglório, constante, feito de pequenos nadas, e que, por isso mesmo, é pouco conhecido, e considerado, pela grande maioria, como um trabalho de importância secundária, cometendo-se assim grave injustiça para aqueles que se dedicam a estes problemas". Assim protestava em 1953, o engº Paulo de Barros, sublinhando que a rede de baixa tensão exigia previsões meticulosas, que só sobrevivia se fosse barata, e que por isso a rentabilidade dos empreendimentos era decisiva. Se a técnica pura e a investigação científica imperavam na produção, a economia imperava na distribuição, com a técnica a servi-la (Barros, 1953).

A Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este constitui um exemplo a vários níveis. Desde logo a força de vontade colectiva. Depois a organização empresarial adoptada, sem estar marcada pela mercantilização e pelo espírito do lucro, mas antes pela vontade de prestar serviços a associados. Depois pela organização económica, já que tendo margens de comercialização tão exíguas, em certas circunstâncias eram mesmo negativas, só um rigor de gestão muito apurado permitia sobreviver. Aspecto este que exigia uma condição prévia, uma capacidade técnica elevada e uma atenção persistente para reduzir ao mínimo as perdas de corrente inevitáveis na transformação de alta para baixa tensão e nos circuitos de distribuição, o que a Cooperativa tem conseguido com taxas de perda de energia inferiores ao que é habitual nos circuitos de âmbito nacional. Foi este treino organizacional de persistência e de empenho, esta capacidade de estar atenta aos pequenos nadas, que permitiu à Cooperativa sobreviver aos momentos aziagos, em momentos de mudança de paradigma organizacional para o sistema eléctrico, com a nacionalização e o modelo de exclusivo nacional para a distribuição eléctrica, bem como às peripécias dele directa ou indirectamente derivadas. E Cooperativa Eléctrica do Vale d'Este ajudou mesmo a criar condições para as alterações legislativas que permitiram às Cooperativas apresentarem-se de legítimo direito no campo da distribuição eléctrica, honrando a tradição que fez delas pioneiras deste serviço em muitos locais de Portugal (tal como noutros países). Por isso, os postes e os fios da Cooperativa Eléctrica aí estão, de pé, a servirem os associados e consumidores do Vale d'Este.

Anexo I - CEVE: energia fornecida por tipos de consumo (kwh)

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