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À guisa de conclusão, com base nas evidências empíricas elencadas na seção anterior podemos dizer que se mostra plausível a hipótese de que o espaço metropolitano fluminense se organiza de forma a repro- duzir fortes desigualdades urbanas, e que os diferenciais de condições sociais destas áreas serviriam de base para o desenvolvimento de condi- ções sociopolíticas diferenciadas entre os cidadãos metropolitanos. Neste sentido, a forma como os indivíduos experimentam o território na vida cotidiana, com destaque aos diferentes níveis de atenção do poder públi- co às necessidades imediatas das áreas da cidade, fomentam diferentes formas de se configurar a cultura política dos indivíduos, o que impacta posteriormente no seu comportamento político, sobretudo, no grau de engajamento cívico-político e nas maneiras como esse comportamento se manifesta. Mais do que oferecer elementos explicativos da manutenção da lógica da desconfiança na metrópole fluminense, objetivo que extra- polaria o escopo do presente artigo, buscamos evidenciar a importância de se considerar a dimensão das desigualdades urbanas no entendimento

das diferentes culturas políticas entre os cidadãos metropolitanos. Dito de outra maneira, é possível considerar que a manutenção, no interior do espaço metropolitano, de fortes desigualdades com relação ao acesso ao bem-estar urbano – o que se confirma com base na distribuição dos níveis de carência de infraestrutura de serviços públicos e, com relação ao acesso às oportunidades de melhoria das condições de vida mais ime- diatas, pode ser visualizado a partir das distribuições de renda familiar per capita e de clima educativo domiciliar no espaço metropolitano – coloca grande parte dos cidadãos metropolitanos na margem do direito à cidade. Ou seja, o resultado direto dessa lógica de organização metropolitana segregadora e excludente é a marginalização de grande parte da popula- ção metropolitana em relação aos seus direitos enquanto moradores da cidade (ser atendido por uma rede de transporte eficiente, ter acesso às redes de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário e coleta de lixo, o acesso a condições dignas de habitação, o acesso a equipamen- tos de saúde, educação, lazer e cultura, e etc.) que fortalece e legitima a desigualdade de condições do exercício da cidadania (civitas), relação que é bem captada pelas metáforas de “cidade escassa” ou “escassez de cidade” de M. A. de Carvalho. Por fim, ao conectarmos essas condições desiguais de bem-estar urbano com o funcionamento do nosso sistema político democrático-representativo, o que se percebe é a utilização da instância política representativa como forma de barganha da subordina- ção pessoal dos grupos em situação de carências urbanas, garantindo a reprodução no poder de determinados grupos políticos por meio das má- quinas partidárias clientelísticas até às entidades assistencialistas mantidas por alguns parlamentares. O caso da cassação do mandato do Deputado Estadual Natalino (eleito em 2006 com votação concentrada na região da Zona Oeste carioca) por conta do seu envolvimento com um grupo mili- ciano da região levanta sérias questões sobre os resultados perversos que

essa dupla carência de direitos (do direito à cidade e do direito de cidade) sobre a qualidade da democracia nas grandes metrópoles que apresen- tam uma lógica de organização socioespacial parecida.

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Recebido em: 20/12/2011 Aceite final: 11/04/2012

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