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CAPÍTULO 4 – DAMA DE UMA PRINCESA, REGENTE

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória da senhora Paranaguá Dória se oferece, desta maneira, como fértil incursão sobre discussões ainda hoje travadas pela comunidade historiográfica acerca da relação memória e História e suas implicações na experiência social do tempo. O investimento feito pela baronesa de Loreto na constituição de um arquivo pessoal, doado por ela mesma ao IHGB, se fundamentava na esperança da garantia de sua perenidade ou antes, da perenidade sobre as coisas do Império.

O percurso desta mulher, “morena”, nos torna sensíveis para as relações desdobradas a partir da interposição entre raça e classe na família Paranaguá. Além disso, ela expõe indícios sobre a desenvoltura política das senhoras no Segundo Reinado e seus espaços de agência, dentre os quais, as cartas íntimas e a cultura visual figuram como fontes privilegiadas para sua percepção.

Na busca pelo sucesso familiar, a presente investigação destacou a rede de relações acionada pela parentela de “Amandinha” no processo de sua consolidação na Corte. Neste sentido, seus conterrâneos baianos foram parte fundamental. Era o chamado “baianismo”, fenômeno político que destaca o predomínio dos políticos da Bahia nos cargos mais altos da Coroa, se comparado às outras autoridades oriundas de outras províncias do país. A presente investigação acrescenta a participação feminina neste fenômeno, então atribuído exclusivamente aos homens e aos espaços formais da política. Aí, a atuação na esfera privada de Amanda e de sua madrinha, a condessa de Barral, baianas, se dão como vestígios dessas articulações de mulheres, por vezes discretas, que fogem ao alcance das formalidades e do realce conferidos pelas tribunas, atribuindo, deste modo, maiores contornos ao “baianismo”.

A conquista do cargo de dama a serviço da princesa dava tons formais a uma íntima relação construída por anos. Esta nomeação se insere na tentativa de renovar a imagem daquela que, em vista do frágil estado de saúde do monarca, viria a assumir o trono. A dama deveria auxiliar na tessitura de uma imagem positiva para a futura imperatriz, desfazendo ou, ao menos, amenizando as resistências contra um terceiro reinado, de modo a viabilizá-lo.

O título de baronesa de Loreto, por sua vez, veio realçar as boas relações com a herdeira do trono, sugerindo um promissor caminho que Amanda ainda teria pela frente sob a autoridade de Isabel. As esperanças de ambas foram frustradas pelas movimentações dos republicanos.

182 A proclamação da República, pôs termo não só à Coroa, mas ao processo de consolidação do poder de Amanda ao redor dos imperantes, então destronados. Seguir para o exílio com D. Pedro II e sua família tornou-se uma opção para Amanda e seu marido, assim como para outras pessoas mais próximas ao monarca, como prova de fidelidade ao Regime deposto. A expulsão do Brasil e a fundação da República contribuíram para que a baronesa assumisse o compromisso com a narrativa histórica sobre o Império. É neste contexto que ela começou a escrever os seus diários, dando prosseguimento, a partir da sua volta ao Rio de Janeiro, em 1890, à seleção, organização e catalogação de toda a sorte de documentos que pudessem contribuir, ao seu ver, em favor da Monarquia, nas disputas das produções sobre o passado imperial.

Antes de sua morte, em 1931, no Rio de Janeiro, a baronesa de Loreto ainda figurou como diretora da Obra de Proteção das Moças Solteiras, uma organização fundada em 1913, segundo a Fon-fon e que cumpria o papel de instruir as jovens em ofícios atribuídos ao domínio familiar e doméstico. Já viúva, a dama da princesa destronada que anos antes havia desempenhado papel de relevo frente as iniciativas educacionais destinadas às crianças, no Império, agora, na República, sua atenção filantrópica, prática relativamente difundida entre as mulheres de camadas socialmente mais elevadas e que não deixava de ter caráter político, voltava-se para moças que buscavam casamento.

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Figura 78. A baronesa de Loreto é a senhora de chapéu preto, ao centro na primeira imagem superior à

esquerda e a que está sentada, também ao centro, na fotografia em formato circular.

A evocação de Amanda Paranaguá Dória, através do seu título nobiliárquico, pela imprensa carioca, em plena República, dava evidência à sua atuação vívida de monarquista nos espaços sociais. Se o tempo republicano era também tempo de saudades para os partidários da Coroa, como a baronesa se mantinha, por outro lado também era circunstância de esperanças em uma desejada Restauração, que não chegaria a acontecer.

A morte de sua amiga, a princesa Isabel, em novembro de 1921, representou para a velha baronesa não só a impossibilidade de vê-la novamente em um querido regresso ao

184 Brasil, mas também a sua incursão pessoal numa vida religiosa mais profunda. A religião tornou-se refúgio ainda mais pulsante na vida da baronesa que já contava com avançada idade quando foi homenageada com um quadro seu, no convento do Carmo na Lapa, onde desempenhou a função de priora da ordem terceira daquela instituição.

Figura 79. A baronesa aparece ao lado esquerdo da tela emoldurada e na segunda imagem, sentada ao lado

esquerdo do sacerdote.

Se a Igreja se tornou seu abrigo em preparação para o “bem morrer”, o IHGB, pela doação dos seus guardados, tornou-se refúgio para seu “bem lembrar”. Neste sentido, o ato de ter doado parte dos seus pertences anos antes de sua morte, se constituiu como um projeto de memória, confiando àquela Instituição de sua estima, o domínio sobre os seus objetos, cuidadosamente selecionados e reunidos ao longo de sua vida. Como já vimos no capítulo 1, esta iniciativa seguiu uma tendência escolhida por outros monarquistas que, em vista de preservar viva as lembranças da Coroa, ingressaram em jornais, museus e outros espaços que lhes assegurasse certa notoriedade e que fossem compromissadas em salvaguardar a memória nacional.

Conservando-se monarquista convicta até seus findos dias, a dama da princesa já falecida, procurava manter vivo o apreço para com a Coroa entre aqueles que a procuravam a fim de buscarem junto a ela, relatos de suas memórias sobre os ex-imperantes. A baronesa de Loreto fez antes encerar-se entre as coleções do IHGB, do que ter seu corpo depositado no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Frente à corrupção do corpo pelo tempo, mostrou-se incorruptível por meio dos seus documentos disponíveis no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

185 A trajetória de Amanda Paranaguá esteve intimamente ligada ao núcleo do poder imperial, ao redor do qual teceu fortes laços de confiança e amizade que lhe renderam a posição de dama e o título de baronesa de Loreto. Sua experiência, pela qual fomos guiados até agora, nos releva os itinerários de uma vida que passava, até então, discretamente nas composições de quadros e fotografias (uma das quais, inspirou o começo desta investigação).

A partir do diálogo entre textos escritos e visuais, pudemos perceber a gerência da baronesa sobre os objetos que colecionou em sua residência, tornando-a um lugar de

memória. Os guardados compunham uma escrita de si na medida em que serviam de

testemunha de sua vida, à exemplo dos inúmeros retratos que resguardava e que seguem sob a proteção de seus descendentes até os dias de hoje. A baronesa faleceu na casa da sua irmã, Maria Argemira Paranaguá Moniz, à rua Voluntários da Pátria, nº 32, no entardecer do dia 15

de agosto de 1931, em decorrência de complicações de saúde, aos 82 anos de idade.529

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