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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento danielaalexandreferreira (páginas 80-86)

O presente trabalho teve como enfoque refletir o ―movimento‖ eclesial do Terço de Santa Mônica da comunidade de Nossa Senhora Aparecida pertencente à Paroquia de São Joaquim e Sant´Ana localizada na cidade de Santos Dumont, Minas Gerais através do enfoque da sociabilidade. Extrapolando o ponto de vista focado no entendimento do terço num sentido ritualístico.

O terço de Santa Mônica possui dois objetivos: a sociabilidade e a ―ajuda‖. A sociabilidade foi interpretada através da compreensão de Simmel (1983) e Nascimento (2012). Desta maneira, as ―mulheres do terço‖ vivenciam uma sociabilidade feminina, ou uma homosociabilidade, em que o gênero é um demarcador da vida comum. A ―ajuda‖ na visão nativa seria uma colaboração com o bem estar das companheiras de terço, mas também da sociedade. As mulheres fornecem a ―ajuda‖ no sentido espiritual, de bens materiais, na aquisição de direitos fundamentais, ou a ―ajuda‖ nos eventos do Terço dos Homens.

A sociabilidade feminina está ligada a movimentação: a sociabilidade é ―movimento‖. As mulheres circulam para dentro e fora das comunidades. A comunidade seria uma porção do povo de Deus dentro de um território, mas também faz referência aos santos que contemplam as igrejas dos bairros como, por exemplo, igreja de Nossa Senhora Aparecida da comunidade de Nossa Senhora Aparecida. A cor da camisa representa as circulações que são feitas: camisa bege (comunidade local) e camisa verde (paróquia).

A festa religiosa e a ―caminhada‖ foram entendidas como o palco para a vivência do lazer. As ―mulheres do terço‖ recebem convites para visitarem outras comunidades (novenas com festas). Elas precisam se deslocar para participar. A ―caminhada‖, prática de movimentação nativa, foi escolhida como meio de descolamento. As mulheres vivem a homossociabilidade na medida em que andam (na ―caminhada‖) e frequentam os festejos religiosos

A família, a moda, a novela e situações cotidianas que são vivenciadas são os temas das conversas e brincadeiras que marcam a homossociabilidade. Como ―movimento‖ o Terço de Santa Mônica possui uma parte organizacional. A coordenadora é escolhida pelo padre de dois em dois anos, contudo foram apresentados alguns conflitos sobre o cargo de Alana.

A coordenadora é vista como a ―chefe‖. A autoimagem positiva da coordenação é feita quando a reza fica cheia: reza cheia é reza bem vista. Neste sentido, o modo com a Alana coordena é uma maneira de manter o controle. O controle é feito, porque há uma necessidade de saber quem vai ou não na reza, para garantir que ela sempre fique cheia.

Os dois motivos que levaram as mulheres a entrarem no ―movimento‖ foram trazidos sob o ponto de vista de Cátia e Imaculada. Um deles é a possibilidade de ter um horário acessível para rezar. O horário acessível seria aquele tempo livre que não entra em conflito com a agenda de trabalhos domésticos e cuidado com a família. O outro motivo também foi: um horário marcado para rezar pela família e os filhos, ou seja, entrar no ―movimento‖ do terço é uma possibilidade de estabelecer uma rotina de orações para os familiares. Apesar dos motivos individuais é necessário ressaltar que é a devoção (MENEZES, 2004) que mobiliza as mulheres para saírem de suas casas, trabalhar na igreja e participar do ―movimento‖, existe um compromisso permanente com o santo.

As interações sociais das mulheres possuem uma característica: mesmo estando entre mulheres, num momento de afastamento do espaço da casa não há um distanciamento da família. A família aparece nos temas das conversas, nas brincadeiras. Além disto, é pela família que se reza. A preocupação com o outro também não é suprimida, a ―ajuda‖ é o mecanismo utilizado para este tipo de finalidade. Mesmo fora do espaço da casa as ―mulheres do terço‖ se deparam com a moralidade. Há uma necessidade de retome da mesma que é feito pelas próprias mulheres. A retomada da moralidade é feita nas frases ditas no cotidiano. O padre e o marido são os elementos utilizados nas falas para readquiri-la quando ela esvaece nos acontecimentos do dia a dia.

Existe uma relação dual entre a sociabilidade/―ajuda‖ e profano/sagrado. O profano está ligado á sociabilidade, ao divertimento e o lazer. A ―ajuda‖ está relacionada ao sagrado e a caridade. Desta forma, é possível conceituar ―movimento‖ como aquele que proporciona um espaço para a mulher fora da casa e uma relação dual entre o sagrado e o profano.

A mulher é responsável pela casa e os serviços domésticos, por isso diversas questões são desencadeadas quando ela decide sair da mesma. No ambiente da igreja e da casa as atividades são distribuídas de acordo com o sexo. Desta maneira, outra roupagem do conceito nativo ―ajuda‖ é incorporado. Dentro do grupo

doméstico a ―ajuda‖ também pode ser entendida como uma assistência para a mulher através de terceiros que desempenham os serviços domésticos que de primeira instância aparecem como tarefas de responsabilidade da mulher. Sendo assim, quando a mulher possui ―ajuda‖ ela consegue ―sair de casa‖ com mais facilidade.

O conceito nativo ―gesto de doação‖ é entendido como uma forma de agradecer a Deus. Ele pode ser feito por meio da ―ajuda‖. Para praticá-lo é necessário ―sair de casa‖. Foram mostrados alguns motivos que fazem o conflito acontecer: não há uma divisão do serviço doméstico, a igreja cobra da mulher aptidões domésticas como passar e cozinhar, o que é vivenciado na igreja é trazido para dentro da casa. Motivo pelo qual, o marido reclamou da falta de tempo da mulher para outras atividades.

De maneira geral, a pesquisa demonstrou que as mulheres são responsáveis pela casa e a família. O ―movimento‖ do Terço de Santa Mônica aparece como uma oportunidade de viver momentos fora do ambiente familiar, contudo a mulher não deixa de conviver com cobranças, conflitos, moralidade, a preocupação com a família e o outro, além de encontrar conflitos em casa. Apesar destes aspectos o ―movimento‖ apresenta uma oportunidade de viver a sociabilidade, ou seja, ele é um dos poucos espaços que proporciona o lazer para estas mulheres. Analisando a localidade que elas estão inseridas, acredito que outro local não completaria de forma satisfatória esta função. Sendo assim, como nativa, compreendo perfeitamente quando as ―mulheres do terço‖ dizem que um dos objetivos do terço é a sociabilidade.

Sintetizando, a pesquisa contemplou uma das diversas facetas que o ―movimento‖ eclesial do Terço de Santa Mônica pode ser entendido e a sociabilidade é uma delas. Não houve uma preocupação de entendê-lo a partir de uma totalidade. Os dados do trabalho de campo me direcionaram para os pontos que foram estruturados na dissertação. Existem outras questões que podem ser abordadas futuramente. O Terço de Santa Mônica também pode ser compreendido de forma comparativa com o Terço dos homens da comunidade de Nossa Senhora Aparecida, ou através das celebrações do Maio com Maria. Vale ressaltar que o tema da ―ajuda‖ e da sociabilidade são mais extensos. A dimensão deste trabalho não comportaria uma descrição das dinâmicas de cada evento que as mulheres participam ou das pessoas que elas ajudam. O ―movimento‖ não para, enquanto escrevo esta

conclusão, elas estão rezando em alguma residência pelos os doentes, afinal, elas são mulheres que saem de casa, mas não se esquecem dos outros.

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