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DECLIVIDADE IPATINGA/MG

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A percepção da cidade, transformada em mercadoria, ajuda a compreender como o mercado de terras reproduz uma estrutura concentrada de poder e de terra.

Ipatinga inicialmente serviu como mercadoria, exemplo de cidade-empresa, ao grande capital industrial, associado ao Estado em seu desejo nacional desenvolvimentista que lançarão as bases de um meio urbano imposto no interior de Minas, criando para si uma cidade particular, uma cidade-fechada, meticulosamente planejada e gerida.

Ao lado dessa função, outra se formará fora dos limites das propriedades da usina, mas nos limites de grandes proprietários, aliados a promotores imobiliários, que se deslocaram para a região, no rastro das possibilidades de negócios oriundos com a implantação da grande indústria, interessados na transformação do estatuto da terra de rural para urbana. A cidade- aberta de Ipatinga, aberta especialmente ao capital imobiliário, será vendida como local de investimento e de moradia. Estaria, assim, estabelecida a dualidade inicial da cidade: de um lado a cidade-fechada, de outro a cidade-aberta; a primeira controlada pela empresa, a segunda pelo capital imobiliário.

O valor de troca se destacará em relação ao valor de uso em uma região promovida como “Vale de Aço”, pulsante. A terra urbana de Ipatinga seria parcelada com admirável rapidez o que, no entanto, não significaria sua ocupação imediata para moradia ou para fins produtivos. Como investimento, tratada como mercadoria, verificar-se-á o “não uso” da cidade, o não uso dos imóveis urbanos guardados, retidos para que a pujança prometida sobreviesse e aumentasse os lucros dos proprietários, constituindo espaços vazios na malha urbana do município destinados à especulação.

A concentração da propriedade da terra que proporcionava um controle sobre a disposição e a apropriação do estoque de imóveis urbanos, aliada a um panorama de retenção de imóveis, aguardando valorização, favoreceu a “construção” da escassez da terra urbana em Ipatinga e suas conseqüências ainda mais agravadas, tendo em vista a proximidade de oportunidades de emprego e a crescente demanda por terra urbanizável, servindo à estipulação de altos valores pela localização em Ipatinga. Demanda que fora atraída pela publicidade tanto do mercado de terras em busca de clientes quanto da empresa que necessitava de reserva de mão-de-obra. Escassez de terra urbana, então, construída pela retenção de imóveis urbanos, que a mercantiliza como estratégia de valorização, superdimensionando a cidade, tornando-a

dispersa, polinucleada, exigindo investimentos contínuos e dispendiosos do poder público para atender às demandas de infra-estrutura, impedindo que a oferta regule os preços, cerceando o acesso à terra-moradia, fazendo com que o lugar da população pobre em Ipatinga fosse a periferia da cidade-aberta, apinhado nos morros, em torno de córregos, assumindo os ônus provenientes de sua incapacidade econômica, frente a um mercado imobiliário que se confundia com o poder público em uma dinâmica que se estendeu pelo processo de (re)produção da cidade, contribuindo para que as camadas populares estejam cada vez mais “destinadas” às áreas que, no momento, não são atrativas ao capital imobiliário e somente até o momento em que não o sejam.

E a população pobre, no sentido de escolha locacional em Ipatinga, abrange aqueles que não podem arcar com um preço médio do metro quadrado construído caro, que gira em torno de R$1.800,00 a R$2.200,00 reais, expostos à desigualdade e à segregação espacial que o preço da localização produz, convivendo com o burburinho de que o espaço de expansão da cidade acabou o que valoriza ainda mais os imóveis e os novos loteamentos que se formam nas cidades vizinhas e nos afasta, mais ainda, do direito à terra-moradia.

A retenção de imóveis vagos em Ipatinga será capaz de dar à cidade, além de sua configuração espacial dispersa, uma direção de crescimento considerada peculiar no sentido periferia-centro. Áreas periféricas foram primeiramente ocupadas, visto que mais economicamente acessíveis, adquiridas para fins de moradia.

A dicotomia inicial cidade-fechada versus cidade-aberta persiste, embora, gradativamente, tenha cedido importância para a dicotomia que surgiu dentro da própria cidade-aberta, entre sua periferia e seu centro.

A então cidade-empresa, Ipatinga, supostamente alforriada do domínio da empresa passa a ser cativa do mercado imobiliário, que controlaria como uma “camisa-de-força”, valendo-nos da expressão de Costa (1991), a apropriação da terra urbana na cidade. Áreas ociosas permaneceram estrategicamente retidas em localizações planas com destinação “nobre”, atribuída pelos planos de crescimento da cidade. Investidores adquiriram terra em Ipatinga como poupança, deixando-as ociosas até que surgisse a valorização esperada, possivelmente advinda a partir do final da década de 90, quando a ociosidade dos terrenos passa a dar lugar à verticalidade dos apartamentos. Muitos dos quais se tornaram investimentos lucrativos para seus adquirentes, tornaram-se, também, imóveis edificados vagos, engrossando a fileira das

estatísticas que apontam para o crescimento desse tipo de retenção imobiliária no Brasil, ao passo que o déficit habitacional no município permanece alto.

Com preços restritivos e, envolta em um burburinho de que o espaço urbano da cidade esgotou-se, a cidade valoriza-se e atrai cada vez mais investidores para o mercado imobiliário, verticaliza-se e se expande para os municípios vizinhos, surgindo rapidamente novos loteamentos em propriedades de famílias tradicionais de Ipatinga e onde pode ser observado um novo ciclo de retenção de imóveis.

Mercadoria, concentrada, monopolizada, escassa e cara a terra urbanizada/urbanizável adquire essas feições em um mercado que age aliado ao poder público, à omissão legislativa e executiva. Articulações que possibilitam a diminuição dos riscos através de sua sociabilização e a privatização dos benefícios.

Por meio dessas articulações, o mercado buscou valorizar seu patrimônio imobiliário, interferindo nos investimentos públicos, enquanto a função de moradia da cidade de Ipatinga tornava-se mais secundária.

Imersa em um poder político controlado por proprietários fundiários e/ou pela grande indústria, a cidade terá sua regulamentação urbanística submetida a esse poder o que contribuirá para que “o ônus da urbanização fosse do município”. Poder público marcado por investimentos concentrados em áreas propícias ao mercado imobiliário, contribuindo para a valorização fundiária das terras estocadas. Situação de ociosidade de imóveis urbanos que contradiz a Constituição de 1988, vigente há 22 anos e o Estatuto da Cidade, há 9 anos. Ambos expressam a incompatibilidade entre retenção especulativa de imóveis urbanos e a função social que toda propriedade deve cumprir para ser tutelada, estipulando, inclusive, sanções a essas incompatibilidades.

Contudo, o que se observa em Ipatinga é que os instrumentos jurídicos e administrativos são funcionais ao mercado imobiliário tanto pela omissão legislativa em discipliná-los quanto pela negligência executiva em aplicá-los, favorecendo que as determinações constitucionais e legais permaneçam como retórica e se perpetuem o status quo daqueles que só vêem a cidade como mercadoria, negócio, distante a função social que não só a propriedade, mas a cidade deve cumprir, demonstrando que novos marcos jurídicos são ineficazes, enquanto não passam de discurso.

Tentamos, neste trabalho, abordar a produção do espaço urbano da cidade-aberta de Ipatinga, ainda pouco explorada pelo meio acadêmico, que centra seus estudos no núcleo planejado

pela grande indústria. Tentamos demonstrar que a cidade-aberta não foi fruto de um fenômeno espontâneo como muito propagado, mas resultado de articulações e estratégias de agentes produtores do espaço urbano, especialmente do mercado de terras. Esforçamo-nos para apontar as alianças existentes na produção do espaço urbano dual de Ipatinga e a inércia do poder público em coibir o estoque de terra urbana, mesmo havendo mecanismos à sua disposição. Intentamos evidenciar a desigualdade socioespacial, característica das cidades onde o Capital – e o mercado imobiliário – comandam o acesso à cidade aos seus usuários e onde políticas públicas não são eficazes na conquista da cidadania para todos.

Buscamos, sobretudo, evidenciar como a cidade de Ipatinga não se ofereceu a todos igualmente, que em seu bojo áreas impróprias, desfavorecidas de equipamentos urbanos, eram a alternativa das camadas populares que as ocuparam intensamente, enquanto áreas de status permaneceram estocadas o que hoje ocorre com os imóveis edificados, cerceando o direito mínimo do cidadão que é o de morar com dignidade.

Uma fala de um trabalhador anônimo foi emblemática para esta pesquisadora, fala proferida no início da década de 90, ouvida em um ônibus lotado de trabalhadores que faziam o trajeto Bethânia-Centro, dirigindo-se aos seus postos de trabalho às 06 horas da manhã e que tentamos reproduzir: “a gente tem que morar no fim do mundo enquanto tem tanto lugar vazio por aqui, mas aqui a gente não compra”. O trabalhador de uma empreiteira da Usiminas referia-se aos lotes vagos do bairro Veneza, próximo ao Centro, servido de asfalto, de escola, de posto de saúde, por onde o ônibus cheio acabara de passar.

Essa é a maior perversidade da retenção imobiliária: limitar a escolha locacional, aprisionando em um espaço impróprio ou para lá expulsando o homem, ao passo que a parte “nobre” e bem provida da cidade permanece ociosa sob o olhar complacente do Estado, é tão perverso porque é condição primeira do homem sua base espacial.

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