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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando deixamos de considerar a filosofia como um metadiscurso abrimos espaço para que ela se torne uma ação produtiva. A filosofia como criação de conceitos atua como via de enfrentamento a esfera de pensamento conservadora que a considera como um saber legislador. Sua função não é produzir universais para representar um estado de coisas constituído, que corresponde a uma estabilidade do real. Mas junto a variação do mundo, do movimento ao infinito, participa de um ambiente múltiplo de problemas imanentes a seus atos de criação. Deleuze, cria de maneira original um solo para assentar a filosofia, onde o processo do pensamento é valorizado em detrimento da fundamentação a priori. O conceito de filosofia de Deleuze a concebe como acontecimento de criação. Deste modo, entendemos que a filosofia acontece como ruptura aos mecanismos de conservação do pensamento que se fundam sobre valores a priori. Refletir sobre outras áreas do saber, servir ao pensamento enquanto movimento retroativo deixa de ser o lugar da filosofia para Deleuze. A filosofia sai de uma posição estéril para uma posição construtivista e horizontal em relação a outros campos do saber. Cabe a filosofia criar conceitos, só a ela, e não legislar ou refletir sobre outros campos do saber. O conceito filosófico como um catalisador oferece ao pensamento a possibilidade da multiplicação. Enquanto tal, seu percurso não se fecha. Para além de verdades eternas o conceito deleuzeano aparece como possibilidade de relação. O movimento é trazido para o seio do pensamento. De outra maneira, sua definição de filosofia parece ir além de uma definição pois é um tipo de definição que a mantém aberta sem ser ambígua. Deleuze criou um conceito de filosofia que conseguiu unificar todas as filosofias mas mantendo suas diferenças. Ao pensar a filosofia como criação conceitual, cria um conceito que funciona na relação, garantindo assim a multiplicidade e a variação para o seio de sua prática.

Não considerar a capacidade criativa e original necessária ao fazer filosófico implica, de algum modo, na impossibilidade de concebermos o fazer filosófico enquanto forma de pensamento autônomo. O já pensado representa apenas fontes, problemas que conduzam a novas problematizações e novas soluções. Assumir o terreno filosófico como criação de conceitos possibilita o alcance de dimensões para além do dado. Sendo assim podemos indicar a atividade filosófica como um fazer de

35 atualização. Isto significa dizer que a concepção de filosofia de Deleuze tem por finalidade trazer a possibilidade do novo para o mundo através da filosofia.

Uma das questões relevantes que gostaríamos de ressaltar se forma de modo a não inserir no seio da atividade filosófica a busca por universais, por entidades abstratas pré existentes. A questão da filosofia não é de aceitar os conceitos como dados, contemplá-los como entidades eternas e imutáveis mas ao contrário é preciso desconfiar das pretensões universais e eternas para que através da criação de conceitos o pensamento possa se atualizar e não perder sua infinitude, seu movimento. Os filósofos não devem mais se contentar em limpar os conceitos dados ou remeter sua atividade ao que é conhecido ou dado como real mas sim fabricar uma nova perspectiva para os acontecimentos, oferecer uma nova maneira de ver o mundo.

Como vimos a crítica deleuzeana à acepção tradicional de conceito filosófico enquanto essência possibilita a recusa das acepções da atividade filosófica como contemplação, reflexão e comunicação pois estas admitem um realismo que tem como finalidade representar, demonstrar ou comunicar um estado de coisas. Para Deleuze, o conceito filosófico não se caracteriza por esses moldes. Sua acepção de conceito filosófico tem como dimensão remeter ao acontecimento e não a essência, é importante fazermos essa ressalva. Portanto não devemos procurar por um conceito como se este fosse algo que pudesse ser encontrado, ele não pré-existe enquanto realidade dada. Mas como ferramenta do pensamento é criado a partir de condições encontradas em seu ambiente. Deste modo a acepção de conceito filosófico de deleuze testemunha a favor de um dispositivo que permite o ato de pensar experimentar o novo pensar. Assim podemos entender o conceito como produto e produtor. Produto do filósofo e produtor de conceitos novos e de acontecimentos na medida que os torna possíveis. Portanto devemos entender o conceito não como uma opinião sobre as coisas mas como aquilo que delimita as possibilidades de uma nova significação sobre elas. Seu estatuto se define por uma multiplicidade de elementos que arranjados ganham movimento e promovem um sentido. Como uma amálgama de elementos um conceito é sempre singular pois atua dentro de um ambiente.

Enquanto intenção e não extensão a atividade de criação de conceitos só ganha consistência se erigida junto a um plano de imanência. Está relação pode ser

36 vista como uma originalidade do construtivismo deleuzeano. O plano de imanência traz a filosofia como imagem do pensamento a reivindicação ao movimento infinito. O plano de imanência é o solo da produção conceitual. Sem esta condição pré conceitual o conceito não pode existir. Cabe ressalva pois como condição pré- filosófica não devemos entender que seja algo anterior, mas como condição interna é necessário sua instauração para a filosofia surgir. Este traço faz da filosofia algo localizada em determinada atmosfera dotada de abertura, produzindo-se para se manter viva e não algo que se pretende enquanto realidade universal.

O terceiro elemento da filosofia, além da criação conceitual e do plano de imanência, que completa sua definição, é a invenção de personagens conceituais. Vimos a importância do personagem do amigo para a acepção de filosofia de Deleuze. O amigo grego agrega o valor necessário para o plano de imanência que Deleuze quer dar a filosofia e intervêm na sua própria definição de conceito de filosofia. Esses heterônimos são quem manifestam os sujeitos das filosofias. Optamos por usar o personagem do amigo para explicar o funcionamento da filosofia como criação de conceitos.

A filosofia é portanto constituída a partir da união dessas três instâncias: o plano de imanência que é preciso traçar, os personagens conceituais que precisam ser inventados e os conceitos criados. Esses verbos substituem os verbos refletir, contemplar e comunicar.

Não obstante podemos afirmar que a concepção de filosofia como criação de conceitos não a situa no campo da generalidade. Tal acepção pretende levar a filosofia o que há de único em cada uma delas. A univocidade a qual Deleuze pretende em relação as filosofias é a produção que a todas é imanente. Produção de caráter construtivo, complexo, que num encadeamento perpétuo articula multiplicidades de conceitos e intui novos. Não devemos esquecer que a filosofia para Deleuze trabalha em constante atenção ao mundo. Se atenta aos seus pormenores, suas variações e pluralidades. Assim sua criação atua na dimensão da multiplicidade, no fomento ao movimento que a tudo preenche.

Podemos afirmar que Deleuze fornece a filosofia uma maneira de experimentar o mundo através do pensamento. Um conceito pode nos agenciar de possibilidades. O conceito é como um som, como uma cor, nos afeta. A criação filosófica nos leva a novos acontecimentos a partir dos seus conceitos. Criar

37 consiste em remeter-nos ao contato com um processo. Assim o pensamento filosófico deixa de lado a intenção de buscar o pensamento de todos os pensamentos, a base mãe por excelência, o meta discurso não é mais sua busca. A singularização, o estilo, faz da filosofia uma maneira de ver e fazer ver o mundo. Não o verdadeiro mundo, aquele das fáceis certezas, do pensamento único. Mas aquele da multiplicidade, no enfrentamento ao caos é que a filosofia faz ver. Nem vencer, nem fugir, mas o que importa é conviver com o caos para dele poder extrair novas perspectivas de vida.

O filósofo convive com o caos e nele mergulha. É um mergulho abaixo das linhas, das formas. Em seu retorno do caos, que se opõe ao reinado do mesmo, trás as variações conceituais a seu modo que contribuem para a possibilidade de uma multiplicidade. O caos não é um inimigo da filosofia, ela o enfrenta para dele extrair elementos para sua criação. Cabe-nos dizer que a filosofia segundo Deleuze nunca deixará de lutar contra as generalizações que fazem do mundo um lugar estéril e acabado. Sua busca se faz pela possibilidade do novo, pelos novos acontecimentos que muitas vezes não são valorizados pela visão comum, fazendo o modo de ver o mundo como apressado e escravizante... Avante, a filosofia é aquilo que não tem fim!

Por fim, aquilo que empreendeu esta pesquisa foi a tentativa de situar a filosofia num campo de trabalho que a entenda como criação. Fato que a livra de uma estância de pensamento transcendental. Desta forma conseguimos concedê-la uma função e uma singularidade e ao mesmo tempo trazê-la para o seio da problemática humana. Este recorte é importante para manter a filosofia em uma escala de pensamento vivo que se mantém em vias abertas.

Este trabalho foi fruto de uma pesquisa introdutória ao pensamento de Deleuze que teve por objetivo entender sua concepção de filosofia para em um segundo momento pensar a relação da criação filosófica com suas instâncias complementares.

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5 FONTES

5.1 Referências Bibliográficas

DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Ed. 34, 1992.

DELEUZE, G. Diferença e Repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

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GALLO, Sílvio. Deleuze & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008

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