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Diante do que mostramos, há pelo menos três questões que devem ser ressaltadas: a identificação social do presidente Luiz Inácio da Silva a partir das diferenças entre as revistas Veja, Época e Isto É Gente; a presença constante de um passado que insiste em se repetir e que também significa enquanto parte da identificação de Lula; o significado dessa identificação no que se refere às formações ideológicas que circulam e que afetam o real da língua.

Quando analisamos as reescrituras nas seqüências de recortes, pudemos tomar como objeto de reflexão o recorte da temporalidade dos acontecimentos enunciativos em questão. Esse instrumento de análise permitiu-nos percorrer os textos e perceber que na medida em que os modos de referir se refaziam, era a diferença que ficava ressaltada. Lula foi referido por um ex-torneiro mecânico, por o ex-metalúrgico, o ex-líder metalúrgicoe por ex-

operário nos recortes [1] a [4], mas dizer (ex-) operário significa algo que não está

constituído em o ex-líder metalúrgico, em o ex-metalúrgico ou em um ex-torneiro

mecânico e esse “dizer algo mais” mobiliza recortes de memória que se configuram como

passado do acontecimento, e uma futuridade que faz funcionar a identificação do que referem.

Nos recortes [1] a [4], em que funcionam as formulações ex-X, vimos que os vários modos de referir predicam, por atribuir uma característica, e determinam o nome Luiz Inácio da Silva e, nessa medida, identificam socialmente esse sujeito. Lula é, assim, identificado por designações que funcionam de forma que o rememorado é sempre colocado no passado. Isso quer dizer que, apesar de a formulação ex-X mobilizar o significado de X para redizer essa condição (‘um torneiro mecânico’, ‘um metalúrgico’,

‘líder metalúrgico’ e ‘operário’), tal predicação é posta como passada, o que é produzido pelo funcionamento do morfema ‘ex’. Por outro lado, a formulação ex-X já nos aponta a presença do passado na identificação social de Luiz Inácio da Silva, ao reorganizar a história de sua trajetória de vida pessoal e, sobretudo, profissional como elemento dessa identificação. Cada uma das designações que funcionam nas seqüências de recortes de [1] a [4] constituem-se como diferentes porque recortam memoráveis diferentes, mas, ao mesmo tempo, fica estabelecida uma relação de correspondência entre elas porque a referência construída em torno do nome que designam é única.

Nos recortes [5] e [6], em que não há o funcionamento da formulação ex-X, Luiz Inácio da Silva é significado por um candidato de origem operária, líder e fundador de um

partido de esquerda, o presidente eleito e o líder dos operários em greve. As características

atribuídas a Lula em [5] e [6] não colocam o rememorado daquelas enunciações no passado. Sendo assim, o presidente eleito reescreve um candidato de origem operária, líder

e fundador de um partido de esquerda e essas duas designações são reescrituradas por o líder dos operários em greve. É a condição de líder dos operários que mobiliza o sentido de

participação ativa a ponto de organizar uma das grandes greves do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em São Paulo e que, por sua vez, faz funcionar a significação ‘ser presidente eleito’. Ainda, nessas duas seqüências, Lula é o presidente eleito, mas também é o operário, fundador de um partido de esquerda e o líder dos operários. Assim, Luiz Inácio da Silva designa algo que é presidente e tudo o que mais se designa pelas demais expressões. Luiz Inácio da Silva é o ‘presidente’ que também é ‘operário’, etc.. Também em [5] e [6] a história da trajetória de vida pessoal e profissional é repetida e refeita a cada designação.

Por sua vez, nas seqüências de recortes [7] e [8] Lula é referido por o primeiro

operário a chegar à Presidência da República e por o primeiro operário a ser consagrado Presidente da República. Tais modos de referir determinam Lula como alguém especial,

um vencedor por ter conseguido alcançar tal grau de reconhecimento: ser eleito Presidente da República. É assim que Lula é identificado em [7] e em [8].

A seqüência [9], caracterizada pelos enunciados da capa de Isto É Gente, está organizada a partir das relações de referência e designação que se estabelecem em [7] e em [8]. Em [9], o enunciado narrativo que é título da capa daquela edição da revista predica Lula com metalúrgico e presidente e também, por assim dizer, faz funcionar um memorável que representa o que Lula foi – seu passado. Temos, em [9], presidente que reescritura ex-líder sindical e metalúrgico. E é no funcionamento dessa correspondência, que o sentido se faz diferente e que também há a reescritura por Gente para a revista. É enquanto Presidente da República que Luiz Inácio da Silva é Gente para a revista.

Percebemos, então, que há uma diferença crucial nas identificações de Luiz Inácio da Silva que são produzidas em cada uma das revistas. Em Veja identificou-se Lula com designações que funcionavam de forma que o rememorado era colocado no passado; embora isso não seja apagado, é na medida em que se diz ex-X que se diz Lula presidente. Em Época, Lula é o sujeito que se destaca pela condição de origem e pela participação ativa no que se refere aos interesses de uma classe social. Enfim, o que Isto É Gente predica a Luiz Inácio da Silva é reescrito pela significação de Gente para a revista. Gente reescreve

presidente e é nesta medida que Luiz Inácio da Silva é assim significado para a revista. Por

outro lado, Isto É Gente o identifica, mais que as outras revistas, como um vencedor.

Fato é que as seqüências recortadas constituem em Veja, Época e Isto É Gente a insistência em redizer um passado e em marcar uma história de vida, questões essas mobilizadas quando refletimos sobre os acontecimentos e suas temporalidades. É neste instante que se constitui a hierarquia de poder, ela funciona, ainda que de diferentes modos, para os três conjuntos de seqüências.

E, se a análise, em princípio, faz entender uma colagem do real (realidade) no sentido de que há um histórico de ascensão social, o que ocorre, na verdade é que não há necessariamente uma hierarquia que diz que “A mais que B”, por exemplo. Mas a forma como os textos, principalmente nas seqüências de Veja e na capa de Isto É Gente, apresenta essa questão, significa que, naquele acontecimento enunciativo, ser ‘líder sindical’ ou ser ‘metalúrgico’ é mais importante que ser ‘imigrante nordestino’para dizer Presidente da

República. Lula é, assim, identificado por essa hierarquia que se organiza no

funcionamento do acontecimento enunciativo.

Finalmente, a questão da hierarquia põe-nos o seguinte questionamento: a identificação social que é constituída em cada uma das revistas está afetada por uma memória de dizeres que condena a condição de Lula no passado relativamente ao fato de ele ter-se tornado presidente? Dizer um torneiro mecânico, o ex-líder metalúrgico ou ex-

operário, tal como refere a revista Veja, ou, então, predicar Lula como sujeito que passa da

condição de metalúrgico a de presidente, tal como na capa de Isto É Gente significa a não legitimidade de Lula para o cargo que ocupa?

Sabemos que o real da língua é afetado por formações discursivas que contestam essa legitimidade e o que precisamos analisar é se isso funciona naquelas seqüências tomadas e, nesse caso, se é esse funcionamento- de formações discursivas determinadas- que faz constituir uma hierarquia de poder que se organiza em torno do que identifica Lula naqueles textos.

Essas são questões que surgiram ao longo de nosso trabalho e que reclamam resposta. Esperamos, a partir de uma análise mais ampla, poder avançar nestas conclusões de um modo sustentado em procedimentos de descrição e análise.

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