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Se Pernambuco foi palco de diversos conflitos antilusitanos ao longo da história, isso não foi percebido pelos imigrantes do pós-guerra. O contexto lusófobo encontrado em alguns momentos na história nacional e local já não existia nos anos de 1950. Os conflitos de abril de 1931 são observados aqui, então, como o momento derradeiro de intenso conflito entre portugueses e brasileiros em solo pernambucano. A subida de Vargas ao poder mudou o panorama legal dos imigrantes lusos e acelerou e intensificou as mudanças que já vinham se processando na legislação. Após a década de 1930, e a diminuição da imigração, o que vai ser visto no período da retomada desses fluxos é uma situação bem diferente.

O início do período Vargas é também o começo da decadência do fluxo imigratório português para o Brasil. Não tanto pela política trabalhista e protecionista de Getúlio, quanto pela crise pós o crash de 1929, pela situação do campo português e pelas restrições impostas por Salazar. Posteriormente, a Segunda Guerra Mundial tornou-se uma das maiores razões da diminuição desses números, diante das dificuldades impostas pelo conflito à livre transição de navios pelos oceanos. Nesse hiato que vai da crise de 1929 ao fim da guerra em 1945, muito mudou em ambos países.

Assim que se atenuaram os impedimentos à imigração portuguesa para o Brasil, o fluxo de lusitanos voltou a fazer o percurso atlântico deslocando-se para sua antiga colônia. Terminada a guerra, os portugueses puderam melhor usufruir da nova situação encontrada em solo brasileiro. Novos ditames legais que os privilegiavam em detrimento aos demais estrangeiros, inexistência da lusofobia presente anteriormente, melhores condições de trabalho para os imigrantes. As dificuldades impostas anteriormente já não se faziam presentes. Imigrar continuava sendo difícil, não só pelos custos da empreitada, mas também pelo desprendimento necessário àquele que almeja sair do seu país e fazer sua vida num outro. Família deixada para trás, mudança de vida e a incerteza do futuro trazem receio e insegurança a todos imigrantes.

Imigra-se nesse momento um português de perfil bastante diferente daqueles que vieram na grande leva até os anos de 1930. Munidos de condições e estrutura mais favoráveis à imigração, não só alfabetizados, mas melhores instruídos, os portugueses do pós-1945 não chegavam aos portos de Pernambuco em situação de penúria, era um novo

cenário. Vinham, em sua maioria, na terceira classe de grandes navios de carreira da época como o Hillary, o Serpa Pinto, o Vera Cruz e o Alcantara, marcados na memória dos imigrantes pela passagem que os trouxe à sua nova vida. Imigravam motivados por questões diversas, mas todos dispostos a uma mudança de vida. Encontram no país uma nova Constituição, novas leis e a influência de Gilberto Freyre com o seu lusotropicalismo. No Brasil pós-1945, a lusofobia já não era presente. Para Eulália Lobo, a partir de 1930, a queda da imigração e a diminuição da concorrência no mercado de trabalho entre portugueses e brasileiros, além da nova política varguista, que reservava um lugar privilegiado aos lusitanos podem ter contribuído para atenuar a lusofobia.413 Restavam piadas sem grande importância, como disseram os imigrantes entrevistados. Daniel Rodrigues, diz que as piadas na qual davam fama de burro aos imigrantes existia por que os portugueses que vinham antes do hiato após 1930 eram pessoas “sem instrução e sem

grande polimento". A falta de escolaridade não era problema para os imigrantes do pós-

guerra. A ideia do português pouco letrado explorada em outros momentos já não fazia sentido nesse momento.

Permaneciam ligados à sua pátria, incentivando as redes de parentesco e de conterraneidade que alimentaram esses deslocamentos. Agricultores se tornam comerciantes no espaço de uma viagem de poucos dias entre os portos portugueses e o desembarque em Pernambuco. Segundo João Virgílio Ramos André, emigrado em 26 de fevereiro de 1962 como pastor “eu já venho da enxada, vou voltar para a enxada?”414 As mulheres, entretanto, continuam na função doméstica. Os números mostram o tamanho dessa nova leva que veio nos anos de 1950, quando compuseram 41,4% do total de imigrantes, e talvez o último grande fluxo português para o país. A comunidade portuguesa em Pernambuco hoje, é basicamente formada por pessoas que vieram nessa época, falar dessa imigração é compreender a história da comunidade portuguesa aqui presente.

Todo nosso esforço esteve voltado para desenvolver um trabalho sobre a imigração portuguesa para Pernambuco atentando para as particularidades do contexto histórico no estado, seus números e dados estatíscos e a legislação da época, com foco no período posterior à Segunda Guerra Mundial. A análise sobre uma história do antilusitanismo do estado nos pareceu fundamental para a distinção entre os contextos encontrados pelos imigrantes ao longo do tempo. Uma discussão legal também se mostrou importante para

                                                                                                               

413 LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Imigração Portuguesa no Brasil. São Paulo: Editora Hucitec, 2001.

P.210-211.

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observarmos tanto o paradoxo entre a lusofobia e os privilégios legais relegados aos portugueses, como para compreendermos a burocracia da imigração e o processo ao qual precisava se subtmeter todo aquele que tivesse por interesse viver e trabalhar no Brasil.

Procuramos construir uma nova base de dados com adaptações de estatísticas existentes, comparações entre informações distintas e elaboração de novos dados a fim de dar maior compreensão a esse processo da imigração portuguesa. Os dados construídos contribuem com o desenvolvimento de novas pesquisas sobre o tema e o aprofundamento e continuação da investigação realizada. Após a escrita, ficam mais questionamentos e dúvidas do que no início. E a necessidade de dar continuidade ao estudo sobre a imigração portuguesa para Pernambuco.

Talvez hoje estejamos presenciando uma tímida volta dessa imigração lusitana para o país, sem dúvida, sem a proporção que um dia já possuiu. Desde 2008 os portugueses voltaram a aumentar o número de imigrantes para o Brasil. A crise econômica que afetou o país trouxe mudanças significativas. Mais uma vez, observa-se uma nova fase da imigração, um novo contexto e um novo perfil imigrante, após um hiato de cerca de 50 anos. Pouco mais velhos e em sua maioria com curso superior, "são pessoas cada vez mais

especializadas. Constitui uma de fuga de cérebros, mas desta vez o destino é o Brasil", diz

o cônsul brasileiro em Lisboa, Renan Paes Barreto. Hoje, imigram engenheiros, arquitetos e técnicos em plataformas de petróleo, por exemplo. Em Pernambuco, empresários do setor de alimentos tem aproveitado essa crise para trazer mão-de-obra do país para seus empreendimentos.415 O arquiteto Pedro Ribeiro, 40 anos, entrevistado pela reportagem da BBC dizia ter três razões para emigrar: "Primeiro, porque é um país que tem forte

crescimento econômico; segundo, pela familiaridade da língua; (terceiro) por questões familiares, porque eu sou casado com uma brasileira". Nenhum dos três motivos difere do

que se encontrou no pós-1945 a 1964.416 Pouco mudou. Talvez, em termos de motivos, o que teria mais se modificado seria a inexistência do serviço militar nas antigas colônias africanas. Esse medo já não existe. Dificilmente os números um dia retornarão aos encontrados na década de 1950 e em anos anteriores.

Atualmente, 1% da emigração portuguesa destina-se ao Brasil, entre 80 e 85% vão para o restante da europa, 10 a 12% Angola ou Moçambique. Em 2013, imigraram para o

                                                                                                               

415 Empresários portugueses no Recife apostam no ramo gastronômico. In:

http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2013/11/empresarios Acesso em 10 de janeiro de 2014.

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RATTNER, Jair. Fugindo da crise, portugueses engrossam onda migratória para o Brasil 'aquecido'.

Brasil o parco número de 2.913 lusitanos, fazendo do país a quinta escolha dentre emigrados de Portugal. Perdendo para Reino Unido, Suíça Alemanha, Espanha e Luxemburgo. Essa posição deve ser ainda menor, pois esses dados não levam em conta informações sobre a imigração para França, Angola e Moçambique, quando da publicação da obra.417 Vê-se que o Brasil teve uma considerável redução do seu papel como atrator dos imigrantes lusitanos, ainda que nos últimos anos a imigração para o país tenha aumentado um pouco.

A imigração portuguesa para o Brasil, desde 2004, mantém uma média acima de 400 lusitanos imigrados anualmente, tendo aumentado desde 2011, crescendo 96% em comparação ao ano anterior. Ainda que percentualmente grande, esse número, em termos absolutos teve pouca relevância ao passar de 798 imigrante em 2010 para 1.564 em 2011. Já em 2013, esse número foi de 2.913 portugueses, apenas 5% da imigração estrangeira para o país.418 Apesar disso, os portugueses ainda são o maior número de residentes estrangeiros no Brasil, somando 23% do total.

Se no Censo de 2000 Portugal não figurava entre os cinco países a destinar mais imigrantes para o Brasil (Paraguai, Japão, Estados Unidos, Argentina e Bolívia), no Censo de 2010 já voltava à aparecer com Estados Unidos (51.933), Japão (41.417), Paraguai (24.666), Portugal (21.376) e Bolívia (15.753). A maioria desses imigrantes, entretanto, ainda iam para o sul e sudeste do país, dirigindo-se majoritariamente para São Paulo (30%), Paraná (14,7%), Minas Gerais (9,8%), Rio de Janeiro (7,6%) e Rio Grande do Sul (5,3%).

Observa-se, então, um novo panorama da imigração portuguesa para o Brasil, distinto de todo outros, por diversos fatores. Os imigrantes lusitanos que vieram para Pernambuco entre 1945 e 1964 hoje dão seguimento à comunidade portuguesa aqui presente. A presença de lusitanos em Pernambuco é bastante forte e remonta ao período colonial. No período pós-independência, em Recife, foram fundadas históricas entidades portuguesas tais quais o Gabinete Português de Leitura de Pernambuco (1850), o Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco (1855), o Clube Almirante Barroso (1909) e Clube Português do Recife (1934), instituições essas que continuam a fazer parte do cotidiano da Comunidade Portuguesa local. Sejam nas reuniões no Gabinete, nas festas

                                                                                                               

417 PIRES, Rui Pena. Emigração Portuguesa. Relatório Estatístico 2014, Lisboa, Observatório da

Emigração e Rede Migra, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), CIES-IUL, e DGACCP. 2014. .p..37

418 PIRES, Rui Pena. Emigração Portuguesa. Relatório Estatístico 2014, Lisboa, Observatório da

Emigração e Rede Migra, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), CIES-IUL, e DGACCP. 2014. .p..100

no Clube, nos encontros no Hospital ou nas sardinhadas no Barroso. A comunidade se faz presente nessas instituições e nos estabelecimentos criados pelos portugueses que para aqui imigraram. A redução da imigração, desde 1964, prejudica, no entanto o contínuo fluxo de novos lusitanos na comunidade, hoje, formada por muitos descendentes. Laura Areias, imigrante portuguesa, assim resume:

os portugueses, vindos por ânsia de ganhos, afastados de suas famílias e origem queriam vencer e voltar um dia mostrando condições econômicas promissoras. Se muitos não voltaram pelos resultados hostis da vida, os que triunfaram, radicaram-se em Pernambuco, estabelecendo novos horizontes, marcantes de sua presença portuguesa419

Este trabalho pretendeu contribuir com a história social de Pernambuco buscando investigar a imigração portuguesa para o estado no pós-guerra. Procurou-se explorar o antilusitanismo em Pernambuco em diversos momentos até o seu desaparecimento, bem como o desenvolvimento de uma legislação brasileira favorável aos portugueses. A compreensão desse contexto, foi condição essencial para a análise da imigração e suas redes de parentesco responsáveis por alimentar a comunidade portuguesa de novos lusitanos. Familiares trazidos por outros familares, conterrâneos atraídos por conterrâneos.

A história da imigração excede a frieza dos números e mostra-nos trajetórias de diversas vidas que, ainda que detentoras de caminhos únicos, processaram-se num movimento compartilhado entre si. Foram vários imigrantes portugueses deslocados para Pernambuco, vários relatos e diversas memórias, porém, dentro dessa diversidade havia um coletivo comum, além do contexto social, político, econômico e legal deixado para trás e encontrado no país para onde se emigrou.

A história da imigração portuguesa para Pernambuco entre 1945 e 1964 é uma história de mão-dupla. É história de Portugal e é história do Brasil. É, sobretudo, história de Pernambuco. A pesquisa deve continuar em razão do interesse de melhor compreender as particularidades desse processo. Afora a documentação oficial ainda não trabalhada, existem muitos imigrantes que não foram entrevistados, devido às dificuldades impostas pelo tempo deste trabalho. Esta dissertação é apenas um começo.

                                                                                                               

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AREIAS, Laura. A Presença Lusitana em Pernambuco: 100 anos da Câmara de Comércio Brasil –