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A Constituição Federal de 1988 consagrou os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Essa transformação está intrinsecamente relacionada término do regime ditatorial, na qual muitos direitos foram cerceados. Os direitos culturais passaram a ocupar lugar de destaque, junto aos demais direitos fundamentais, gozando de máxima proteção constitucional e de inserção como cláusula pétrea devido à cláusula de abertura contida no art. 5º da Carta Republicana.

Ademais, houve aumento do rol de bens passíveis de proteção em relação ao estatuído pelo Decreto-Lei nº25/37. Com efeito, os bens materiais, imateriais, os saberes locais e outras tantas formas de expressão passaram a compor o conceito de cultura encartado na Constituição Federal que por si só é mais restrito que o conceito antropológico de cultura. A proteção constitucional do patrimônio cultural dialoga com aqueles bens ou expressões que se relacionam com a história ou cultura do país.

A efetiva proteção ao meio ambiente, disposta no art. 225 da CFRB/88, também se relaciona intrinsecamente a proteção dos bens culturais, tendo em vista que o meio ambiente tem caráter multifacetário.

Com o viso de dar aplicabilidade a proteção dos direitos culturais o legislador optou por estabelecer diversos mecanismos de defesa do patrimônio cultural.

O tombamento, enquanto um dos meios de defesa dos bens culturais constitui-se também em modalidade de intervenção do Estado na propriedade. Com efeito, o Estado Contemporâneo passou a intervir nas relações privadas com o objetivo de alcançar o interesse público. Reflexo disso é a transformação sofrida pelo conceito de propriedade que, atualmente, tem conceito atrelado ao atendimento da função social da propriedade.

Efetivamente, a função social da propriedade transformou intrinsecamente o que se entende por propriedade, ou seja, modificou a natureza do instituto, imprimiu-lhe outro significado. As limitações administrativas, por sua vez, através dos modos de intervenção do Estado na propriedade, pautam-se em supressões ao exercício das faculdades do direito de propriedade visando o interesse público. Dessa forma, são institutos de natureza diversa, mas que se aproximam para o intuito do trabalho porque a propriedade urbana imóvel, deve cumprir sua função social, independentemente de recair sobre a mesma algum tipo de intervenção administrativa do Estado.

À luz do tema da intervenção do Estado na propriedade e dos meios constitucionais de defesa do patrimônio cultural verificou-se que o tombamento possui natureza jurídica controvertida, que quanto à competência para legislar referida faculdade foi conferida a todos os entes da federação, em maior ou menor grau.

No que concerne ao estudo do caso da demolição da Chácara Flora, à luz do Decreto- Lei nº25/37 e da jurisprudência sobre o tema observou-se que o tombamento provisório possui os mesmos efeitos do tombamento definitivo, salvo a inscrição no Livro de Tombo e o exercício do direito de preferência do Poder Público.

A legislação municipal, (Lei Orgânica do Município de Fortaleza e Lei nº 9347 de 11 de março de 2008) que dispõe sobre o processamento do tombamento dos bens no âmbito desse ente federativo, detém inúmeras semelhanças com o Decreto-Lei nº25/37 que trata do tema, consoante o disposto no art. 30, inciso IX da CFRB/88 que ensina que a legislação municipal que cuidar do tombamento de interesse local deve observar as regras federais e estaduais sobre o tema.

A análise centralizada na Chácara Flora ainda possui muitos pontos controversos e inconclusivos. No que concerne ao pedido de tombamento realizado pelo Prof. Romeu Duarte (UFC) verifica-se que essa possibilidade encontra sustento no art. 5º, §1º, incisos I e IV da Lei nº 9347 de 11 de março de 2008, tendo em vista que o mesmo é membro do COMPHIC.

Em seguida, houve a notificação ao proprietário, no dia 27/07/11, como atesta os autos do processo administrativo, e de acordo com o art. 13 da mesma lei. Quanto à comunicação entre os órgãos através de ofícios requerendo o embargo da obra para evitar destruição do patrimônio cultural, observou-se que o mesmo existe em cumprimento aos arts. 17 e 18.

Apesar do trâmite administrativo até então regular, o fato é que constam nos autos do processo autorização para demolição expedida pela Secretaria Regional IV para que a Construtora e Imobiliária Douglas procedesse à demolição.

Referido impasse está sendo investigado pelo Ministério Público Estadual. Foi aberta uma sindicância para apurar os fatos que ensejaram a demolição da Chácara Flora.

A Construtora Douglas, proprietária do imóvel, foi autuada pela SEMAM a pagar multa de R$ 844.200,00 (oitocentos e quarenta e quatro mil e duzentos reais) pela demolição do prédio, nos termos da Lei de Crimes Ambientas, supramencionada. Segundo o Jornal On

Line G191 o cálculo da multa foi feito considerando R$ 1.800,00 pelo metro quadrado, levando em conta os 469 m² do imóvel em questão.

Dessa forma, o caso da demolição da Chácara Flora ainda possui responsabilidades a serem apuradas, desse modo, como ainda ocorrerão definições jurídicas para o caso, qualquer conclusão sobre a legalidade ou não do processo e da demolição em si podem ser precipitadas.

O cenário de devastação de um bem cultural, no entanto, nos remete à reflexão sobre as dificuldades de implementação do aparato técnico-jurídico que se presta à preservação dos bens culturais.

Apesar da consistente estrutura das leis e das sanções previstas, dificilmente a Chácara Flora e os demais bens culturais destruídos desse país podem vir a ser restaurados e obter as mesmas características de outrora. É reconhecida, portanto, a intrínseca dificuldade de reconstituição do bem, nos moldes primitivos, tendo em vista a dificuldade de restauração.

A mutilação de um bem cultural torna-se, portanto, algo irreversível na maior parte das vezes, levantando-se muitos questionamentos sobre a eficácia das leis que visam proteger o patrimônio cultural.

O endurecimento das sanções relativas à destruição, mutilação, demolição de bens tombados pode ser (ou não) uma saída para dificultar ações destrutivas dos bens culturais. Cuida-se de remédio de natureza repressiva, que tem sua importância, mas que não resolve o problema pela raiz.

A dificuldade de implementação dos direitos culturais reside principalmente na ausência de conscientização das pessoas sobre a importância da proteção dos bens culturais. Além disso, percebe-se que há um afastamento do sentimento de pertença, relativo à identidade dos indivíduos com o processo histórico de formação da sociedade e de seus antepassados.

A educação patrimonial é reconhecida como método pedagógico preventivo de gerar a conscientização e a sensibilização da sociedade, especialmente, jovens e crianças, para que essas se identifiquem com os produtos da evolução da história (obras, prédios históricos, saberes regionais, música e as mais diversas manifestações culturais) como parte integrante de sua identidade como cidadão.

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ANEXOS

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