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O fenômeno do abuso sexual expõe as crianças que sofrem tal violação dos direitos humanos a uma situação complexa e causadora de enorme dor e sofrimento. Pela gravidade do tema, o abuso sexual intrafamiliar é reconhecido como uma questão de saúde pública, visto que produz grande efeito nocivo sobre o bem estar psíquico, físico, social, além de colocar obstáculos para uma sociedade mais justa, igualitária e solidária. Muito se escreve sobre a multifatorialidade do abuso, mas há menos atenção despendida sobre as interações da criança no local onde esta se constitui como sujeito, a sua família.

Desse modo, estudar o abuso sexual intrafamiliar, visando uma compreensão que possibilite auxiliar na prevenção do crescimento desmedido de tal fenômeno parece ser de extrema valia. Partindo do objetivo de se chegar à prevenção efetiva dessa situação, é indispensável pesquisar os fatores psíquicos que influenciam ou caracterizam estes sujeitos. Para tanto, fundamental se mostra estudar a mãe, pois ela é a partícipe da relação que constituirá a criança. Fazendo-se necessária, deste modo, uma visão ampla sobre o contexto de desenvolvimento dessas crianças.

Ao possuir como objetivo de investigação a compreensão e a identificação da qualidade da autopercepção, das relações interpessoais e da representação de objeto nas crianças vítimas de abuso sexual intrafamiliar, assim como, nas suas respectivas mães, esta Dissertação pode contribuir para futuras ações de prevenção e tratamento de situações de abuso sexual intrafamiliar contra o menor. Uma vez que a violência sempre se apresenta como um fenômeno complexo, comumente envolvendo de forma ativa ou passiva todos os integrantes do núcleo familiar, não se restringindo apenas ao indivíduo (Gelles, 1997; Reichenheim, Dias & Moraes, 2006).

O ponto de partida teórico desta Dissertação de Mestrado foi analisar as representações de objeto e as relações interpessoais dos indivíduos por meio do diálogo entre diferentes aportes teóricos: como a dinâmica do apego, o desenvolvimento cognitivo e a abordagem das relações objetais. Para tanto, a intenção foi discutir a relevância e a importância do papel das relações interpessoais e das relações de objeto no desenvolvimento do indivíduo.

O estudo empírico, que responde ao projeto de Dissertação, se propôs a investigar os aspectos sobre autoestima, relacionamento interpessoal e representação de objeto das crianças vítimas de abuso e de suas mães, bem como de crianças não vítimas e de suas progenitoras. Porquanto o processo de constituição da identidade do individuo torna-se

mais natural quando houve a oportunidade de formar as identificações com as pessoas reais e verdadeiras de sua vida, sobre as quais puderam ser adequadamente usadas como modelo (Erikson, 1963; Weiner, 2000).

Desta forma, pode-se perceber que as crianças e as mães dos grupos G1(crianças vitimas de abuso sexual e sua mães) e G2 (crianças não vítimas e suas mães) apresentam autopercepção distorcida, baixa autoestima e noção distorcida de identidade. Presentes em maior frequência nas crianças e mães do grupo (G1) em comparação com as crianças e mães do grupo (G2). A qualidade da percepção de si próprio constitui um dos determinantes fundamentais para o bem-estar psicológico, assim como para o funcionamento social (Exner & Sendín, 1999; Sopezki & Vaz, 2008). Consoante observado em ambos os grupos os resultados mostraram-se negativos, surgindo à hipótese de que, além do agravante da violência sexual do grupo G1, ambos os grupos possuem baixo nível sócio-econômico, com seus consequentes prejuízos causados pela fragilização social (Pedersen & Grossi, 2011).

No que diz respeito à Relação Interpessoal, as crianças vítimas de abuso sexual (G1) apresentam um Relacionamento Interpessoal prejudicado quando comparadas às crianças do grupo G2, mostrando um agravado prejuízo nas interações com o próximo. Ao passo que as mães dos grupos G1 e G2 apresentam um Relacionamento Interpessoal Adequado.

As crianças do grupo G1 apresentam uma Representação de Objeto prejudicada e de má qualidade, resultado proveniente da vivência do abuso sexual. As crianças e as mães do grupo G2 apresentaram representação objetal adequada e de boa qualidade, também condizentes com suas vivências.

Cumpre registrar interessante ponto observado nesta pesquisa, a diferença entre as mães do grupo G1 que sofreram em algum momento da vida violência sexual e aquelas que não vivenciaram tal experiência. As mães vítimas apresentaram uma Representação de Objeto prejudicada e de má qualidade, enquanto as mães não vítimas apresentaram uma Representação de Objeto adequada e de boa qualidade. Assim, percebe-se que as marcas produzidas pela violência sexual no indivíduo podem tornar-se legados carregados por toda uma vida.

Desta forma, pode-se perceber que a violência intrafamiliar não se apresenta somente como um fenômeno intrínseco ao núcleo familiar. O legado da violência é constituído e transmitido por gerações, de modo que o indivíduo vitimado pela violência pode reproduzir tais padrões interacionais em seus relacionamentos (Seixas, 2006). Não menos

importante mencionar que a prevalência da repetição transgeracional se mostra notória. Todavia, não significa ser fator decisivo e único para a ocorrência do abuso.

Esta pesquisa mostra a importância de analisar os fatores transgeracionais no histórico das mães das crianças vítimas de abuso sexual. Asseverando aos profissionais das mais diversas áreas que abordam este tema, a necessidade do adequado preparo para identificação destas vivências traumáticas anteriores. A pesquisa se limitou à criança e a sua mãe, não investigando o cuidador paterno (não abusador). Para futuros estudos, mostra-se importante averiguar a força da transmissão e da relação interpessoais nesta díade paterno-filial.

Para findar esta conclusão, retoma-se a frase do parágrafo solitário posto nas primeiras páginas desta Dissertação: “devemos dirigir nossa atenção para as raízes da violência. Somente assim, transformaremos o legado do século passado de um fardo opressor em um aviso de alerta”. Esta fala de Nelson Mandela (OMS, 2003, p.9) representa mais do que palavras. Acredita-se que seja um caminho verdadeiro para a diminuição e, quiçá, extinção desta (e de outras) formas de violência. As palavras deste líder certamente carregam o peso da sua história, da sua luta pelos direitos dos menos favorecidos, da diminuição do preconceito e da justiça mais igualitária.

Referências

Reichenheim, M., Dias, A. & Moraes, C. (2006). Co-ocorrência de violência física conjugal e contra filhos em serviços de saúde. Revista de Saúde Pública, 40, (4), 595- 603.

Erikson, E.H. (1963). Childhood and Society. New York: Norton.

Exner, J. & Sendín, C. (1999). Manual de Interpretação do Rorschach para o Sistema Compreensivo. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Gelles, R. J. (1997). Intimate violence in families. London: Sage.

Krug, E. G.; Dahlberg, L. L.; Mercy, J. A.; Zwi, A. B. & Lozano, R. (2003). Informe mundial sobre la violencia y la salud. Washington, D.C., Organización Panamericana de la Salud, Oficina Regional para las Américas de la Organización Mundial de la Salud. Pedersen, J. R. & Grossi, P. K. (2011). O abuso sexual intrafamiliar e a violência

estrutural. In: M. R. Azambuja; M. H. Ferreira & Cols. Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes.(pp 25-34) Porto Alegre: Artmed.

Sopezki D. & Vaz, C. (2008). O Impacto da Relação Mãe-Filha no Desenvolvimento da Autoestima e nos Transtornos Alimentares. Interação em Psicologia, 12, (2), 267-275

Seixas, M.R (2006). Programa de ação e prevenção da violência e promoção da paz. São Paulo: Associação Paulista de Terapia Familiar - APTF. Weiner, I. B. (2000). Princípios da interpretação do Rorschach. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Weiner, I. B. (2000). Princípios da interpretação do Rorschach. São Paulo: Casa do Psicólogo.

ANEXO A

ANEXO B

ANEXO C

ANEXO D

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