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Monalisa amava Tufão que amava Carminha que amava Max que não amava Ivana que acabou amando Silas. Silas era pai de Darkson que amava Tessália que amava Leleco que amava Muricy que namorou Adauto que terminou amando Olenka. Na zona sul, também batia um coração. Muitos. Cadinho amava Verônica, Noêmia e Alexia que amavam Cadinho de volta. Iran amava Débora que amava Jorginho que amava Nina que amava se vingar de Carminha. Tufão foi campeão brasileiro de futebol pelo rubro-negro carioca. Monalisa enricou com a sua fórmula secreta de alisamento. Nina foi pra Argentina para depois voltar e se vingar. Max morreu, mas não foi de desastre. Carminha ficou pra tia e voltou a morar no Lixão da novela junto com Lucinda que, até agora, não tinha entrado na história41.

E assim, com esse emaranhado de vidas que se entrecruzaram do início ao fim da trama, na qual os sentimentos mais primitivos – amor e ódio (vingança) – deram rumo aos acontecimentos da telenovela, que Avenida Brasilganhou o seu “lugar ao sol”. Mas, as análises

feitas nos mostraram que não foi apenas isso que causou o sucesso da trama. As tendências de mercado nos mostraram que não se pode mais tentar seguir um padrão de produção tradicional e tratar o crescimento econômico da classe C com um “Vem cá, te conheço?”, mas, sim com um Viva o subúrbio. É lá que tá o futuro”.

Diante disso, os alto-falantes do Divino de Avenida Brasil não se limitam apenas às promoções e anunciam uma nova estética criada a partir de uma apropriação da cultura popular para representá-la, proporcionando uma natureza plural que se utiliza das diversas transformações sociais para a construção e disseminação de valores que criam possibilidades infinitas de projeção-identificação. É a participação na multiplicidade do real e do imaginário que transforma as classes que antes eram consideradas subalternas em protagonistas da sua própria história. A classe C deixou o lugar periférico e está no centro das atenções.

A ascensão dessa classe fez com que grandes empresas se voltassem para atender um novo público que aos poucos ganhava voz e vez. Em virtude da presença constante de aparelhos televisivos no universo popular, as emissoras de TV foram uma das primeiras

empresas a tentarem se adaptar a essa nova de se “fazer televisão”. Esse protagonismo social

da parcela emergente da nação pode ser verificado nas mais diversas instâncias da TV, mas foi com a telenovela que o assunto ganhou maior repercussão. O papel social dessa ficção serializada permitiu que o assunto ganhasse mais ênfase, ampliando cada vez mais as discursões e indagações sobre esse atual momento econômico-social. Isso se deve ao fato do gênero

melodramático televisionado possuir uma penetração intensa na sociedade brasileira devido a uma capacidade peculiar de alimentar um repertório comum por meio do qual, pessoas de classes sociais, gerações, sexo, raça e regiões diferentes se posicionam e se reconhecem umas às outras. Longe de promover interpretações consensuais, mas, antes, produzir lutas pela interpretação de sentido, esse repertório compartilhado está na base das representações de uma comunidade nacional imaginada que a TV capta, expressa e constantemente atualiza.

Em meio à produção e disseminação de bens simbólicos, as telenovelas constituem- se em veículo privilegiado do imaginário nacional, capaz de propiciar a expressão de dramas privados em termos públicos e dramas públicos em termos privados. Ao fazê-lo, ela torna disponíveis repertórios anteriormente da alçada privilegiada de certas instituições socializadoras tradicionais, como a escola, a família, a igreja, o partido político, a agência estatal. A televisão dissemina a propaganda e orienta o consumo, que inspira a formação de identidades. Nesse sentido, a televisão, e a telenovela em particular, são emblemáticas do surgimento de um novo espaço público, no qual o controle da formação e dos repertórios disponíveis mudou de mãos, deixando de ser monopólio dos intelectuais, políticos e governantes, ou seja, dos titulares dos postos de comando da sociedade. Através do advento da televisão, podemos perceber que a introdução de novos meios de comunicação amplia o escopo das trocas culturais, criando verdadeiros espaços comunicativos.

Com isso, a novela se tornou um veículo que capta e expressa a opinião pública sobre padrões legítimos e ilegítimos de comportamento privado e público, produzindo uma espécie de fórum de debates sobre o país. São inúmeros os aspectos pelos quais se manifesta a construção dessa obra aberta. Dando-se a partir da escolha do tema da narrativa em forma de sinopse, revelando uma maior ou menor sensibilidade e afinidade com as demandas embrionárias ou explícitas no público. Este é o primeiro aspecto a ser avaliado em termos de

possibilidade de a novela “pegar” em forma de audiência e fazendo funcionar a uma das mais

antigas leis de mercado, a da oferta e da procura.

A novela tornou-se, assim, uma forma de narrativa sobre a nação e um modo de participar dessa nação imaginada. Os telespectadores se sentem participantes das novelas e mobilizam informações que circulam em torno deles no seu cotidiano. A força e a repercussão desse gênero mobilizam cotidianamente uma verdadeira rede de comunicação, através da qual se dá a circulação dos sentidos e provocam discussões acerca de assuntos que possam estar em pauta no cenário nacional ou internacional.

Esse mundo imaginário com a peculiar característica de escape do mundo real, e até de anestesia para os problemas enfrentados, representa um universo sincrético de diversas

culturas fortemente inseridas no seio social e que acentuam a disseminação de valores híbridos, que tem como um de seus principais objetivos trabalharem a favor da cultura do consumo, envolvendo, principalmente, o lazer dos indivíduos através da relação projeção-identificação, que se fez tão presente na obra de João Emanuel.

Avenida Brasil representou um dos principais momentos em que a maioria da população se viu pela primeira vez em papel de destaque e em pleno horário nobre da televisão brasileira. Identificação e familiaridade foram as palavras que mais caracterizavam a trama na

mídia, pois o público que se põe diante da tela da tevê para assistir a “Avenida Brasil” é

composto tão-somente da audiência massiva do horário nobre da TV Globo ─ gente de todo o Brasil, moradores das zonas urbanas, suburbanas, rurais; pertencentes a todas as classes sociais, e com os mais variados níveis de instrução. Tudo o que querem diante da narrativa ficcional televisiva é entretenimento, vida transformada em sensação, experiência convertida em imagem. Através do pacto ficcional e da midiatização da vida, o público vive a vida alternativa oferecida pela televisão e experimenta o subúrbio de maneiras múltiplas e dinâmicas, a partir

realidades recriadas sem referentes fundados no “corpo orgânico do homem”, posto que se

pretende real ou quase real em si. É uma fruição temporária, intensa, divertida e com prazo de validade. Basta anunciarem o novo folhetim para que os telespectadores, diante do último capítulo, desembarquem do Divino, desaprendam o charme e carimbem o passaporte para a Turquia, com escala no Complexo do Alemão. Não sem antes demonstrarem estar alertas sobre todas as artimanhas do tráfico de pessoas.