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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento Download/Open (páginas 138-141)

Durante três anos realizei esta pesquisa, que me fez seguir indícios e usar a imaginação histórica. O resultado dessa investigação culminou na reconstituição da vida de Antonio Silvino. O exercício realizado me permitiu visualizar as experiências de Silvino, o contexto histórico em que viveu, as representações que lhes foram destinadas, a sua singularidade diante do universo que foi o cangaço e a sua interferência no cotidiano das pessoas que viveram nos sertões, na Casa de Detenção do Recife e nas cidades por onde circulou.

Ao cruzar os documentos me deparei com a necessidade de fazer uso do exercício de imaginação histórica, atitude que me levou a avaliar que a fronteira entre história e ficção é muito tênue e que o universo literário possibilita ao historiador reconstituir cenários, experiências, imaginar fatos e sentimentos que as pessoas vivenciaram e que não são relatados nos documentos considerados por muitos historiadores como oficiais.

Durante todo o trabalho foi preciso sinalizar quem versava sobre Silvino, pois, percebi essas representações, por olhares variados, com traços que ora se aproximam e ora se distanciam. Os cordelistas, o alferes Theóphanes Torres, José Lins do Rego, Gregório Bezerra e os jornais do Recife constituíram locais de fala dos que detinham o poder e dos que sofriam com as diferenças sociais, e muitas vezes mesclaram essas diferenças tendo a figura de Silvino como forma de denunciar os problemas vividos pela população sertaneja.

A partir de 1905, ano da publicação do primeiro folheto sobre Silvino, escrito por Chagas Batista, vários folhetos começaram a ser editados e comercializados, e os primeiros folhetos procuraram descrever a infância, a juventude e o seu ingresso no cangaço. Usar os folhetos de cordel de Francisco das Chagas Batista e Leandro Gomes de Barros foi de fundamental importância para reconstituir o período anterior ao banditismo e para visualizar o contexto histórico, pois são parcos os dados sobre esse momento de sua vida. Manuel Baptista de Moraes foi representado por estes folheteiros como sujeito predestinado ao crime e arraigado à sua família, descendência esta, que o encaminhou para a vida criminosa. Entretanto, foi possível mostrar que a descendência e a fatalidade não foram os únicos motivos que compuseram o seu ingresso no cangaço, pois se este fosse o caso, ele teria vingado a morte dos pais e depois teria vivido de forma pacata. Silvino não foi um cangaceiro pré-político, um rebelde sem causa. Ele também adentrou no cangaço como forma de

sobreviver, de fazer valer seus interesses de justiça, de buscar o poder e como forma de combater à opressão que sofria por parte dos coronéis e políticos da época.

A análise dos jornais recifenses: Diário de Pernambuco, Jornal Pequeno, Folha do Povo, Jornal do Recife entre outros usados em menor intensidade, também me permitiram enxergar o contexto histórico em que este sujeito circulou e analisar outras representações que lhes atribuíram. Cruzando jornais com cordéis percebi as nominações dispensadas para ele: cangaceiro, prisioneiro, facínora, criminoso, político, romântico, violento, elegante, poeta, medroso, bandido, herói, trabalhador, justo, anti-moderno, mandingueiro, comunista, entre tantas outras que fizeram de Silvino um homem múltiplo.

Assim, o propósito deste trabalho foi também situar o espaço entre a apropriação, pela ficção do cordel, pela construção literária e pelos textos jornalísticos, e as representações construídas em torno de uma pessoa e de uma realidade. Além disso, a documentação da Casa de Detenção do Recife apresentou uma série de informações até então não reveladas, que contrapostas com os jornais e os cordéis me fizeram perceber as permanências e mudanças de comportamentos de Silvino na cadeia. Permitiram-me também visualizar a ressocialização e humanização de um homem que era considerado entregue a vida criminosa. Sua liberdade e seu retorno a vida social surgiu como destoante diante de tantas mudanças que a sociedade passou, seja na infra-estrutura ou nos modos de se relacionar. Apesar de viver em constantes adaptações no mundo moderno da década de 1930, Silvino se mostrou perplexo, pois várias vezes relatou aos jornais recifenses os encantos e desencantos que a cidade grande apresentava.

Não visualizei apenas o cangaceiro, o criminoso, o assecla do sertão, o prisioneiro que queria se exibir. Enxerguei Silvino como alguém humano, que apresentou sentimentos, desejos, vaidades, raivas e medos, que fez escolhas e que foi cravado de significados e representações múltiplas.

Não acredito que ele tenha sido um rebelde sem causa, um sertanejo arredio que quis vingar a morte dos pais e por nunca ter conseguido tal feito, aderiu à vida criminosa. Ao seu modo, acredito que Antonio Silvino foi um sujeito de natureza política, pois a pesquisa mostrou que ele atuava por conta própria, que acreditava nos valores ligados à honra, a família, a valentia, a justiça e a igualdade entre as pessoas. Silvino assumiu um poder simbólico, que por meio de suas relações sociais conseguiu se fazer notável e incomodou autoridades políticas e policiais.

Ao entrar na prisão, Silvino conheceu o mundo das letras e recebeu informações de outros presos e dos jornais recifenses, que o fizeram acreditar ainda mais na existência das

injustiças sociais, na falta de auxílio para a população carente e na exploração que os homens do poder político mantiveram durante todo o tempo de sua vida. Ao conhecer as idéias comunistas, este sujeito, mesmo não se denominando como tal, muitas vezes assumiu palavras e desejos que os revolucionários tinham. Não classifico Antonio Silvino como comunista, mas acredito que ele concordava com os lemas adotados pelos rebeldes, e que sua natureza política, desde os tempos do cangaço até a saída da prisão, foi enfatizada ainda mais quando conheceu tais idéias.

Silvino foi o sujeito que trilhou o caminho inverso do que se esperava de um homem da época, foi aquele que não deixou bens ou honrarias, apenas lembranças e histórias narradas por pessoas que conviveram com ele e notícias que foram estampadas cotidianamente nos jornais da cidade do Recife. Biografá-lo foi importante para perceber que Antonio Silvino foi um governador de comportamentos, de idéias, de ações e de sentimentos que afloraram conforme cada cenário, cada contexto que viveu e que acabou por findar seus dias como um homem comum, apesar de toda visibilidade que teve nos veículos de informações da primeira metade do século XX.

Depois de todo este percurso de trabalho e de relatar um pouco sobre a vida de Silvino e as representações que lhe foram dadas, tenho a certeza de que outros desejos, outras fontes, outras análises poderão ainda surgir sobre sua pessoa. Afinal, as pessoas são múltiplas, a vida é múltipla e a História é incompleta.

REFERÊNCIAS

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