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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Ao longo deste trabalho destacou-se que o romance é uma forma que acompanha a evolução da humanidade, bem como o dinamismo das relações humanas e sociais. Em breve, evidentemente, outros artistas propiciarão outras formas de comportamento e produção artística, que com certeza ultrapassarão as atuais. Assim, muito do que foi discutido aqui, seguramente, em certo momento da história dos homens, tornar-se-á obsoleto. Certamente, foi nesse sentido que Eagleton (2006, p. 19) escreveu que “nenhuma obra, e nenhuma avaliação atual dela podem ser simplesmente estendidas a novos grupos de pessoas sem que esse processo sofra modificações talvez quase imperceptíveis [...] essa é uma das razões pelas quais o ato de classificar algo como literatura é extremamente instável.”

No atual momento, o que se observa é uma profunda mudança na estrutura do romance. Ele parte de uma forma fixa, que seguia a linearidade imposta pelo período histórico, para adequar-se às novas mudanças impostas pelo novo gosto do público leitor. Assim, este trabalho se preocupou, na medida do possível, com as diversas mudanças que colocam o romance como uma forma camaleônica, posto que há uma tendência natural de se adequar ao momento histórico em que está inserido. Nas palavras de Coutinho (2001, p. 86), “o estudo do romance enquanto gênero literário apresenta dificuldades particulares, porque é um gênero que está permanentemente em evolução, principalmente em nossos dias.”

Dessa forma, o seu nascimento simbolizou não somente a chegada de mais uma forma literária, mas, acima de tudo, constituiu um legítimo legado que as novas gerações receberam. Nesse sentido, quando alguns teóricos decretam a morte dessa forma artística, Schüller (1989, p. 09) afirma que “o romance está morrendo e deve continuar a morrer. Um gênero que perdeu a possibilidade de morrer é que realmente está morto”. E prossegue: “A epopéia não pode morrer porque já há muitos séculos a morte silenciou a voz que lhe animava o ritmo. Morta, a epopéia se eternizou. Alimentando-se de suas muitas mortes, é que o romance se mantém vivo” (SCHÜLLER, 1989, p. 09). Certamente os teóricos que não têm essa concepção não estão devidamente em sintonia com as vastas obras que surgem a cada período. Claro que o romance que hoje temos em mãos não é, nem poderia ser, como aqueles produzidos durante o romantismo ou em outras épocas, pois os tempos contribuíram para que novas manifestações artísticas evoluíssem de maneira sistemática.

O romance é a legítima representação do homem ao longo do tempo. Ele encerra, em suas páginas, não somente uma história evidente de personagens fictícios, de papel, como

também tenta representar, pela antiga técnica mimética, a vida cotidiana dos seres do tempo e espaço nos quais foi inspirado. Na verdade, o artista, por meio de seus vastos recursos, consegue filtrar o comportamento dos arquétipos que deseja aprisionar na obra e, dessa forma, surge a obra romanesca.

O Guarani e O Último dos Moicanos, obras comprometidas com a técnica da linearidade, trazem impressas os reflexos de seu tempo e mostram o índio em conflito com a chegada do colonizador, assim como as diversas mudanças de comportamento desses indivíduos. Mas essas informações são comprometidas em parte pelo modo de narrar, porque enfocam um único ponto de vista, que se materializa na figura do narrador onisciente, intruso, que somente transmitia aquilo que via. A realidade, portanto, era o que ele narrava. Todavia, mesmo assim, pode-se dizer que essas obras foram essenciais para se chegar às novas formas romanescas que conhecemos hoje e, neste sentido, vale registrar as palavras de Rosenthal (1974, p. 124): “A dissolução da estrutura tradicional indica a sua natureza fluida e indeterminável, demonstra o caráter transcendente desse gênero, que reflete com fidelidade a existência de uma época e consciência moderna.”

Ao ler-se o livro Ulisses, de James Joyce, pode-se notar que há uma complexa teia 11narrativa que leva críticos, teóricos e leitores a refletirem sobre a sua estruturação e, em decorrência, a constatarem os inúmeros aspectos que a narrativa linear ou tradicional não poderia abarcar em face do seu momento histórico. Em Ulisses, constituído por técnicas inovadoras, foi possível modificar a visão das personagens, assim como a dos leitores, diante da vida. Se, no romance tradicional, a narrativa tinha um fino propósito de focar uma sequência de início, meio e fim, agora, no romance moderno, tudo se fragmenta e a obra não obedece à sequência lógica. Na verdade, a forma romanesca moderna quebra os ponteiros do relógio, esquece as noções de cronologia enfocadas pelo calendário e lança mão do tempo fragmentário.

Assim como o universo ameaçador, caótico, em contínuo processo de transformação, constitui material poético para os escritores de nossos dias, também o meio ambiente cotidiano, trivial, atrai a sua atenção, na medida em que contribui para caracterizar o terrível abismo que se escancara diante de todos, e cujos contornos há muito se tornaram visíveis. Na passagem do século, pretendia o romance retratar situações reais com exatidão fotográficas; posteriormente, a narrativa épica assumiu a tarefa de representar fatos incomuns, de revelar estados de consciência e assim penetrar no âmago das coisas (ROSENTHAL, 1974, p. 125).

11 “The imitation of life through the medium of language has never been undertaken more literally. Ulysses ignores the customary formalities of narration and invites us to share a flux of undifferentiated experience” (LEVIN, 1971, p. 81).

Em Ulisses, Joyce não queria mostrar a superficialidade da sociedade contemporânea, e sim a interioridade de cada personagem, assim como o momento histórico em que as ações se presentificavam. Após ter vivenciado um longo período de guerras e incertezas, o homem já não era mais o mesmo de outrora. Era o momento propício de se criar uma obra que não fosse a réplica de outras do passado e que representasse a nova era, com suas múltiplas incertezas e fragilidades.

A erotização, o materialismo em massa e a incerteza dos novos tempos mostravam que já não era mais possível produzir obras com o mesmo enfoque, pois o novo romance não ficou alheio às diversas mudanças presenciadas pelo homem ao longo do tempo. Embora haja inúmeras teorias que caracterizam o romance, poucas trazem à superfície aspectos da evolução e, ao mesmo tempo, a caracterização artística romanesca em seus diversos níveis. Por isso, espera-se que este texto possa contribuir para a reflexão acadêmica no tocante ao desenvolvimento do romance.

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