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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Nesta dissertação nos objetivamos a tentar compreender os modos de apreensão das propostas da Reforma Psiquiátrica, através das práticas dos profissionais do CAPS II Cais São Bento em Angra dos Reis. Essa experiência foi muito gratificante vide a importância que este município teve para a Reforma Psiquiátrica Brasileira, sendo berço do Programa de Volta Para Casa, como explorado anteriormente neste trabalho. Mas também foi gratificante porque nos proporcionou vivenciar um espaço tão caro para um serviço como o CAPS, que são os espaços de reunião de equipe. E isso somente foi possível, porque a equipe aceitou que a pesquisa se realizasse lá, que a pesquisadora entrasse nesse espaço de certa forma íntimo, e isso é muito, sabemos disso, é muito, pois permitir que alguém entre para observar o trabalho que se faz em uma instituição é corajoso, é também estar aberto ao olhar estrangeiro.

Reconhecemos que no serviço pesquisado ficou claro a valorização de alguns dos princípios da RP, sobretudo aqueles relacionados à reabilitação/reinserção social. No entanto, não vimos a equipe sequer analisar esses princípios dos quais expressa pactuar. Não analisar e não pensar sobre as práticas desenvolvidas em um serviço de saúde mental podem se configurar como elementos que contribuam para a cronificação dessas práticas e consequentemente do serviço como um todo.

A possibilidade de cronificação apareceu também quando a equipe parece negar as tradições históricas em diferentes dimensões, deixando, por exemplo, de se referir à história da Saúde Mental e aos problemas que a RP vem buscando superar, incluindo as dificuldades

63 do próprio serviço. Neste sentido, apesar da equipe se manifestar contra as internações em hospitais psiquiátricos, por exemplo, não foi possível perceber ela se questionamento sobre a história das internações com suas várias facetas de violência, com seu descuido e todas as formas de atrocidades que existe(iram) nelas.

Outra forma de produzir cronificação é a insuficiência de reflexões sobre as práticas que acontecem dentro do CAPS (mesmo aquelas que já foram nomeadas como boas e ruins). Assim, apesar da equipe ter sido capaz de considerar que algumas práticas são boas e outras não, tomando como parâmetro a RP, e demonstrando olhar crítico ao processo, no entanto, parece não se preocupar em refletir e se perguntar sobre os “porquês” dessas práticas, ou ainda, que sentido elas estão tendo nas vidas dos usuários atendidos e na dinâmica do serviço. Isso nos leva a pensar que apesar do olhar crítico ao panorama manicomial, a equipe está tendo dificuldade em analisar de forma crítica suas próprias práticas.

Outra dimensão que podemos trazer aqui acerca da negação da história, é o fato de apesar da equipe estar reunida semanalmente, preservar um mínimo de espaço de coletividade, estar atenta para manter certa qualidade no trabalho que executam, não está se perguntando "quem é". Para saber quem somos se faz necessário elaborar como foi nosso processo de constituição, reconhecer os diferentes fatores que nos influenciaram a estar do modo como estamos hoje, além da necessidade de conhecer e se questionar sobre o passado, mesmo que não tenhamos feito parte dele. As observações de campo nos mostraram a realidade de uma equipe que talvez nunca tenha se perguntado sobre sua própria história, sobre que solo aquele serviço foi construído. Ao negar sua própria história, a equipe corre o risco de negar também a história dos próprios usuários, prejudicando a inclusão desta nos projetos terapêuticos.

Reconhecemos aqui que para fazer esse trabalho de elaboração e retorno à história, seja ela de um serviço, da vida de um usuário ou da vida do próprio trabalhador se faz necessário que haja espaço adequando para que isso possa acontecer. A nosso ver a supervisão clínico institucional se configura como um dos dispositivo possibilitador de retorno à história, assim como espaço possível para que as práticas sejam elaboradas, pensadas, transformadas. As supervisões clínicos institucionais são espaços importantíssimos para que as práticas não se enrijeçam a ponto de se cronificarem e não haver mais possibilidade para o novo, para reconhecer os erros, comemorar os acertos ou ainda para se questionar determinadas condutas. Entretanto esse dispositivo era até o momento da pesquisa inexistente no CAPS e também pouco solicitado pela equipe.

Outra questão que sustentamos ser importante haver dentro do CAPS é a existência de mecanismos que liguem o passado e o presente, seja do serviço ou da vida dos usuários. A existência desses mecanismos tornaria possível a realização de uma clínica que compreende o usuário como fruto de relações sociais e históricas.

Por fim defendemos uma retomada da dimensão clínica nas práticas dentro do CAPS,consideramos que talvez ela precise ser (re) apreendida pela equipe, pois não tem sido uma prioridade dentro das diversas práticas desta, encontrando-se, podemos afirmar, desvitalizada. Essa dimensão da clínica se faz necessária para a elaboração do projeto terapêutico dos usuários, assim como para a construção de um projeto para o serviço. Lembramos que a clínica da qual nos referimos aqui busca “muito mais do que a simples diminuição do sofrimento individual. A clínica que temos em mente visa a transformação das condições de possibilidade que sustentam a experiência subjetiva, quer no plano individual quer no coletivo” (BEZERRA JR., 2007 p.30). Isso quer dizer que as transformações também precisam ser dar no mundo, o que para mim expressa a dimensão mais encantadora dessa clínica ampliada: sujeito e entorno se constroem mutuamente, deste modo, as transformações também precisam ser concomitantes.

64 Quando estamos falando de quem cuida, o profissional, e de quem é cuidado, o usuário, estamos falando de sujeitos, que devem ser considerados a partir "de um campo intencional, um campo de ação no qual o indivíduo se projeta no mundo, um campo experiencial complexo para o qual concorrem igualmente fantasias idiossincráticas, pre-disposições biológicas e prescrições culturais" (BEZERRA JR., 2007 p.30). Nosso trabalho mostrou que os princípios da reforma apreendidos/incorporados pelos profissionais, precisam ser integrados à sua história e às possibilidades concretas do CAPS, assim como aos determinantes históricos e culturais da cidade de Angra dos Reis e da tradição da saúde mental lá construída.

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