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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento Download/Open (páginas 94-98)

Esta pesquisa procurou investigar e analisar a ocorrência das variantes candidatas à representação do objeto direto anafórico de terceira pessoa (clítico acusativo, SN anafórico, objeto nulo e pronome lexical) em textos de alunos do 9º ano do EF, por meio de gêneros textuais diversos distribuídos ao longo do contínuo oralidade-letramento (cf. BORTONI-RICARDO, 2004). Tal intento foi alcançado a partir de uma sequência didática que conduziu os estudantes a uma reflexão quanto ao uso dessas variantes, seja em textos com maior grau de letramento como as reportagens, seja em textos mais próximos da oralidade como as HQs, passando pelas crônicas.

Em relação ao primeiro objetivo formulado para esta pesquisa, a presença da tradição gramatical para a representação do objeto direto anafórico de terceira pessoa nos textos dos alunos, verificamos que o levantamento dos dados na atividade de diagnose (etapa 2) revelou que o clítico acusativo estava pouco presente na escrita dos estudantes de 9º ano do EF, ratificando as pesquisas de Duarte (1989), Cyrino (1993), Averbug (2000) e Freire (2000) que apontam, em geral, o clítico acusativo de 3ª pessoa como a forma menos usada para representar o objeto direto no PB. Para os autores, a manutenção dos clíticos acusativos de 3ª pessoa, no PB atual, deve-se à ação normativa da escola, ou seja, o uso da variante de prestígio está diretamente ligado ao processo de escolarização. Ainda nessa atividade inicial, comprovamos uma preferência acentuada pelas outras variantes, principalmente pelo pronome lexical e pelo SN anafórico, que, assim, passam a ocupar a posição de objeto direto no PB espontâneo.

No caso do pronome lexical, vale ressaltar quão criticado e marginalizado é pelas gramáticas tradicionais e pelos compêndios escolares. Isso porque a escola, em geral, nada mais faz do que reproduzir as prescrições tradicionais, sem mostrar que há, no PB, contextos para a ocorrência de todas as variantes, conforme menciona o estudo de Averbug (2000):

O sistema escolar, preso à prescrição gramatical, continua a lhe impor uma presumível norma culta, desconhecendo as outras variantes, o que provoca um enorme impasse: o dialeto que o aluno traz (e até, por que não, aquele que o professor essencialmente usa?) se encontra distante da variedade pretendida e prestigiada. O que fazer então?

Assim, os resultados colhidos na diagnose revelaram os problemas do ensino praticado nas escolas, visto que o senso comum leva a esperar que alunos concluintes do Fundamental 2 manifestem uma presença maior da tradição gramatical nos textos, o que não se deu em relação ao acusativo anafórico de 3ª pessoa. No caso da turma na qual aplicamos a sequência didática, o quadro da distribuição das variantes só começou a mudar a partir do trabalho com o fenômeno da variação linguística de modo direcionado, por meio do contínuo de oralidade-letramento. Isso certamente aponta para o segundo objetivo deste trabalho, que foi verificar até que ponto a escolarização exerce efeito sobre a escrita do aluno, o que mostra certa relativização em relação a esse processo: se for a mera escolarização (passagem pela escola) sem um trabalho mais direcionado e consciente, pouco efeito será obtido (vide os resultados da atividade de diagnose), mas, se esse trabalho acontece, temos efeitos mais significativos, conforme os resultados das atividades da etapa 7. Isso corrobora pesquisas que atestam ser a variante culta, no PB, um produto do processo de letramento, já que aparece com mais força somente na escrita de indivíduos efetivamente letrados (cf. FREIRE, 2005).

Quanto ao terceiro objetivo, que foi levar o aluno a perceber a pertinência de cada variante no contínuo, ficou evidente que os alunos aumentaram a frequência do clítico, sobretudo no polo de [+ letramento], mas não deixaram de usar as demais variantes nos gêneros em que elas cabem perfeitamente.

Vale lembrar que procuramos romper com preconceitos criados e estabelecidos por certos grupos letrados, preconceitos esses repetidos, incansavelmente, pela escola, e que somente marginalizam os usos que se distanciam daquele descrito pela tradição gramatical, mas que já estão enraizados na escrita do PB, sobretudo no ponto intermediário do contínuo de oralidade-letramento. Procuramos, pois, criar meios mais democráticos para o ensino consciente da representação do objeto direto anafórico de terceira pessoa como mecanismo de coesão textual, contemplando todas as variantes utilizadas no PB, de forma que o manejo das crônicas muito contribuiu para isso, haja vista a ocorrência maior do objeto nulo — variante largamente usada na língua oral — nesse ponto do contínuo.

Pelo exposto, destacamos que, de acordo com a proposta desta pesquisa, fomos além de um ensino pautado na prática normativo-prescritiva. Procuramos conscientizar os alunos sobre a pertinência do uso de cada uma das variantes, tão correntes na língua oral e na língua escrita do PB, procurando eliminar assim o preconceito linguístico

existente ainda hoje no ambiente escolar e reconhecendo um uso real de outras estruturas na nossa língua portuguesa.

Ao trabalharmos com gêneros que se encontram distribuídos ao longo do contínuo oralidade-letramento, percebemos que, por meio da intervenção pedagógica proposta neste trabalho, os alunos puderam continuar construindo seu processo de letramento, transitando de textos com traço de [+ oralidade] a textos com traço de [+ letramento]. No entanto, há duas coisas que ainda precisam ser refinadas: (a) o uso do pronome reto em contextos de maior letramento, já que essa variante representa um traço descontínuo nos textos desse polo redigidos por brasileiros letrados (cf. FREIRE, 2005; 2011); (b) as irregularidades no emprego do clítico acusativo. Isso mostra a necessidade de intensificar o trabalho de letramento dos estudantes, o que evidentemente não é feito somente por meio de uma única sequência didática, mas sim por uma formação continuada que engloba os anos anteriores e, sequencialmente, o Ensino Médio. Faz-se necessário, portanto, um trabalho uníssono entre todos os níveis de educação, como propõe Averbug (2000: 130):

Para sanar esses e outros problemas, reforça-se a necessidade de um maior intercâmbio entre universidades e escolas, pesquisadores, pedagogos e professores de Ensino Fundamental e Médio, num esforço conjunto para que os trabalhos já realizados sejam traduzidos e transformados em aliados para o exercício consciente e responsável dos profissionais e para uma atuação mais efetiva sobre o desempenho dos usuários da língua. Não será com exercícios mecânicos, nem com maciças (e maçantes) aulas de descrição gramatical e análise sintática que o aluno passará a dominar estratégias mais formais, distantes de sua fala. Se assim fosse, os professores já teriam obtido sucesso.

Por fim, vale ressaltar que, ao analisarmos o gráfico 1 (p. 90), percebemos uma oposição entre os extremos do contínuo para a realização do objeto direto anafórico de terceira pessoa: o pronome lexical (forma estigmatizada) é a variante de maior frequência no polo de [+ oralidade], enquanto o clítico (forma prestigiada pela tradição gramatical) passa a ser a variante majoritária no polo de [+ letramento]. Ficou evidente a evolução da variante prescrita pela tradição gramatical, à medida em que a variante estigmatizada fazia o caminho inverso, o que se deu a partir da intervenção feita através da sequência didática aplicada.

Quanto às outras variantes (SN anafórico e objeto nulo), percebemos que houve certa estabilidade no uso tanto na atividade de diagnose quanto nas produções finais, o que demonstrou que seus usos estão restritos a uma situação de esquiva, quando o

escritor necessita, por insegurança, de uma alternativa que não o leve a cometer o que é considerado ―erro‖.

Assim, cabe à escola trilhar caminhos outros que não o de classificar as manifestações linguísticas no ambiente de sala de aula como certas ou erradas, o que só gera mais preconceito. Ao contrário, a escola é o espaço onde todas as formas de expressão linguística devem ser trabalhadas e valorizadas de forma natural, como o são as línguas em todas as suas épocas.

Esperamos, portanto, que este trabalho sirva aos diversos profissionais e estudantes que se interessem por um ensino que contemple a variação linguística e que estes entendam a língua como uma unidade viva e em constante evolução. Que os profissinais ligados ao ensino de língua portuguesa possam romper o rótulo imposto por uma sociedade elitista e façam do ambiente escolar um espaço democrático e aberto a novas realizações. Se isso ocorrer, nosso maior objetivo terá sido alcançado.

No documento Download/Open (páginas 94-98)

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