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Considerações finais

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Através da análise da trajetória da Cia. de Canetas Compactor nos anos 1950 e 1960 no município de Nova Iguaçu, pudemos visualizar diferentes aspectos do processo de industrialização que ocorreu na Baixada Fluminense. Além de compreendermos a complexidade da conjuntura de transição de uma região predominantemente rural para uma cada vez mais urbana, com a expansão da presença de estabelecimentos industriais.

Em um primeiro momento neste trabalho, percebemos como a cultura de citros teve uma importância fundamental na transformação de Nova Iguaçu no século XX, principalmente se compreendermos que num primeiro momento, a dinâmica agrícola da região funcionava de acordo com o desenvolvimento da citricultura. Posteriormente, à medida que algumas propriedades seguiam abrindo mão do plantio da laranja, seja pela infertilidade do solo, ou por falta de investimentos, o espaço era transformado em loteamentos que, após serem comprados, eram utilizados como residências fixas, casas de veraneio, estabelecimentos comerciais e industriais. Além disso, a citricultura também contribuiu indiretamente para o desenvolvimento industrial da região pois, as políticas públicas promovidas com o objetivo de recuperar e desenvolver a agricultura acabaram colaborando com a expansão de estabelecimentos industriais na Baixada Fluminense, como as obras de saneamento realizadas nas décadas de 1930 e 1940, e a construção da Rodovia Presidente Dutra, proporcionada pelo Fundo Rodoviário Nacional.

Ademais, ao analisarmos o contexto de expansão industrial, percebemos que a citricultura conviveu de forma simultânea com as indústrias iguaçuanas durante um determinado período, e que, apesar do aumento da ocupação urbana de Nova Iguaçu, em meados do século XX a região ainda era predominantemente rural. Essa percepção contraria a visão cíclica presente em alguns estudos sobre a Baixada Fluminense, que acreditam em um processo de industrialização caracterizado por etapas mais lineares, no qual a laranja deu lugar à indústria, desconsiderando as forças políticas que estavam atuando nesse processo, ora a favor da agricultura, ora apoiando a expansão industrial.

Nessa ocasião do desenvolvimento industrial em Nova Iguaçu, pudemos perceber como o aumento populacional promovido pelas migrações em massa contribuiu ainda mais com a alcunha de cidade-dormitório, que o município carregava há tempos. A consolidação da Baixada Fluminense como uma área contígua à cidade do Rio de Janeiro tornava possível para a população se dirigir à metrópole vizinha em busca de ocupações com melhores salários, movimento retratado pelo número de operários moradores de Nova Iguaçu que trabalhavam fora do município. Entretanto, percebemos que, embora o número de trabalhadores iguaçuanos fosse consideravelmente menor que o de iguaçuanos que trabalhavam fora, a classe trabalhadora local já estava em processo avançado de organização em meados do século XX. Constatamos que a organização também já estava presente no ambiente rural, uma vez que os conflitos de terra, recorrentes em Nova Iguaçu, levaram os camponeses a se organizarem entre si para que seus interesses fossem defendidos. No momento seguinte, com o início da expansão industrial, os metalúrgicos se destacaram e se consolidaram como um grupo extremamente atuante no movimento operário fluminense.

Também nos propomos a analisar, através de uma perspectiva transnacional, a trajetória dos fundadores alemães da Cia. de Canetas Compactor. Concluímos que no caso de Reynaldo Bluhm, seu próspero negócio no ramo das editoras e livrarias proporcionou a

87 possibilidade de investimento em um empreedimento de outra característica, como as canetas-tinteiro. O consumo desse item havia aumentado de forma significativa e por isso, o objetivo de Bluhm era ser pioneiro na produção, visto que a maioria dos estabelecimentos especializados já vendia canetas-tinteiro importadas. Por outro lado, temos os irmãos Paul e Erich Buschle, industriais prejudicados pela guerra e que almejavam prosperar no ramo das canetas. Acreditamos que diversos fatores foram determinantes para a criação da Cia. de Canetas Compactor. O primeiro deles foi o processo de migração internacional que ocorreu no pós-guerra. O segundo foi o objetivo de construir uma grande fábrica de canetas. A eles se somou o fato dos Buschle terem encontrado um empresário teuto-brasileiro, já estabelecido no Brasil, com capital disponível para investir. Por fim, há que considerar as facilidades proporcionadas pelo governo brasileiro no contexto de incentivo à industrialização.

Os Buschle já possuíam uma experiência fabril anterior e, portanto, logo após o início da produção lançaram mão de políticas assistencialistas, com o objetivo de pôr em prática um projeto paternalista. A ideia de um grupo homogêneo sem conflitos, a “Família Compactor”, foi criada pelos próprios patrões alemães e fortemente disseminada entre os operários, em matérias de jornais e pelas ruas do bairro Jardim Iguaçu. No início de nossa pesquisa, ainda no momento da graduação em História, acreditávamos que a principal característica da “família Compactor” era a experiência de uma relação pacífica entre o patrão e os operários, consolidada através de uma política de benefícios sociais, como assistência médica, escola, moradia, associação atlética, entre outros. Iniciamos a pesquisa de forma mais profunda e rapidamente passamos a problematizar essa visão da “família Compactor” como um organismo passivo e homegêno.

No início desta pesquisa traçamos como objetivo analisar intrinsecamente a “família Compactor”, trabalhando com a hipótese de que, uma vez que não acreditamos na homogeneidade dessa família, a ausência de uma greve significativa não representava uma passividade dos empregados, e sim uma possibilidade de negociação de acordo com os interesses pessoais. Ao conversarmos com os trabalhadores, pudemos confirmar nossa hipótese, além de compreender que a “família Compactor” não funcionava da mesma forma para todos os empregados da fábrica. Também percebemos que os trabalhadores não entendiam a política de benefícios, estratégia de dominação por parte do patrão, como presentes ou favores. Eles reconheciam que nem todos os benefícios estavam disponíveis para todos, porém, acreditavam que esses benefícios deveriam ser proporcionados de forma irrestrita e que todo empregador deveria ter a obrigação de prover tal assistência aos seus funcionários.

O projeto paternalista idealizado pelos Buschle era ambicioso, e eles acreditavam que através da ideia de família, na qual o patrão representava o pai, seria possível controlar os empregados dentro de uma redoma de passividade. No entanto, basta olhar de forma microscópica para a “família Compactor” para enxergar suas contradições, e os motivos pelos quais o paternalismo apresenta fissuras, nas quais os trabalhadores inserem sua agência.

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