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A ECONOMIA ESCRAVISTA NUMA BOCA DO SERTÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo procurou, dentro dos estreitos limites estabelecidos pelas fontes, fazer uma radiografia da escravidão em Lençóes, contemplando esta área de povoamento mais recente, e situá-lo no quadro mais amplo daqueles que refletiram sobre este tema no Brasil. Depois de analisados alguns índices relativos à escravidão em Lençóes, o retrato que deles podemos vislumbrar tem muitas cenas comuns a outras localidades do Brasil, mas também outras cuja especificidade nos obriga a reconhecer as diferenças temporais e espaciais da forma de utilização da mão-de-obra cativa ao longo da história do Brasil.

A boca do sertão era um pequeno núcleo populacional, tendo em volta inúmeras fazendas e roçados, produzindo culturas para subsistência e comércio local, além da atividade criatória da qual sobressaía o gado bovino e suíno. Este era o panorama econômico de Lençóes na segunda metade do século XIX. Um ou dois escravos cultivando a terra, tendo a seu lado o próprio senhor foi uma imagem comum nestes primeiros tempos de povoamento. Batizados e casamentos de escravos constituíam momentos de encontro entre livres e negros escravos, acontecimentos que extrapolavam os limites da fazenda e punham em contato escravos de diferentes senhores. A julgar pelos números, a população escrava, embora pequena, estava

disseminada entre a população livre e os laços de amizade puderam ser observados pela sua relativa freqüência.

A maior parte dos plantéis lençoenses eram formada por poucos escravos – de 1 a 5 cativos – e o relativo equilíbrio entre os sexos era uma característica, mesmo entre os cativos na idade considerada produtiva. O comércio de mão-de-obra cativa privilegiava os escravos produtivos, sendo que as mulheres cativas alcançaram, na década de 1860, preços semelhantes aos dos homens, situação que foi se modificando com o correr do tempo, quando os cativos passaram a ser mais valorizados que as cativas.

Alguns plantéis de Lençóes eram constituídos unicamente por famílias. Casamentos eram legitimados pela igreja e os cativos nascidos destas uniões eram, em parte, apadrinhados por homens e mulheres igualmente cativos, o que nos fez pensar em uma estratégia senhorial para incentivar a reprodução de mão-de-obra cativa. Algumas características da população escrava, como alta freqüência de crianças e de mulheres em idade fértil, aliada à alta razão criança-mulher também nos autoriza a falar em reprodução natural da população escrava.

As alforrias concedidas eram, em sua maior parte, onerosas e, dentre estas, a maior ocorrência era a de pagamentos em serviços. Os escravos alforriados eram, freqüentemente, homens e mulheres em idade produtiva.

A análise dos óbitos de escravos e livres indica que as causas eram basicamente as mesmas para ambas as populações, o que sugere uma “democratização” da morte.

Assim como tem sido afirmado em outros estudos recentes para diversas localidades, os escravos de Lençóes tinham regras sociais próprias, não se constituindo em seres anômicos, como a historiografia clássica afirmara nos anos 60, o que pôde ser

constatado através de registros de batismos e casamentos. Não é mais possível negar seu cotidiano, suas estratégias específicas de sobrevivência, seus sentimentos inerentes à própria condição, as normas que buscavam construir com o objetivo de constituir suas próprias famílias. Caracterizamos a mão-de-obra cativa em Lençóes e mostramos aspectos que refletem este outro lado da escravidão, um lado tão rico de significados e que apenas há pouco tempo passou a ser objeto de maiores estudos por parte dos historiadores.

O curto espaço de tempo entre o povoamento da região de Lençóes – meados do século XIX – e a abolição da escravidão, e a própria situação de marginalidade no que se refere ao comércio de longa distância, não propiciaram as condições para formação de grandes plantéis, como se verificou em áreas de povoamento mais antigo, cuja dinâmica comportou fases de crescimento, estabilidade e decadência de atividades econômicas, nas quais a experiência escrava pôde ser vivenciada em diversas condições. Lençóes, pelo contrário, quando conheceu o auge de sua prosperidade econômica tinha na escravidão apenas uma tênue lembrança de um passado que o tempo, implacável, se encarregava de apagar, mesmo que lentamente, enferrujando as correntes ou envelhecendo as senzalas. E, a despeito da ação do tempo, hoje a escravidão persiste, adormecida nos livros de notas amarelados pelo passar dos anos e cobertos pelo pó do esquecimento. Este tema desperta de seu esquecimento de tempos em tempos, pelas mãos do historiador, para mostrar que a escravidão não foi única, não teve um formato monolítico, durante os quase quatro séculos de sua existência na sociedade brasileira.

FONTES

Fontes primárias

Cartório do 1º Ofício da Comarca de Agudos. Inventários post-mortem, 1860-1887 Cartório de Notas Primeiro, Lençóis Paulista. Livros de Notas Antigas, 1860-1863 ______. Livros de Notas Antigas, 1863-1865

______. Livros de Notas Antigas, 1865-1866 ______. Livros de Notas Antigas, 1870-1871

______. Livro de Contrato de Locação de Serviços, 1880-1889 ______. Livros de Notas, 1860-1862

______. Livros de Escrituras, 1863-1869 ______. Livro [sem denominação], 1882-1884

Cartório de Notas Segundo, Lençóis Paulista. Livro de Escrituras, 1872-1886

Tabelião de Notas e 2º de Protesto, Agudos. Livro de Notas 1 a 35

Arquivo da Cúria de Botucatu. Livro de Batismos n.º 9 ______. Livro de Batismos n.º 29 ______. Livro de Batismos n.º 33 ______. Livro de Batismos n.º 80 ______. Livro de Casamentos n.º 15 ______. Livro de Casamentos n.º 43 ______. Livro de Óbitos n.º 12

______. Livro de Óbitos n.º 40

Cartório de Registro Civil e Anexos, Lençóis Paulista. Livro C01 Cartório de Registro Civil e Anexos, Lençóis Paulista. Livro A0