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Ao final desse trabalho é possível apontar algumas considerações sobre a educação feminina na Capitania de Minas Gerais, mais especificamente na Comarca do Rio das Velhas. Podemos reafirmar o que já vem sendo discutido na historiografia sobre a mulher no período colonial, quando se fala que havia uma clara intenção de preparar a mulher para o casamento e para executar as tarefas domésticas.

O pensamento letrado, jurídico, religioso e moral da época moderna considerava as mulheres seres dependentes da tutela masculina. A Igreja Católica defendia a idéia de que a ordenação patriarcal da sociedade, e mais especificamente das famílias, seria um dado relativo à ordem natural e divina. Ou seja, todos que almejassem viver de acordo com as “leis de Deus”, deveriam preservar o matrimônio como instituição sagrada. Tal pensamento foi acentuado em meio à polêmica moralista reformadora que trouxe o casamento e o papel da mulher no interior deste, para o centro do debate acerca da reforma da sociedade, no século XVI. Ressaltando a importância do casamento e da centralidade das mulheres em seu interior, o Concílio de Trento e sua posterior divulgação e implantação, consolidaram o casamento sob a sanção da Igreja como o estado preferencial para os leigos, e colocou as mulheres no centro das preocupações religiosas e morais. Essas transformações acabaram por influenciar o discurso iluminista que reforçou o papel da mulher como mãe e esposa.

As análises das publicações dos pensadores iluministas Luiz Antônio Verney e Ribeiro Sanches não deixam dúvidas com relação a isso. Ambos

tentam delinear qual seria o melhor tipo de educação que a mulher deveria receber para ocupar o seu lugar na sociedade. Alexandre de Gusmão, Luiz Carlos Barreto e Francisco José de Almeida deixam claro em seus textos que é preciso “ensinar” a mulher a ser mãe. Se biologicamente a procriação é uma tarefa delegada à mulher, o cuidado com os filhos não é algo natural. Diante dos discursos desses autores é possível afirmar que a modernidade trouxe consigo a necessidade de educar a mulher para ser uma boa mãe. É clara a tentativa dos autores, sobretudo nos século XVII e XVIII, de oferecer à mulher conhecimentos necessários para bem desempenhar o seu papel. E isso se deu principalmente com as publicações de manuais e tratados, como, por exemplo, os tratados de educação física, que ensinavam todos os cuidados que se deveria ter com a criança, desde o seu nascimento. A ênfase dada à amamentação, hoje considerada quase que um ato natural de toda mãe, teve que ser construído para então ser naturalizado.

Assim como em diversos outros lugares, no mundo luso-brasileiro, também na Comarca do Rio das Velhas verificou-se a ênfase na educação para a manutenção da “honra” e a preparação para o casamento. Não podemos negar que havia uma preocupação por parte das famílias, dos tutores e do próprio Estado, representado pelo Juiz de Órfãos, com a formação das mulheres para ocupar o papel que a sociedade do Antigo Regime delegava a elas. Apesar de ter um papel ativo na economia da Capitania de Minas Gerais, principalmente no pequeno comércio, como mostram muitos estudos, o lugar da mulher na sociedade, prioritariamente, era o de esposa e mãe.

Contudo, a pesquisa realizada demonstra que, ao receber uma educação voltada para o aprendizado dos ofícios manuais, para além da preparação para o casamento, manifestou-se também uma preocupação com a formação profissional. Ou seja, quando se priorizava o ensino desse tipo de oficio, dava-se às mulheres condições de exercer uma atividade, capaz de garantir uma renda para o próprio sustento, e em alguns casos, o sustento da própria família, sem que fosse necessário o envolvimento delas em atividades ilícitas.

Apesar de sabermos da importância da atividade comercial exercida pelas mulheres na Capitania de Minas Gerais, os estudos apontam que havia uma clara preocupação das autoridades coloniais com relação ao seu exercício. Isso se dava principalmente pelo fato de corriqueiramente, as pequenas comerciantes, se envolverem com o trafico de ouro e com a prostituição. No primeiro caso, isso representava um prejuízo para a Coroa Portuguesa, uma vez que do ouro contrabandeado não se retirava os devidos impostos. No caso da prostituição, era uma preocupação para a Coroa, pois contribuía para o aumento do número de mestiços, considerados um perigo para a manutenção da ordem na Capitania, além de ser uma preocupação constante para a Igreja Católica, que tentava combater todos os tipos de uniões consideradas ilegítimas aos seus olhos.

Dessa forma, oferecer à mulher a possibilidade de exercer uma atividade profissional, que poderia garantir o seu sustento e ao mesmo tempo mantê-las longe de atividades ilícitas, era algo de extrema importância para ajudar a conservar a ordem na Capitania. Lembrando que no caso das mulheres órfãs, isso era mais fácil, já que o tutor obrigatoriamente deveria encaminhá-las para se ocuparem em uma atividade, e isso poderia ser fiscalizado pelo Juiz de Órfãos, já que era necessário prestar contas do “estado dos órfãos” com freqüência.

É importante ressaltar que as práticas educativas voltadas para o aprendizado dos ofícios manuais não possibilitou à mulher uma independência jurídica, já que perante a lei ela era subordinada à autoridade de um homem. A intermediação dos Juizes de Órfãos e a necessidade das viúvas de ter em mãos uma autorização escrita para assumir o lugar de chefes de família demonstram isso claramente. Basta lembrar que até mesmo para se casarem as órfãs precisavam de autorização do Juiz de Órfãos, o que era feito por intermédio do tutor e não da mãe da órfã.

Mas de certa forma, as que tiveram acesso a esses saberes tiveram uma certa independência financeira, e mesmo trabalhando no ambiente doméstico, puderam estabelecer uma rede de sociabilidades através de sua atividade profissional. Por exemplo, costureiras, bordadeiras, fiandeiras ou

tecedeiras, mantinham relações com seus “clientes”, com suas aprendizes, no caso das mestras de ofício, e com as famílias de suas aprendizes. No caso de ensinarem os ofícios manuais a alguma órfã, essa rede de relações era ainda mais ampla, pois envolvia também o contato com os tutores de suas aprendizes, bem como autoridades locais. Nessas situações ainda, além de exercerem o papel de mestras de oficio, elas se envolviam também com a formação moral das órfãs, já que muitas vezes, no período do aprendizado elas habitavam o mesmo espaço, quando viviam na mesma casa.

Podemos concluir assim que, o aprendizado dos ofícios manuais, além de cumprir a função de formação para o casamento, possibilitou ainda às mulheres o exercício de uma atividade profissional lícita, o que acarretou não apenas na geração de renda, como também a ampliação de suas redes de sociabilidades, sem afastar-se muito do espaço doméstico.

É possível afirmar que, pelo menos em parte, alcançamos os objetivos iniciais da pesquisa. Sabemos qual a importância o que aprendizado dos ofícios manuais teve na vida de um razoável número de mulheres da Comarca do Rio das Velhas. E mais do que isso, podemos afirmar também que conseguimos avançar na compreensão das práticas educativas do período colonial. Com relação à mulher, temos uma quantidade de pesquisas que nos permite conhecer a educação feminina nas instituições religiosas. Contudo, fora desses espaços, as práticas educativas destinadas às mulheres são praticamente desconhecidas. Essa pesquisa nos permitiu conhecer um dos aspectos da educação feminina que foi o aprendizado dos ofícios manuais e seus usos.

Porém é preciso reconhecer também algumas limitações deste trabalho: os limites impostos pelo tempo disponível, greves e paralisações nos arquivos e bibliotecas que foram pesquisadas, a vastidão da documentação disponível.. Para conhecer mais essa faceta da educação feminina seria preciso, por exemplo, investigar os testamentos das mulheres que exerceram os ofícios manuais. Dessa forma poderíamos traçar suas trajetórias de vida e verificar com maior amplitude os impactos que essa aprendizagem tiveram em suas vidas. Outra possibilidade de investigação seria com relação às mestras de

oficio. É preciso verificar em que medida a prática dessas mulheres influenciaram a educação feminina a partir do século XIX. Isso justifica a continuidade dessa pesquisa futuramente.

QUADRO 6

QUADRO COM INFORMAÇÕES SOBRE AS ÓRFÃS LOCALIZADAS NOS INVENTÁRIOS