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A vida é feita de encontros. Entre eles há os bons e os maus. Vamos à procura dos bons, mas muitas vezes eles podem ser decepcionantes, pois nada em si garante um bom encontro. A arte que aqui trouxe como potencialização já foi tema de palestras e aulas onde egos tomaram conta do discurso e/ou a proposta de compartilhar a arte produzida em uma exposição nunca chegou a ocorrer e, assim, a troca foi deixada de lado. A arte ou um artista não é necessariamente um bom encontro; por isso, é preciso experiênciá-los para saber.

Sublinhemos a questão dos encontros em Spinoza, quer com coisas, quer com pessoas. Deleuze diz que precisamos estar “à espreita dos encontros”, mas também se refere ao quão decepcionante podem ser esses encontros no mundo atual. Deleuze parece estar irritado com a inutilidade de alguns eventos científicos, para os quais os intelectuais viajam sem sair do lugar (RAUTER, 2012, p. 84).

Sair do lugar, se desterritorializar é importante. O que pode ser feito inclusive no mesmo território, isto é, sair do lugar em sua própria cidade ao percorrê-la com outro ritmo, com outro olhar, ao sair à rua com a ideia de produzir bons encontros e de estar à espreita de outros tantos bons encontros.

O encontro da arte com a cidade é um bom encontro para mim: é algo que me tira do lugar, que me faz estranhar-me, que me mobiliza e que, por fim, me potencializa. Mas será que outros também veem desse jeito? Muitos são os que hoje apreciam arte de rua, mas é difícil falar em uma maioria. Quanto a isso, retomo um comentário intrigante de um grafiteiro:

"Será que não era melhor mesmo o muro cinza? Será que se perguntar o que que a maioria das pessoas vão achar? Será que a gente precisa de graffiti? Acho que a gente não precisava era de muro." (II BIENAL GRAFFITI FINE ART, 2013).

Questionar o graffiti ou a quantidade de muros é um tema que também aparece na tirinha dos Malvados de André Dahmer:

Imagem 1: Tirinha Malvados de André Dahmer.

Será que a gente precisa do graffiti? Será que a gente precisa de muro? Os muros são para separar, para dividir, para impor um limite ao espaço. Será possível em uma cidade grande outro modo, este sem muros, onde o respeito circule? Para que serve o graffiti? Para colorir o cinza? Para mascarar os muros? Seria uma potência ou uma falsa liberdade? São questões interessantes que remexem muitos outros temas que abalam territórios entre arte e cidade.

Entre esses entrelaçamentos arte-cidade temos que o possível encontro fazer- arte-na-cidade faz pensar a própria cidade. Cirulo que o diga. Segue o seu relato no facebook, após realizar uma pintura no esgoto da cidade de Aracaju:

CIRULO + /\/\/\/\ (21-03 // centro / Aracaju // rios de bosta) Enquanto fazia esse trampo com a parceria de meu irmão @amarelomilho eu fiquei pensando comigo mesmo sobre o quão evoluído somos enquanto cidade, qualidade de vida, etc e tal...e mais da metade da rede de esgotos de Aracaju ainda não tem tratamento, vai pros rios. Eu pensei porque eu tô pintando na rua?! Pra quem?! E eu percebi que não posso, não quero e nem vou parar! (CIRULO, 2015).

Ir pintar na rua é, muitas vezes, parar para perceber o abandonado, o degradado que permeia a cidade, é também encarar a realidade do descaso dos governos: das faltas de calçadas, falta de tratamento dos esgotos, falta de iluminação nas praças, etc. Isso tudo cria revolta, mas também vontade de tomar mais posse da cidade, de fazer mais uso dela, de tomar conta, de fazer arte por entre suas ruas e narrar esse encontro – a exemplo dessa pesquisa-intervenção aqui relatada. Ir à rua à espreita de suas singularidades é também, muitas vezes, aprender a ver a beleza até mesmo no feio. A

Levem a mal não, mas nós normalmente não perdemos tempo visitando pontos turísticos vazios de significado para o universo em que vivemos. Intercâmbio de ideias é bacana, conhecer coisas novas também. Mas o que a gente gosta mesmo é da Rua, do sereno, da liberdade (AK47, 2015).

Em um tom drástico eles observam a falta de significado de determinados pontos turísticos, talvez planejados demais, arquitetados demais em transpassar uma falsa imagem das cidades. Então eles viajam o mundo respirando a rua, como eles mesmos afirmam. Porque na rua a cidade transborda e não se deixa conter pelos seus pontos turísticos.

E que cidade queremos para nós? Que tipo de pessoas circulando por ela? O Manifesto Cuticuti quer trazer leveza e reflexão para as paredes da cidade e para quem passar o olhar por ali, ou pela internet (já que a arte de rua toma o mundo por esse meio). Tal manifesto pauta-se na distribuição de lambe-lambes coloridos e com mensagens positivas pelas ruas da cidade. A criadora do manifesto viu a potência do seu projeto a partir do seu encontro com outra arte de rua, uma pichação. Ela relata essa história e o motivo de seu engajamento, na entrevista a seguir:

- As mensagens são fofas e cheias de reflexão ao mesmo tempo. Como você acha que esse tipo de arte urbana influencia e de que maneira passa a ser um modo de expressão?

No fim de 2013 eu passei alguns dias na cidade de São Paulo e perto do MASP tinha uma pixação que dizia „largue seu emprego‟. Na época eu tava trabalhando em uma agência de publicidade e tava realmente querendo pedir pra sair do emprego, ao ler aquela mensagem eu pensei que aquele era o sinal que precisava hehe (eu realmente pedi pra sair, levou uns 2 meses, mas pedi! hauhau). É um fato bobo, mas aquela pixação me mostrou o quanto o Manifesto podia fazer exatamente isso com as pessoas nas ruas. Por isso em 2014 eu acabei resgatando ele e decidindo que continuaria com o projeto que tinha abandonado lá em 2011.

A gente sabe que acontece muita coisa ruim no nosso país, é cada vez mais difícil conviver com tanta injustiça, violência, corrupção e etc. Por isso eu tento ver o lado bom das coisas e tento transmitir esse otimismo para as

pessoas que estão caminhando na rua ou até mesmo só vendo a foto de um lambe-lambe na internet. Esse foi o modo que eu encontrei de me expressar, de tentar tornar o mundo um lugar um pouco melhor (NAVILLE, 2015).

Percorrer a cidade procurando se expressar e produzir algo inusitado, tentando fazer do mundo um lugar melhor. Estando aberta aos encontros, esperando que eles sejam bons e que instiguem. Tecer coletivos, se agenciar a pessoas para ir às ruas e se impregnar de cor e deixar rastros coloridos na cidade. Também se impregnar da própria cidade que habitamos por tanto tempo procurando vê-la com atenção, procurando sombra entre as árvores, procurando aproveitar a brisa. Habitar também outras cidades impregnando-se de suas ruas, suas calçadas, muros e plantas, não se restringindo aos pontos turísticos pré-determinados e que pré-definem uma imagem para as cidades. Por fim, abrir espaço para as singularidades e potências em meio ao caos, ao inferno das grandes cidades.

O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo e abrir espaço (CALVINO, 1990, p. 71). “Tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo e abrir espaço.” Tentar ver a beleza na cidade, tentar levar arte para a cidade com intervenções, seja com grandezas, seja com miudezas, tentar inventar outra cidade (nem que seja momentânea), tentar produzir momentos potentes, encontros potentes, gentilezas potentes e abrir espaço.

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