Conforme considerado no início, nas últimas décadas, o campo das relações internacionais testemunhou um enorme crescimento de estudos e pesquisas sobre a atuação transnacional de atores não-estatais. Uma parte significativa destes trabalhos abordou o tema a partir da ideia de uma sociedade civil de caráter internacional ou global. Diante da perspectiva homogeneizante e normativa contida em muitas destas contribuições, um campo profícuo de análise destes processos tem se desenvolvido em torno dos estudos do novo transnacionalismo.
Argumentamos que as contribuições da sociologia, particularmente dos estudos de movimentos sociais, para esta agenda nas RI traz ganhos analíticos significativos, na medida em que lança luz sobre os variados processos em curso, sobre as dinâmicas de conflito entre os atores sociais e sobre a conexão entre os planos doméstico e internacional para a compreensão da emergência do ativismo transnacional. Este movimento acontece sobretudo com a transposição do conceito de estruturas de oportunidades políticas para o plano internacional (regimes, OIs e normas internacionais). Contudo, consideramos também que, dada a influência da abordagem do processo político, que ilumina os repertórios contenciosos de movimentos sociais com relação aos Estados, as contribuições teóricas tendem a privilegiar justamente os tradicionais repertórios de confronto político, ainda que uma série de estudos de caso apontem a coexistência de mobilizações extra-institucionais com estratégias de participação em canais oficiais de diálogo.
Para contribuir com esta discussão, escolhemos estudar a atuação de organizações da sociedade civil brasileira no Mercosul, particularmente no cenário posterior ao adiamento das negociações hemisféricas da ALCA, mas com atenção ao histórico desta atuação, de modo a entender como
diferentes estruturas de oportunidades políticas geraram mudanças na atuação destas organizações, que eventualmente poderiam levar à constituição de novos temas. Revisando a literatura da área, trabalhamos com a hipótese de que, embora a abertura simultânea dos cenários políticos institucionais nacional e internacional tenda a gerar diminuição do ativismo transnacional, a existência de canais de participação podem gerar uma dinâmica sustentada de atuação, como se verifica no Mercosul, para além das ações episódicas em torno de campanhas transnacionais. A recente diminuição no ritmo de atuação de organizações da sociedade civil não seria reflexo da “abertura” de estruturas de oportunidades políticas, mas reflexo das dinâmicas intergovernamentais do bloco, das dificuldades de aprofundamento da integração e da coexistência com outras iniciativas regionais.
Por meio da caracterização do contexto político e da percepção das organizações da sociedade civil sobre este cenário, vimos que, embora o fim do projeto da ALCA tenha retirado a ameaça que mobilizou a formação de uma ampla coalizão transnacional e tenha desarticulado parcialmente este movimento prévio, a criação de novos espaços de participação contou com certo otimismo por parte das organizações da sociedade civil, na medida em que foi articulada por quadros prévios dos movimentos, que passavam naquele momento a ocupar posições no governo federal. Desse modo, estes novos canais de diálogo, ainda que incipientes, eram vistos como forma de dar início a novas práticas nas negociações internacionais, rumo a maior transparência e consulta aos diversos setores da sociedade. Somado a isto, a preocupação com a autonomia das organizações da sociedade civil frente aos governos motivou a continuidade de atividades independentes sobre o tema da integração, em torno das chamadas cúpulas dos povos. A manutenção destas duas ações – participação e mobilização extrainstitucional – manteve-se por cerca de cinco anos (entre 2005 e 2010).
Para além da própria abertura do processo de integração para um maior número de organizações da sociedade civil, o Programa Mercosul Social e Participativo, apesar das dificuldades, constitui-se como uma experiência única de participação social na área de formulação de política externa. Com a implementação recente do Fórum de Participação Cidadã da Unasul, o PMSP passou a incluir também temas relativos à Unasul em sua pauta. Além disso, esta experiência participativa tem alimentado demandas pelo aprofundamento de controles democráticos na área de formulação de política externa, estimulando o debate em curso sobre a criação de uma instância de participação e consulta (nos moldes dos conselhos, ainda que não com atribuições deliberativas) não apenas na área de integração, mas da política externa como um todo, reforçando o entendimento de seu caráter como uma política pública.
Anexos
1.Mobilização social e participação institucionalizada na atuação das organizações da sociedade civil no Mercosul
Ano Negociações diplomáticas Estratégias extrainstitucionais de mobilização /repertórios de confronto Participação em canais institucionais/repertórios de interação 1990 Lançamento da Iniciativa para as Américas
1991 Tratado de Assunção Pronunciamento da CCSCS sobre integração
Criação do SGT-11: movimento sindical
participa como observador
1994 Protocolo de Ouro Preto Institucionalização da participação sindical no SGT-11 1995 Ato do 1o. de maio na fronteira 1996 Comissões sindicais setoriais no âmbito da CCSCS Manifestação sindical durante a Cúpula de Presidentes do Mercosul em Fortaleza Implementação do FCES, com intensa participação sindical
1997 Conferência Ministerial da ALCA em BH
Lançamento da iniciativa de uma aliança hemisférica em BH
1998 III Cúpula das Américas em
Santiago. Lançamento das negociações oficiais da ALCA
Nasce ideia da Rebrip em atividade paralela durante a Cúpula de Presidentes do Mercosul no Rio.
Declaração Sócio-Laboral e Comissão Sócio-Laboral do Mercosul
Ano Negociações diplomáticas Estratégias extrainstitucionais de mobilização /repertórios de confronto Participação em canais institucionais/repertórios de interação 1999 Crise no Mercosul Pré-negociaçães para acordo UE-Mercosul
Protestos contra a OMC em Seatlle
Ato 1o. maio na fronteira
2000 I Reunião de Presidentes da América do Sul. Lançamento da IIRSA Manifestação sindical durante a Cúpula de Presidentes do Mercosul em Florianópolis
2001 Cúpula das América em Quebec.
II Cúpula dos Povos das Américas em Quebec. ASC e movimentos antiglobalização I FSM Porto Alegre 2002 II Reunião de Presidentes da América do Sul. Lançamento da Campanha Continental contra a ALCA no FSM Porto Alegre 2003 Conferência Ministerial em Miami. Mudança na posição brasileira. ALCA light Consenso de Buenos Aires, assinado pelos Presidentes Lula e Kirchner pelo fortalecimento da relação bilateral e relançamento do Mercosul Inclusão de representantes de organizações da sociedade civil na
delegação oficial do Brasil nas negociações da ALCA
Encontros com o
Mercosul, por iniciativa da Secretaria Geral, em capitais, para diálogo com empresários, sindicatos, movimentos sociais 2004 Comunidade Sul- Americana de Nações Mercosul: objetivos 2004-2006 Criação do Focem
2005 Cúpula das Américas em Mar del Plata – adiamento sine die
III Cúpula dos Povos das Américas, em Mar del Plata
Encontro por um Mercosul Social e Produtivo,
das negociações Presidentes em Córdoba Ano Negociações diplomáticas Estratégias extrainstitucionais de mobilização /repertórios de confronto Participação em canais institucionais/repertórios de interação
2006 Início das Cúpulas dos
Povos do Sul, paralelas às cúpulas de presidentes do Mercosul
Cúpula pela Integração do Povos - Cochabamba
Início das Cúpulas Sociais do Mercosul
2008 Criação do Programa
Mercosul Social e
Participativo, por iniciativa da Secretaria Geral e co- cordenado pelo MRE.
2. Lista de organizações atuantes no Programa Mercosul Social e Participativo
1. ABIA - Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS 2. Ação Educativa
3. ABGLT- Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros
4. Alampyme – Associação Latino-Americana de Pequenas e Médias Empresas
5. Campanha Nacional pelo Direito à Educação
6. CDHIC – Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante 7. Cebrapaz
8. CGTB - Central Geral dos Trabalhadores do Brasil
9. Cives - Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania 10. CMB - Confederação das Mulheres do Brasil
11. Conectas Direitos Humanos
12. Conen - Coordenação Nacional de Entidades Negras
13. Contag - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura 14. CSA - Confederação Sindical das Américas
15. CTB – Central dos Trabalhadores do Brasil 16. CUFA – Central Única das Favelas
17. CUT – Central Única dos Trabalhadores 18. DIEESE/Aliança Social Continental 19. FASE/Rebrip
20. FBES - Fórum Brasileiro de Economia Solidária
21. FBOMS - Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
22. FDIM - Federação Democrática Internacional de Mulheres 23. Fetraf -
24. FoMerco - Fórum Universitário do Mercosul 25. Força Sindical
26. Geledes – Instituto da Mulher Negra 27. Geomercosul Juvenil
28. Ibase - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas 29. IDDH - Instituto de Desenvolvimento e de Direitos Humanos
30. IDECRI - Instituto de Desenvolvimento da Cooperação e Relações Internacionais
31. INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos 32. Instituto Equit/ Aliança Social Continental 33. Instituto Observatório Social
34. Instituto Paulo Freire 35. Instituto Pólis
36. Intervozes
37. MMM - Marcha Mundial de Mulheres
38. Movimento Nacional dos Direitos Humanos 39. Programa Mercosul Social e Solidário
40. REBRIP – Rede Brasileira pela Integração dos Povos 41. Serviço Pastoral do Migrante-CAMI
3. Lista de entrevistas
Fátima Mello, membro do núcleo de justiça ambiental e direitos da FASE integrante da Rebrip
Filomena Siqueira, assessora de Relações Internacionais da Ação Educativa Giorgio Romano Schutte, ex-assessor especial da Secretária Geral da Presidência da República entre 2004 e 2006
José Renato Vieira Martins, ex-assessor especial da Secretária Geral da Presidência da República entre 2006 e 2010
Maria Silvia Portela de Castro, consultora e ex-assessora da Secretaria de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores
Moema Miranda, diretora do Ibase
Paola Estrada, assessora da ALBA movimentos
Rafael Freire Neto, integrante do Secretariado da Confederação Sindical das Américas e ex-Secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores
Salete Valesa, ex-diretora do Instituto Paulo Freire e atual representante da Flacso no Brasil
Tania Rocio, Coordenadora Executiva do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante