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Considerações finais: entre discursos e materialidades

No documento ver edição (páginas 92-97)

Entendemos que o percurso histórico da publicidade focada, que aca- bamos de acompanhar ressaltando momentos mais significativos, fala

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por si só, ou seja, expressa as etapas correspondentes aos discursos que se sucederam ou se teceram e ainda se tecem em nossa cultura. Embo- ra tenhamos seguido um passo a passo autoexplicativo, gostaríamos de enfatizar alguns discursos e suas materialidades que se manifestam nos enfoques privilegiados a cada período pela publicidade em questão.

A publicidade do Danoninho começa por se colocar em sintonia com o discurso da boa alimentação para a boa formação do corpo no modo como foi prevalente nas décadas de 1950 e 1960, a saber, no modo do discurso corrente que enfatizava o papel da proteína na formação de músculos, tendões, neurônios etc.

A estratégia de persuasão pela associação do Danoninho a um bifi- nho segue claramente os princípios das implicações: os pressupostos e os subentendidos. É pressuposto o valor, como incontestável, das proteínas. Fato que só se sustenta enquanto associado a um discurso gerador de verdade sobre o mundo e de como agir em função dessa verdade. É pres- suposto o valor da carne como alimento com altos índices de proteína.

Ao dizer que Danoninho vale por um bifinho, a publicidade deixa para o espectador o trabalho do raciocínio que alavanca o subentendi- do, ou seja, a conclusão de que o produto detém o mesmo valor que é imputado à carne ou aos bifes.

Claro que se passa de um discurso a outro discurso, trânsito padrão nas publicidades e no caso anterior destrinchado. Porém, é igualmen- te notório o recurso à intertextualidade, pois, desde a publicidade de 1974, faz-se apelo à melodia simples e popular, geralmente dedilhada no piano, conhecida como “O Bife”. Na televisão, o som da melodia acompanhava a publicidade, assim como marcavam a presença da can- ção as imagens dos teclados de piano. Podemos até isolar duas formas de intertextualidade: o jogo com o texto/melodia “O Bife”, o jogo com o texto/imagens de teclado.

A publicidade abandona esse caminho de equivalência ao bife porque em seu cálculo de benefícios entram as calorias de gorduras e açúcares, nada proteicas. Mas ainda trabalha em interdiscurso, com o discurso da boa alimentação que recomendava, então, e cada vez mais fortemente

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O hoje em dia, baixas absorções de lipídios e glicídios em nome de muitos

proveitos físicos, inclusive da boa qualidade de vida a ser levada até a ve- lhice. Entretanto, embora não mais mencione o bifinho, a publicidade continua em construção de intertextualidade, pois mantém a melodia “O Bife” como embalo sonoro. Mais que isso, ainda que não aluda a proteínas ou a carne, o bife se tornou seu pressuposto, permanecendo como dado enraizado em nosso panorama cultural.

Houve, nessa época, atravessamento de discursos de proteção à crian- ça visando afastá-las de publicidades enganosas e tentando afastar a própria informação de qualquer teor duvidoso. A própria composição do produto Danoninho seguiu mudando passo a passo em compasso com os discursos que circulam sobre saúde e boa alimentação. Foi assim que ele se tornou uma alimentação com menos açúcares, com menos componentes artificiais e com menos gordura. A rigor, o Danoninho de hoje em dia pode ser chamado de light.

A interlocução com a série televisiva Família Dinossauros se torna, em nossas observações, exemplo máximo de intertextualidade. A pu- blicidade, inspirada no sucesso da série, cria uma mascote dinossauro. Esse passou a protagonista das diversas estratégias de publicidade do Da- noninho. É ele que vai introduzir os próximos passos, que assumem a aparência de uma opção ou de uma grande invenção da empresa. Na realidade, permanece o diálogo interdiscursivo e se continua na trilha dos discursos que vão, pouco a pouco, conseguindo mais espaço, mais adesão no grande seio da formação discursiva sobre saúde, da formação sobre cuidados com a infância, da formação sobre a produção de indiví- duos de interesse para a sociedade etc.

Seguindo os tempos modernos, Dino protagoniza o enlace com dis- cursos educativos, desde a alfabetização até a criação artística. Enfim, Dino e o Danoninho aderiram de corpo e alma à ideia, há muito em voga e há muito problematizada, do aprender brincando.

Dino/Danoninho acompanhou os discursos de preservação ambien- tal, de equilíbrio ecológico, de sustentabilidade e de respeito a todos eles pela via do incentivo à proximidade com a natureza. A campanha

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da marca voltada para a distribuição de sementes e para o ensino de seu cultivo foi muito bem-sucedida. Na verdade, gerou picos de venda do produto – segundo informação no sítio Mundo das Marcas (DANONI- NHO, 2011).

Sem dúvida, a publicidade, ao longo dos anos, atende às recomen- dações do Estatuto da Criança e do Adolescente na disposição do que se entende como criança ou do que se entende como uma criança deve ser. Os termos do ECA – “[…] facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dig- nidade” (BRASIL, 1990) – poderiam facilmente figurar como slogan do Danoninho.

Não temos como saber de antemão quais discursos vão emergir em cenários vindouros ou quais chegarão a circular com todo o poder de que dispõem. Mas podemos antever que os produtos a serem oferecidos encontrarão sua materialização dentro dos contornos dados pelos discur- sos prevalentes. Ao mesmo tempo, podemos presumir que a publicidade do Danoninho, assim como as de tantos outros produtos, seguirá o curso de seus interesses, ou seja, o curso que ditarem os discursos circulantes.

Referências

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Sobre a autora

Mayra Rodrigues Gomes – Professora titular do Departamento de Jornalismo e

Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Pau- lo (ECA-USP). Bacharel e licenciada em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo.

Data de submissão: 11/02/2019 Data de aceite: 13/06/2019

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O discurso publicitário sobre a incontinência

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