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Diz-nos Benasayag “tomar conta dos diferentes aspectos da coisa, tomar conta da complexidade que compõe uma coisa não a torna sujeito. Falar de sujeito é seguramente falar de outra coisa. O sujeito, enquanto sujeito da liberdade, não se identifica nunca (de modo redutor) a um papel, estado civil ou curriculum vitae, nem a

um sintoma ou a uma pessoa (…) porque pessoa (persona) significa máscara. A questão do sujeito não tem a ver com a qualidade da máscara mas com aquilo que se é capaz de fazer com a máscara, com o que nós somos”.

Importa referir que o modo como o caso foi seguido e apresentado não é de modo algum o percurso que se considera ideal.

Através de uma sinédoque do aparelho (psíquico) psicossomático, procurou-se acima de tudo fornecer um modelo para a compreensão do sujeito com patologia psicossomática. No entanto há que ter em conta um particular cuidado a ter em qualquer extrapolação ou emprego das conclusões da presente investigação empírica de “estudo de caso” quando se pretender aplicá-las a outros indivíduos como foi vindo a ser referido ao longo da mesma.

Pensa-se que a dimensão depressiva é um aspecto essencial nesta compreensão: ela é observável nos dados anamnésicos recolhidos nas entrevistas de investigação, nos sinais fornecidos pelas provas projectivas.

Consideramos que a perturbação precoce deixa marcas profundas no soma, embora estas por vezes possam não ser elaboradas na psiqué – existe uma repressão muito primária que impede o seu acesso à consciência ou então, não possuem uma representação psíquica para poderem ser percebidas (o carácter muito primário de alguns sonhos e fantasias valida esta última hipótese, sendo estes a primeira forma de pensar e sentir esses conteúdos arcaicos). São esses elementos que formam o trauma primário forçando uma separação face à mãe.

O resultado é uma depressão falhada, a depressão sem depressão, o enorme sofrimento perante uma perda afectiva não percepcionada e que não pode ser experienciada.

Esta separação mais do que causar uma angústia de separação, causa um enorme medo da morte, verdadeira angústia de aniquilação, também ela expressa nos sonhos e nos conteúdos relatados.

Se a morte não estivesse em acção a não ser no momento em que assinala a cessação da vida, nada haveria a dizer dela. Neste sentido Pontalis (1999) diz-nos que “somos vividos pela morte”.

A ausência ou insuficiência do bom objecto interno, geram um clima afectivo interior, que, ou se sofre (e deprime-se) ou a perda afectiva ignorada ou vivida como luto e não elaborada na dimensão mental depressiva, poderá ser, ao fazer a economia do sofrimento psíquico depressivo, uma das grandes causas do adoecer psicossomático.

A relação com o objecto, externo ou interno, nunca prevalece tanto como quando o objecto, no sentido de um outro que tem a sua própria realidade, não está constituído, do mesmo modo que também não está o espaço do eu. Para que esse objecto diferente seja reconhecido na sua alteridade de sujeito, deve ter sido superada a perda do objecto primário, que só é possível se a actividade representativa puder desenvolver-se, assegurando uma transição entre o fora e o dentro.

Tomando como exemplo o caso que se observou, é de salientar a fantástica capacidade humana para procurar soluções, onde estas poderão por vezes ser soluções (psico)patológicas e causadoras de sofrimento, mas não deixam de ser esforços por encontrar uma forma de lidar com determinados problemas. Sendo a consciência da morte o problema fulcral (o gerador da angústia), e existindo outras formas derivadas e transformadas (Angústia de Aniquilação, Angústia de Fragmentação, Angústia de Separação, Angústia de Castração), o sujeito psicossomático fica-se: por um nível pouco evoluído de angústia – a Angústia de Aniquilação –, ou seja, não consegue resolver o problema, permanece preso aos terrores primitivos, embora estes não sejam perceptíveis (mesmo ao próprio sujeito) pois, tal como já vimos, são camuflados pela adaptação banalizadora que o sujeito faz às regras do outro.

Mas, mesmo o ser mais "operatório", não deixa de procurar essa mesma subjectividade (procura ultrapassar o impasse).

Sabemos que o sistema imunitário necessita de "aprender", de construir uma capacidade de defesa em relação aos elementos externos, de "encontrar" e reconhecer elementos estranhos, e diferenciá-los daquilo que é o próprio (self). As infecções em períodos precoces, embora possam causar doenças, são também um elemento importante para o "treino" do sistema imunitário, pois participam da imunidade adquirida.

Os ciclos de morte e de nascimento repetem-se frequentemente durante uma vida: algumas células do nosso corpo sobrevivem apenas uma semana, e a maior parte não dura mais que um ano; as excepções a esta regra são os preciosos neurónios do nosso cérebro, as células musculares do coração e as células do cristalino. Até mesmo a maioria dos componentes que não são substituídos, como os neurónios, modificam-se através da aprendizagem.

Quando descobrimos aquilo de que somos feitos e a maneira como somos construídos, descobrimos um processo incessante de construção e destruição e apercebemo-nos de que a vida está à mercê desse processo interminável. É espantoso,

de facto, que alguma vez sejamos capazes de ter um sentido do si, que tenhamos a continuidade de estruturação e função que constitui a identidade e os traços estáveis de comportamento a que chamamos personalidade. Porém, o problema ultrapassa a morte e a renovação. Tal como os ciclos de morte e de vida reconstroem o organismo e os seus elementos, o psiquismo reconstrói o sentido do si a cada instante. É um estado do organismo, o resultado de certos componentes do corpo e da mente funcionarem de uma certa maneira e interagirem de um certo modo, dentro de certos parâmetros, mas é também uma construção no caminho de um ser individual. O sujeito biológico inteiro, desde as células, tecidos e orgãos até aos sistemas cognitivos, psíquicos, emocionais, é mantido em vida pela constante execução de planos de construção corporais e mentais, e está sempre à beira de um colapso parcial ou total, caso o processo de reconstrução e de renovação entre em colapso.

A propriedade e capacidade de acção estão também inteiramente relacionadas com um corpo, num determinado espaço e num determinado tempo. As coisas que possuímos estão perto do nosso corpo, ou deveriam estar, de forma a poderem permanecer nossas. A capacidade de acção requer um corpo que actua no tempo e no espaço e não faz sentido sem ele.

O que quer que seja que aconteça na nossa mente, acontece num tempo e espaço relativos ao instante do tempo em que se encontra o nosso corpo e à região do espaço ocupada pelo nosso corpo. As coisas ou estão dentro ou fora de nós, mas é sempre o corpo que lhes serve de referência. Daí o título escolhido para o presente trabalho que dá conta de um possível sofrimento interno, aprisionado no corpo: “Um Espaço Uterino Num Tempo de Tensão”.

Através do presente trabalho e da reflexão que se lhe sucedeu, é possível propor que, se é na primeira infância, esse momento do desenvolvimento, em que surge o sofrimento, numa intervenção imediata e precoce, se possa evitar que surjam os bloqueios da vida psíquica, resultantes numa diminuição do equilíbrio entre o princípio do prazer e o princípio da realidade. O objectivo é precisamente criar condições para que ambos se satisfaçam mutuamente, sem que se comprometa no futuro, o prazer de ser amado e principalmente o sentimento de nos sentirmos amados…

Para finalizar, gostaríamos de salientar que o tempo livre serve para pensar, pensar sobre o que nos faz sentir, podermos estar connosco mesmos, onde possamos encontrar inspiração, liberdade e consciência. As pessoas não esperam ou não deveriam esperam ansiosamente uma eternidade de felicidade pois, isso é demais. Um realista

busca fontes de energia. As palavras de uma canção popular dizem: “É o amor que faz girar o mundo”. Não acreditamos que exista terapia melhor do que essas palavras, contra a idealização de nós mesmos e do nosso trabalho, e a favor da paixão e do amor necessários para continuar a fazê-lo de modo inspirado; não calando a nossa voz interior que nos permite sonhar, concretizar, crescer...

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