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Ao longo desta pesquisa, nos debruçamos no Naturalismo brasileiro representado nas obras de Adolfo Caminha, Bom-Crioulo, e de Raul Pompéia, O

Ateneu, analisando os aspectos mais relevantes da representação do homoerotismo

e dos espaços homossociais, a partir das narrativas cujas inscrições no cânone literário nacional são provas da sua importância, enquanto objeto literário de valor inestimável.

No primeiro capítulo, buscamos na história uma exposição do homoerotismo nas civilizações clássicas da antiguidade – Grécia e Roma – com fins de compreender as relações homoeróticas e os pilares culturais dessas civilizações que destacaram esta página da história ocidental, mostrando a distinção com que era tratada a relação entre pedagogo-efebo no cerne da cultura grega, e como foi, também, absorvida pela cultura romana, apesar desta ter como referencial mais a penetração do que mesmo a relação fundada na formação do sujeito.

A importância que tal empreendimento revela, teve por objetivo, não apenas contar um pouco da história das relações homoeróticas e do homoerotismo, mas trazer, para o palco acadêmico, um esclarecimento para alguns aspectos do romance naturalista de temática gay. E foram relevantes as constatações de que também nos romances havia alusões aos desejos homoeróticos gregos e aos elementos comuns daquela cultura no que tange às relações homoeróticas, como podemos perceber em Bom-Crioulo na relação entre Amaro e Aleixo.

O recorte naturalista que fizemos, também representou um importante eixo dentro deste trabalho, uma vez que tentamos, através dos estudos de alguns

teóricos, entre eles Flora Süssekind, aprofundar as estéticas desse período literário no Brasil e os enfoques sócio-culturais atrelados à filosofia naturalista. A ciência como norteadora desse movimento, apresenta-se como bastião da verdade, e nos ajudou a compreender os pontos de vista, as temáticas e o desenvolvimento das personagens de Caminha e Pompéia seguindo a agenda naturalista.

Obviamente, a representação do gay nos romances em estudo reflete, de fato, o pensamento heterossexual da época. Na análise de Bom-Crioulo, no segundo capítulo, observamos que o homoerotismo ao passo que está contra a natureza também é imposto por ela. Dessa forma, Caminha não encontrou uma forma coerente de dizer a homossexualidade de suas personagens, mas conduziu, com maestria, um enredo consideravelmente homoerótico, fundando, segundo a crítica literária nacional, a própria Literatura gay.

No terceiro capítulo, procedemos à análise do espaço homossocial de um ponto de vista estético e sociológico. Tivemos grande contribuição teórica nos estudos de Bachelard (1993), Dimas (1994) e outros cujas perspectivas nos ajudaram a esclarecer espaço e ambientação e como esses espaços produziam signos dentro das narrativas, nas personagens e espelhavam, também, aspectos sociais exteriores à obra. A partir da noção de espaço, discutimos os conceitos de homossociabilidade masculina e a representação de identidades em ambientes exclusivamente masculinos, a representação da raça como ponto importante na esteira racista do Brasil do século XIX, bem como sua influência na constituição das teorias naturalistas para explicação dos desejos desviantes de Amaro.

Deixamos para o final, a análise do espaço homossocial no romance de Raul Pompéia, O Ateneu, por considerarmos as personagens mais influenciadas por razões psicossociais, como nas estratégias de poder do que de transgressão, como

vimos em Bom-Crioulo. Nesta narrativa, temos, no narrador-personagem, um laboratório para os experimentos científicos próprios dos procedimentos naturalistas. No convívio homossocial, a partir da influência do meio, das questões de classe e posições binárias como forte/fraco, constroem-se os elementos das estratificações sociais dentro do internato. O homoerotismo, nesta instituição, nos é apresentado como conformação da personagem em se apresentar fraca fisicamente e necessitar da proteção dos mais fortes. E, é a partir dessa “proteção” que as relações de poder estabelecem os lugares determinados para as personagens naquele ambiente.

Ao fim desta pesquisa, chegamos a um ponto que desde o início nos parecia de extrema importância observar: será que as identidades gays, nos romances, foram construídas nos espaços homossociais? Não diríamos, hoje, nem que sim nem que não. Se seguíssemos a cartilha naturalista com suas teorias deterministas teríamos aporte suficiente para dizer que a construção das identidades sexuais de Amaro, Aleixo, Sérgio, Sanches, Bentos Alves e Egbert foram construídas a partir do convívio no espaço homossocial. Mas, sem rezar o “credo” científico-naturalista, fica- nos a conclusão de que, para as personagens, a transitoriedade do homoerotismo é característica do modelo grego de relações homoeróticas. Nelas, se afirmam os ideais de masculinidade traçados pela pedagogia do homoerotismo, onde desejo, transgressão e relações de poder se tornam imperativos na constituição da masculinidade.

Estamos certos de que esta pesquisa é, do ponto de vista literário e científico, de grande relevância para os estudos acadêmicos, visto que reflete acerca de questões cuja importância tem sido elevada à categoria dos estudos gays e lésbicos, levando tais questões para o âmbito das ciências humanas como a Sociologia, Antropologia, Psicologia e a própria Literatura.

Este empreendimento resvala, também, para uma re-leitura dos romances de temática homoerótica, levando em consideração que os sujeitos marcados pelo “estigma” do homossexualismo têm recebido merecido destaque nos estudos críticos atuais e têm sido um ponto importante na agenda dos estudos literários e estudos culturais, como afirma Silva (2007):

O que move a reivindicação desejada é o fato de, primeiramente, o sujeito gay estar sendo atualmente motivo de discussão nos fóruns simbólicos e materiais de representação, uma vez que vem adquirindo status discursivo, como nunca aconteceu anteriormente na história do homem ocidental. Isso porque se percebeu que a “comunidade gay” não só diz respeito a uma grande parcela da população mundial, mas sobretudo porque, sendo uma cifra representativa, constitui uma identidade com sua lógica de existência e interpretação, bem como necessita de aportes teórico-críticos no campo da cultura, que venham conferir-lhes status de sujeito validado no campo social pela diferença que o marca... (SILVA, 2007, p. 32).

Enfim, nossa pesquisa buscou, através da leitura dos romances analisados, esclarecer alguns pontos como a representação do homoerotismo e o espaço homossocial em Bom-Crioulo e O Ateneu, com vistas a conferir aos gays, como diz Silva (2007, p. 32) “status de sujeito” na atualidade, contribuindo, assim, para uma revisão da literatura gay e das contribuições que a crítica dos estudos de gênero têm oferecido para o fenômeno literário enquanto veículo de representação social no mundo ficcional.