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2 Ensino de Ciências e Divulgação Científica: especificidades e

2.5 Considerações finais – especificidades e complementaridade entre ensino de

Ao longo deste Capítulo, apresentamos e refletimos sobre um complexo mosaico de objetivos, diretrizes e desafios relacionados à disseminação do conhecimento científico e tecnológico voltada à consolidação de uma cultura científica que permita a democratização dos processos decisórios envolvendo Ciência e Tecnologia em uma sociedade cada vez mais permeada pelas consequências do desenvolvimento na área. Pela natureza de nossa pesquisa e por sua inserção na pós-graduação em Educação e, mais especificamente, na área do ensino de ciências, destacamos os aspectos relacionados à educação formal. No entanto, a consolidação da cultura científica envolve, como sintetiza Pavão (2008), uma série de condicionantes complementares não apenas para o desenvolvimento científico e tecnológico, mas especialmente para a possibilidade de controle social desse desenvolvimento, tais como a existência de universidades e instituições de pesquisa consolidadas, a educação científica de qualidade nos espaços escolares, a formação de profissionais qualificados, a integração da produção científica e tecnológica com a produção industrial e, finalmente, um programa de popularização da Ciência que se coloque como “importante campo de integração e desenvolvimento científico e social, contribuindo para a melhoria da qualidade da formação educacional e da cidadania” (p. 190). Para concluir a apresentação do referencial teórico que norteou nossa análise da revista Carta na Escola, apresentaremos agora, portanto, algumas abordagens da complementaridade entre educação científica escolar e divulgação científica, aprofundando assim, com esse olhar específico, a reflexão sobre as inter-relações entre Comunicação e Educação apresentada no capítulo anterior.

Uma compreensão bastante comum dessa relação entre a educação escolar e a divulgação científica – particularmente aquela praticada nos meios de comunicação, no jornalismo científico – é a de que a mídia deveria suprir uma falta, corrigir “a dificuldade da escola de cumprir sua função de ensinar” (PFEIFFER, 2001, p. 41). Nesse sentido, em seus estudos no campo da análise do discurso, Pfeiffer (2001) nota que, apesar de linhas editoriais que, em sua superfície, defendem o lugar da escola, eximindo-se da responsabilidade de

educar e representando uma demanda geral pela educação de qualidade, as teses e argumentos apresentados,

em seu funcionamento discursivo, produzem, no imaginário, a mídia como uma das saídas, um dos escapes por onde se pode salvar a educação falida de nosso País: sua função, entre outras, é a de resgatar a educação. O que vemos, portanto, é a mídia com a tarefa de ocupar um espaço de falta. Ela estaria intermediando um conhecimento de forma mais didatizada e rápida para alunos e para professores que precisam de reciclagem mas não têm condições de fazê-la. Estaria ocupando assim um lugar de democratização da educação já que se propõe informar em todas as instâncias. Este funcionamento discursivo pode ser observado em processos discursivos que deslocam a escola de sua legitimidade de ensinar, desautorizando-a a partir do ato denunciativo que “esclarece” à população que os professores são despreparados, os alunos não aprendem e a escola não têm condições estruturais para atender seu público; ao mesmo tempo em que traz, ao domínio da população, de forma “democrática”e com “maior abrangência”, todas as últimas novidades em termos tecnológico-científicos; assim como “abre” espaço para os intelectuais exporem suas ideias sobre a sociedade em que vivemos”. (PFEIFFER, 2001, p. 42- 43).

Notamos essa abordagem, por exemplo, em Oliveira e Faltay (2008), quando, ao estabelecerem a relação entre a divulgação científica e o ambiente escolar, afirmam que

A divulgação científica é fundamental para a popularização da ciência, pois o ambiente científico é muito carente em oportunidades e, mais importante, nossa educação escolar básica sofre com a escassez de recursos humanos, meios e infra- estrutura para divulgação do conhecimento científico. Em resumo, a ciência não é parte da cultura do nosso povo como o futebol, as festas populares (São João, Círio de Nazaré e Festa Farroupilha, entre outras), o carnaval e a música. A ciência não se constitui numa atração capaz de fazer com que as pessoas se envolvam com ela. (OLIVEIRA; FALTAY; 2008, p. 181).

Reis e Galvão (2005) parecem corroborar essa percepção da Ciência, ao menos em ambiente escolar, como incapaz de motivar os estudantes à aprendizagem, ao afirmarem que

ao contrário das experiências de sala de aula [...] as experiências não formais permitem uma maior autonomia do aprendente na gestão da sua aprendizagem que, de acordo com os seus interesses, ritmos de aprendizagem e capacidades, pode parar, repetir, demorar mais ou menos tempo e interagir com amigos ou familiares. Enquanto que a educação científica formal é, frequentemente, percepcionada pelos alunos como difícil, maçadora e defasada de seus interesses e necessidades [...], as experiências não-formais conseguem cativar a atenção e o interesse de muitos alunos. (REIS; GALVÃO; 2005, p. 31-32).

Porém, nos parecem mais ricas e condizentes com a necessidade de integração – tal como proposta por Vogt (2003) na proposição de sua espiral da cultura científica – as abordagens que partem do pressuposto de que as pessoas aprendem Ciência a partir de uma variedade de fontes, por uma variedade de razões e de diversas maneiras. Nesse sentido, é

esclarecedor o conceito de “aprendizagem por livre escolha” proposto por Falk e Dierking (2002) que, em vez de caracterizarem a escola como fadada ao fracasso no que tange à possibilidade de formação de cidadão alfabetizados cientificamente e aptos a participarem das escolhas e decisões envolvendo Ciência e Tecnologia, inserem a educação formal em um sistema que parte da constatação de que as necessidades educacionais estão sendo supridas por um leque amplo de instituições e experiências, no que chamam de infraestrutura educacional. Para esses autores, está sendo cada vez mais aceito que visões limitadas e com foco estreito do empreendimento de aprendizagem de ciências limitam o entendimento desse esforço e a compreensão significativa de seus impactos (FALK; DIERKING; 2002).

Condizente com essa visão integradora, um impacto do contato dos estudantes com informações científicas e tecnológicas nos meios de comunicação destacado por diferentes autores diz respeito ao questionamento do professor como única fonte de conhecimento. Nesse sentido, Macedo e Katzkowicz (2003) apontam como o modelo de intervenção pedagógica caracterizado pela transmissão verbal e pela visão do aluno como um receptáculo vazio pronto para ser preenchido pelo conteúdo trazido pelo professor – tão criticado e, ao mesmo tempo, ainda tão comum em todos os níveis de ensino – é abalado pela compreensão da existência dessas outras fontes de informação científica e tecnológica. No entanto, esses mesmo autores destacam como tais informações são fragmentadas e não configuram um saber organizado, o que oferece ao professor a oportunidade – e, mais do que isto, a necessidade – de re-situar seu papel face a esse contexto, passando a atuar como mediador entre o aluno e a cultura.

Pavão (2008) também destaca que a educação não formal, “pelos seus processos livres e lúdicos, pode despertar os professores para novas possibilidades pedagógicas, assim como estimular alunos para a atividade científica” (p. 190). E complementa dizendo que a divulgação científica em espaços não formais

Também contribui para que cada brasileiro tenha a oportunidade de adquirir as informações básicas sobre a ciência e seu funcionamento, de forma a lhe dar condições de entender o seu entorno e de se situar politicamente. Além disso, proporciona aos próprios cientistas um ambiente multidisciplinar, com novas possibilidades de enfoques, diálogos e trocas. (PAVÃO, 2008, p. 190).

Assim, é considerando esse contexto de integração e complementaridade entre a educação escolar e a divulgação científica, bem como o diálogo entre Comunicação e Educação proposto no capítulo anterior, que partimos para a análise das relações estabelecidas entre as reportagens publicadas na revista CartaCapital, os artigos dirigidos aos

professores-leitores de Carta na Escola e as sugestões de atividades em sala de aula decorrentes dessas relações, cujos resultados são apresentados no próximo Capítulo.