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SUMÁRIO

3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS – ESTADO DA ARTE

Após a revisão da literatura, observa-se que a aplicação da tecnologia de digestão anaeróbia no processamento de vinhaça de cana-de-açúcar com o objetivo de realizar o seu tratamento e o reaproveitamento energético, produzindo H2 e CH4, é uma alternativa ambientalmente viável para o desenvolvimento de processos dentro do contexto de transformação da indústria sucroalcooleira de usinas de produção de açúcar e etanol para biorrefinarias. Isso possibilita uma maior diversificação de produtos, aumentando a resiliência do negócio em tempos de crise financeira. Além disso, a produção de biocombustíveis em biorrefinarias diminui a dependência da matriz energética brasileira aos combustíveis fósseis não renováveis e altamente poluidores, garantindo uma maior segurança energética nacional.

Entretanto, a viabilidade técnica e econômica deste processo bioquímico depende da análise da comunidade microbiana, da modificação genética de microrganismos mais eficientes e do desenvolvimento de processos que possam aprimorar a remoção da matéria orgânica, os rendimentos e as produtividades de H2 e CH4 sob condições de elevada carga orgânica. Dessa forma, cabe à engenharia projetar e desenvolver diferentes configurações de reatores que possam garantir as melhores condições de operação para a digestão anaeróbia da vinhaça.

Nesse contexto, a implementação da digestão anaeróbia com um estágio acidogênico seguido em série por um estágio metanogênico é uma alternativa de configuração de processo para superar o desafio de balancear as necessidades nutricionais, as sensibilidades às condições operacionais e as características cinéticas que os microrganismos acidogênicos e metanogênicos requerem de formas diferentes. Na aplicação em escala industrial da digestão anaeróbia da vinhaça, a falha em balancear ambos os grupos em um mesmo reator causa a desestabilização do sistema e a acidificação do meio, reduzindio a remoção de matéria orgânica do processo.

Dentro do escopo da digestão anaeróbia da vinhaça em dois estágios, a produção termofílica de hidrogênio é caracterizada pela obtenção de elevados rendimentos e produtividades. Esta estratégia aprimora a tratabilidade e a disponibilidade da matéria orgânica de difícil conversão para as arqueias metanogênicas presentes no segundo estágio metanogênico, melhorando a estabilidade do reator metanogênico e a degradação microbiana dos componentes mais complexos sob condições de menor tempo de processo, permitindo a redução dos custos. Além disso, a associação do reator acidogênico termofílico ao processo de digestão anaeróbia possibilita a recuperação do H2, que é um gás de elevado poder calorífico de grande importância para a indústria química.

Apesar de a condição termofílica ter atualmente posição de destaque induscutível para a produção de hidrogênio a partir de vinhaça de cana-de-açúcar, a produção de metano ainda apresenta inconclusões sobre qual faixa de temperatura é ideal para sistemas em um ou dois estágios. No contexto microbiano, o aumento da temperatura dentro de uma faixa definida eleva as velocidades das reações químicas e enzimáticas intracelulares, acelerando as funções metabólicas e de crescimento celular, além de reduzir a solubilidade dos gases (H2, CO2, H2S, NH4 e CH4) e alterar as propriedades físicas e químicas da vinhaça. Entretanto, a temperatura também aumenta a dominância da comunidade microbiana e a seletividade do processo, diminuindo a diversidade e a possibilidade de interações sinergéticas entre os diferentes microrganismos. No ponto de vista de prática industrial, a aplicação de condições termofílicas no processo anaeróbio é favorecida pela temperatura da vinhaça, que é gerada no fundo da coluna de destilação em temperaturas entre 85 a 90 ºC. No entanto, é necessário que a vinhaça biodigerida esteja na tempeartura ambiente para a sua aplicação como biofertilizante no solo. Dessa forma, deve-se buscar a melhor associação de condições de temperatura entre os reatores acidogênico e metanogênico.

Outro aspecto que deve ser discutido no desenvolvimento do processo anaeróbio é o controle eficiente da carga orgânica aplicada ao sistema, seja de estágio único ou de dois

estágios. A aplicação de valores de TDH, DQO e TCO adequados possibilita a seleção de rotas metabólicas mais eficientes e a eliminação de microrganismos competidores, resultando em maior rendimento energético e maior remoção de matéria orgânica. Entretanto, a literatura apresenta variações em relação aos valores da faixa ótima de TCO para a digestão anaeróbia de vinhaça de cana-de-açúcar que são resultantes das diferentes caracteríticas das configurações dos reatores, das fontes de inóculo utilizadas e das diferentes composições das amostras de vinhaça. Mesmo assim, a determinação da faixa ótima de TCO é de grande importância, pois ao evitar condições de sobrecarga orgânica é possível tratar maiores quantidades de vinhaça com estabilidade, rendimento e produtividade máximos no sistema.

O desenvolvimento, adaptação e operação de reatores ainda representam desafios e requerem pesquisas em diferentes configurações. Entre as configurações de reatores utilizadas para a digestão anaeróbia da vinhaça, os sistemas de crescimento celular suspenso, como reator CSTR, não permitem a aplicação de elevadas TCO, por meio de valores reduzidos de TDH, devido a ocorrência da lavagem da biomassa. Por outro lado, nas configurações de crescimento aderido da biomassa, como reatores de batelada sequencial (AnSBR e AnSBBR), de manta de lodo (UASB e EGSB) e reatores de leito fixo (APBR e ASTBR), o acúmulo de sólidos e o crescimento contínuo de biomassa pode levar a colmatação do leito e reduzindo o desempenho do reator. De forma a sanar todas estas questões encontradas pelos estudos da literatura, optou-se pelo estudo do RALF, que consegue manter elevada transfência de massa em conjunto com a aplicação de valores elevados de TCO.

Visto isso, frente aos bons resultados obtidos em pesquisas anteriores com o RALF na produção de hidrogênio e de metano em condições mesofílicas e termofílicas, a contribuição deste estudo para a literatura será: a avaliação do efeito do TDH no desempenho da degradação da vinhaça e da produção de metano do reator metanogênico de segundo estágio e a comparação estratégica entre a aplicação de condições mesofílicas e termofílicas em reator de segundo estágio metanogênico na digestão anaeróbia da vinhaça em dois estágios.

4. MATERIAIS E MÉTODOS

Os conteúdos abordados neste capítulo apresentam a configuração dos reatores, as fontes de inóculo utilizadas para a produção biológica de hidrogênio e metano, o método de pré-tratamento adotado, os procedimentos de partida e as diferentes estratégias de operação. Além disso, serão apresentados as caracterizações da vinhaça de cana-de-açúcar realizados ao longo dos experimentos, o detalhamento e a frequência das análises físico-químicas e os cálculos dos principais parâmetros para avaliar a produção biológica de hidrogênio.

Neste estudo a configuração de reator utilizada foi o RALF. Esta configuração está embasada por trabalhos anteriores realizados no grupo de pesquisa do Laboratório de Controle Ambiental II do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal de São Carlos (LCA-II, DEQ/UFSCar). Ao longo dos últimos 12 anos foram realizados diversos trabalhos de pesquisa científica com diferentes águas resiuárias sintéticas (AMORIM et al., 2009; BARROS et al., 2011) e águas residuárias reais (SANTOS et al., 2014a; REIS et al., 2015; RAMOS; SILVA, 2017) utilizando o RALF no LCA-II

Dois estudos principais foram realizados compreendendo um agrupamento de reatores diferentes (ilustrado na Figura 4.1). Por praticidade e melhor comparação entre os seus resultados, os reatores utilizados em cada estudo foram identificados por siglas conforme as condições de operação. A Tabela 4.1 apresenta o significado destas siglas.

Tabela 4.1 - Identificação dos reatores utilizados em todos os experimentos Estudo 1

Produção termofílica de hidrogênio e metano a partir de vinhaça de cana-de-açúcar em sistema de dois estágios em reatores anaeróbios de leito fluidizado

Sigla Descrição

RT-1 RALF termofílico metanogênico para o tratamento de vinhaça RA-1 RALF acidogênico termofílico para fermentação da vinhaça (10 g DQO.L-1) RST-1 RALF termofílico metanogênico em série com RA-1 para tratamento da vinhaça

Estudo 2

Comparação de reatores metanogênicos de segundo estágio mesofílico e termofílico na digestão anaeróbia de vinhaça de cana-de-açúcar em reatores anaeróbios de leito fluidizado

Sigla Descrição

RT-2 RALF termofílico metanogênico para o tratamento de vinhaça

RA-2 RALF acidogênico termofílico para fermentação da vinhaça (15-20 g DQO.L-1) RST-2 RALF termofílico metanogênico em série com RA-2 para tratamento da vinhaça RSM-2 RALF mesofílico metanogênico em série com RA-2 para tratamento da vinhaça R – Reator; A – Acidogênico, primeiro estágio do sistema de dois estágios; S – Segundo estágio do sistema de dois estágios; M – Mesofílico; T – Termofílico;