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considerações finais

O

primeiro capítulo do nosso trabalho foi dedicado ao comentário da noção de

obra aberta e de alguns de seus desdobramentos dentro do pensamento composicional de

Luciano Berio. Imersos nessa poética de abertura, selecionamos três estratégias composicionais características desse compositor – reescritura, gesto e processo – que foram trabalhadas nos capítulos seguintes.

No segundo capítulo abordamos a noção de reescritura em Berio e realizamos uma análise comparativa entre a Sonata e Interlinea. Vimos que Interlinea está contida em sua totalidade na Sonata, se espalhando dentro dela de diferentes maneiras. Nesse contexto, comentamos quatro recursos utilizados por Berio durante o processo de reescritura: citação, ampliação, derivação e proliferação.

No terceiro capítulo comentamos a noção de gesto em Berio. Vimos como a idéia de gesto aparece para Berio como elemento central da expressão musical, sendo inerente a ela a tensão existente entre fechamento e abertura. A necessidade de estabelecer um jogo permanente de construção e desconstrução dos gestos no interior das peças confere a eles um caráter processual. Nas análises realizadas nesse capítulo, vimos como a Sonata é construída a partir de um número limitado de oito gestos. Durante o comentário de cada um desses gestos

buscamos mapear semelhanças e diferenças entre eles, observando com maior detalhe a constituição do material pré-composicional da Sonata. Por conta da especificidade do assunto, optamos por comentar o tratamento rítmico e harmônico desses gestos num capítulo separado, onde pudemos observar com maior detalhe alguns aspectos figurais mais relevantes de cada um deles.

No quinto capítulo abordamos a noção de processo em Berio. Em nossas análises, vimos como os oito gestos mapeados no terceiro capítulo se deformam e são deformados através de diversos curtos-circuitos. Para verificar o caráter processual desses gestos, nos dedicamos a observar o que chamamos de história energética de cada um deles. No decorrer da leitura dessas histórias energéticas observamos algumas estratégias composicionais utilizadas para relacionar os diferentes gestos: sobreposição, modulação, agrupamento e transição gestuais.

No sexto e último capítulo, realizamos uma leitura de possíveis seccionamentos dentro da Sonata a partir das análises realizadas nos capítulos anteriores. O intuito não foi o de conduzir a análise a uma estrutura formal congelada, mas sim demonstrar de que maneira a forma musical na Sonata acaba sendo construída e exposta a partir do movimento de seus próprios materiais.

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Apesar de inteiramente dedicado à análise musical, esse trabalho foi conduzido por um olhar de compositora sobre a obra de Berio. Minha motivação durante todo o trabalho foi tentar compreender algumas estratégias composicionais de Berio que revelassem de certa maneira questões a respeito da poética desse compositor cuja música me afeta. Nesse momento de conclusão da pesquisa, percebo que todo o trabalho for norteado pela idéia de que a poética de Berio lida com um jogo de tensões (dramaticidade) em diferentes níveis da composição musical. Por isso, no primeiro tópico abordado, isto é, no capítulo referente à noção de obra aberta, comentei como a poética da abertura sobrevive somente em tensão com a idéia de uma estrutura bem delimitada. Percebi, assim, a tensão entre abertura e fechamento movimentando o conceito de obra aberta. Num segundo momento, trabalhei com a idéia de

reescritura que lida com a tensão entre o material de origem e o material reescrito. O material

peças são transformadas. As peças não deixam de ter sua autonomia porém se abrem a um diálogo expressivo. Em seguida passei a pesquisar a tensão própria à noção de gesto musical. Primeiramente, no terceiro capítulo, tratei de observar seu aspecto mais fechado, isto é, sua personalidade sendo definida a partir de certas recorrências. No quarto capítulo, vi de que maneira esse gestos eram tensionados pela noção de processo, se abrindo e se deformando gradualmente. Finalmente, no último capítulo, comentei ainda a tensão entre o aspecto processual da Sonata e o delineamento de uma estrutura formal mais fechada, resultante do próprio movimento gestual dentro da peça. A imagem de um móbile – cujas peças são os gestos – modulado pela noção de processo e tensionado pelo delineamento de uma estrutura formal bem delimitada, me remeteu de volta ao ponto de partida desse trabalho: a noção de

obra aberta. Assim, percebi que é do jogo de tensões entre Interlinea e a Sonata, entre gesto e

processo e entre processo e forma que surgem os motores expressivos da Sonata.

O estudo de algumas estratégicas composicionais de Luciano Berio coincidiu com a composição de três peças: Círculos (2009), para 8 instrumentistas, Do livro dos seres

imaginários (2010), para piano solo, e Lan (2011, em desenvolvimento), para 4

instrumentistas. Nessas três peças, ainda que eu não tenha me reportado intencionalmente à música de Berio, posso hoje perceber algumas interferências desse estudo. Ao término desse trabalho, ao concluir – e finalmente entender um pouco melhor – o meu tema de pesquisa, percebo que há uma forte ressonância da poética de Berio nas minhas peças; ou, o contrário: uma forte ressonância da minha escrita na leitura que faço da música de Berio. Em Círculos, arrisquei-me a trabalhar com um ostinato durante grande parte da peça. É curioso saber que quando comecei a compor essa peça, no início de 2009, ainda não conhecia a Sonata per

pianoforte de Berio, que descobri somente alguns meses depois e que imediatamente

identifiquei como a peça adequada para conduzir esse trabalho. A história de Círculos é um jogo de tensão constante entre esse ostinato e os elementos que o cercam até que ele sucumbe definitivamente a um movimento textural que acaba por diluir a peça. Em Do livro dos seres

imaginários, escrita no ano passado, trabalhei muito sobre a idéia de gesto. Essa peça é na

verdade a reunião de quatro peças curtas para piano, inspiradas em textos homônimos de Jorge Luis Borges: Kami, Odradek, Shang Yang e Haokah. Cada uma delas se concentra num universo sonoro bem delimitado e apresenta uma coleção de gestos bastante restrita. Aqui percebo que a tensão entre gesto e processo foi trabalhada de maneira mais refinada do que em Círculos. As peças, de fato muito gestuais, são como um mergulho num determinado som,

ou num determinado comportamento, que não se dilui, apenas se deforma. É um estar no mesmo lugar o tempo todo, porém sempre se movimentando. Em Lan, que devo terminar dentro de um mês, há uma amplificação dessa idéia trabalhada em Do livro dos seres

imaginários. A peça é mais textural do que gestual mas se concentra sobre a mesma tensão

entre permanência e impermanência, buscando a escuta concentrada sobre uma mesma sonoridade que é sempre outra.

No âmbito acadêmico, para o projeto de doutorado, pretendo travar um diálogo entre a música de Luciano Berio e a música contemporânea brasileira, a partir do estudo da obra de alguns compositores nos quais percebo fortes ressonâncias de Berio. Nesse contexto, talvez possa também incorporar um comentário mais detalhado acerca de algumas das minhas peças, aproximando de certa maneira o trabalho de análise ao trabalho de composição.

bibliografia de referência