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Nos propusemos a pesquisar as contribuições da política habitacional, encabeçada atualmente pelo Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), no processo de (re)produção e expansão urbana na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV). Limitamo-nos a analisar as ações do Programa que envolve a produção de moradias para as categorias sociais de baixa renda, de até três salários mínimos ou o equivalente à R$ 1.600,00.

Nossa problemática se baseia no fato de que as políticas habitacionais seguiam uma lógica de produção de moradias populares em áreas “periféricas” das cidades, promovendo e reproduzindo um modelo de expansão urbana caracterizado pela segregação sócio espacial. Nosso objetivo era desvendar se o PMCMV segue esse mesmo modelo de produção urbana.

Ao longo do caminho percebemos que o PMCMV repete fundamentalmente as mesmas fórmulas aplicadas na época do Banco Nacional de Habitação (BNH), adaptadas ao contexto histórico e político vigente, que são o atrelamento à lógica empresarial e à segregação espacial das famílias de baixa renda na RMGV.

Analisando a distribuição espacial dos imóveis do PMCMV na RMGV identificamos que os projetos habitacionais para as famílias de baixa renda estão localizados em sua grande maioria na “periferia” dos municípios, em áreas de transição entre o espaço urbano e o rural e em áreas ambientalmente frágeis. As pesquisas de campo permitiram identificar que a implantação dos conjuntos de moradias populares tem provocado transformações no uso do solo e na especulação imobiliárias do seu entorno. Foram identificados vários terrenos que foram colocados à venda após o início da construção das moradias.

A análise dos dados sobre a produção habitacional do PMCMV, no período de 2009 a janeiro de 2014, mostra que existe uma grande disparidade entre a contratação e a construção das moradias no país. Enquanto 3.2 milhões de moradias haviam sido contratadas cerca de 47% delas tinham sido entregues. Além disso, identificamos que o ritmo de produção das moradias na segunda fase do Programa está mais lento do que na primeira fase, o que compromete o andamento da meta.

Essa mesma disparidade ocorre também a nível estadual e regional, porém com certas particularidades. No Espírito Santo a produção de moradias populares é mais intensa nos municípios do interior do que na RMGV apesar desta concentrar praticamente a metade da população e cerca de 25% do déficit habitacional do Estado. A RMGV concentra a grande parte das moradias contratadas pelo Programa no Estado (55%). As construtoras priorizam a construção de imóveis para as categorias sociais de maior renda em detrimento daquelas famílias de baixa renda. Ou seja, direcionam a produção imobiliária para o público que melhor lhes convém. Portanto, como na RGMV há uma concentração maior de renda em comparação com os municípios do interior o quantitativo de moradias produzidas do PMCMV acompanha a renda familiar.

Todavia existe também uma grande disparidade entre o número de moradias contratadas em relação àquelas já entregues por faixa de rendimento familiar. Na faixa de menor renda (Faixa 1) a relação entre as unidades contratadas e entregues é de 13% enquanto que nas faixas de renda mais elevada (Faixas 2 e 3) chega a 87%. Tal fato vai de encontro ao objetivo do Programa que deveria priorizar as famílias de baixa renda mas na prática não tem sido assim.

Ao longo da pesquisa apontamos várias problemáticas que influenciam diretamente na baixa produção de moradias populares na RMGV. Demonstramos que o argumento utilizado pelos gestores públicos municipais de que a falta terreno é um dos principais entraves para a implantação da habitação social não é condizente com a realidade. Estudos recentes demonstram que existem inúmeros “vazios urbanos” que poderiam ser utilizados para essa finalidade, sendo que muitos destes terrenos são de propriedade do próprio poder público.

Nossa hipótese de que o PMCMV compõe um dos vetores de expansão urbana da RMGV pôde ser comprovada por meio da análise de três estudos de caso. Primeiro analisamos as experiências de Cariacica no processo de identificação de terrenos mais qualificados para que as empresas pudessem construir moradias populares. As áreas identificadas para a construção das habitações nas extremidades da área urbana, no limite entre a cidade e o campo, tende a ser um fator de dilatação da mancha urbana, pois o adensamento populacional e a atração de serviços e equipamentos que a implantação dos conjuntos habitacionais promove sobre o território tende a corroborar para isso. No segundo caso pesquisamos a implantação

do maior conjunto habitacional para a população de baixa renda na RMGV localizado no bairro Jabaeté em Vila Velha. Verificamos que a implantação do empreendimento desencadeou uma nova dinâmica no uso e ocupação do solo representada pela especulação imobiliária de terrenos no entorno. Por último, analisamos o conjunto do PMCMV localizado no bairro Tabuazeiro em Vitória que atualmente encontra-se ocupado. Apontamos questões e conflitos sociais que se fazem presentes entre os moradores e que são decorrentes de uma fase de adaptação a um “novo” estilo de vida.

Realizamos entrevistas semi-estruturadas com diferentes atores envolvidos nos projetos do PMCMV. As entrevistas nos permitiram uma melhor compreensão das problemáticas que envolvem o fenômeno habitacional. As diferentes visões que os entrevistados possuem em relação à moradia nos forneceram subsídios para entender questões territoriais e sociais que influenciam diretamente na construção do espaço urbano da RMGV. Entendemos que a política habitacional precisa necessariamente estar integrada as demais políticas sociais para que ambas possam convergir no sentido de melhorar a vida das pessoas.

Contudo, concluímos que o PMCMV tem influenciado no processo de transformação e expansão urbana da RMGV, sobretudo aqueles destinados as famílias de baixa renda. Esses conjuntos habitacionais construídos nas áreas “periféricas” são pioneiros nesse processo, assim como os conjuntos da época do BNH, pois se tornam referência no lugar e servem como ponto de atração e impulsionamento das atividades sociais que modificam e reconfiguram o espaço.

O PMCMV, apesar de estar sendo apropriado pelo mercado, tem alcançado significativos resultados em termos de produção, mesmo aquém da demanda, tem contribuído lentamente para o equacionamento dos problemas habitacionais. Assim como milhares de pessoas foram beneficiadas pelo BNH, sem entrarmos no mérito qualitativo das obras e das problemáticas inerentes à política habitacional, o Programa Minha Casa Minha Vida marca um período da história do país onde a produção de moradias sociais alcança novamente um novo patamar produtivo.