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CAPÍTULO IV- O G20 FINANCEIRO E O BRASIL NO SISTEMA MUNDIAL CONTEMPORÂNEO

5.0. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Destarte, é possível interpretar a política exterior do Brasil no G20 financeiro através da guerra de posição para reforma da governança econômica mundial. De um lado, os arranjos de constrangimentos que permeiam o sistema internacional por parte das estruturas hegemônicas de poder não corresponde aos interesses brasileiros em descentralizar as decisões de governança econômica mundial. Ao mesmo tempo, limitações do modelo de uma economia em desenvolvimento do país dificultou o Brasil alcançar melhores posições no cenário global. O governo brasileiro, por sua vez, procurou compensar essas limitações imprimindo uma política externa ativa, buscando crescente protagonismo nas discussões internacionais. Em busca desta visibilidade, os governos Lula não cometeram os erros da concepção de que a política externa por si só garantiria ao Brasil chegar aos níveis dos países centrais das estruturas hegemônicas de poder37.Tampouco trabalhou com a exclusividade, a exemplo da diplomacia de Médici, ou seja, procurou apoio nos países subdesenvolvidos.

Na verdade, os governos Lula retomaram a ideia das reformas da governança econômica mundial enquanto fruto de uma ação coletiva que pressionasse os países desenvolvidos. Entretanto, percebe-se no período Lula ações mais delineadas, baseadas em um arranjo de coalizão que abarca as economias emergentes do sistema internacional. Dizer isto é dizer que a concepção do BRICS mostrou-se mais propicia em pressionar as estruturas hegemônicas de poder para as reformas de governança internacional. Se no período Geisel o Brasil buscou se apresentar como a liderança dos países do terceiro-mundo, na governança econômica do século XXI o governo brasileiro foi mais realista na situação internacional do Brasil. As iniciativas para as reformas da governança econômica mundial não passam, agora, pelo interesse de um ator sustentado por outros, mas de uma aliança de coalização composta por atores estratégicos na construção da economia política global contemporânea. Neste sentido, o BRICS

37 Faz-se necessária a salientar que a ideia de possibilidade para novas articulações de natureza contra-

hegemônica – no intuito de descentralizar as decisões dos países das estruturas hegemônicas de poder – é distinta da a ideia de probabilidade. Em nossa concepção - mesmo no G20 financeiro com o crescimento da importância dos países em desenvolvimento - é falho afirmar que os arranjos do poder global das estruturas hegemônicas são fragilizados em larga medida. Pelo contrário, continuam fortes. No entanto, ainda sim, o G20 financeiro não é um ambiente estático. Ou seja, é possível organizar forças sociais – em termos coxianos – que possam modificar tais arranjos.

consegue fornecer mais respostas de mudança do que em uma única diplomacia que se definia como representante dos países de fora das estruturas hegemônicas. O Brasil viu, no G20 financeiro, a ocasião de avançar na conquista de espaços na governança econômica. Destarte, o governo brasileiro utilizou-se do BRICS para sustentar seus interesses de reforma, elemento comum em todos os Estados do acrônimo. Nas palavras do diplomata Rubens Barbosa (2013,p.349):

Do ponto de vista do Brasil, sua inclusão ao lado da China, Índia e Rússia talvez tenha sido o fator individual de maior relevância para projetá-lo externamente. Nenhuma campanha de divulgação do Brasil conseguiria essa façanha de marketing em tão curto espaço de tempo. Sem pedir, nem gastar recursos do Tesouro, passamos a integrar o grupo dos países emergentes mais importantes em um movimento que normalmente levaria décadas para ocorrer.

No âmbito do G20 financeiro, algumas iniciativas importantes foram tomadas como, por exemplo, a presidência do Brasil no fórum em 2008, participação de novos Estados, propiciando novas possibilidades de processos de cooptação e fragmentação em contraposição ao oligopólio de interesses dos países das estruturas hegemônicas de poder. No âmbito do BRICS, a criação da estrutura do grupo, a realização de reuniões, as iniciativas institucionais em comum como a criação do Banco de Desenvolvimento, constituem, em termos neogramscianos, uma contra-hegemonia - ainda que não revolucionária - no sistema internacional.

Nos anos Lula, o Brasil dava sinais que a guerra de posição traria frutos para a inserção internacional do país. Entretanto, tal período em que o Brasil trouxe a guerra de posição em sua política externa foi um tanto curto, impedindo que o país alçasse um posicionamento melhor na governança econômica global. Os fatores que impediram a continuação deste estilo de política externa para a reforma da governança econômica mundial variam, seja a forma como se instaurou a diplomacia no governo Dilma, seja os desdobramentos da crise econômica mundial como também as falhas nas políticas macroeconômicas do Brasil.

É razoável afirmar que o então governo do presidente Michel Temer trouxe maiores dificuldades para a ampliação do poder dissuasório do Brasil, tanto no aprofundamento da crise com medidas econômicas oriundas da ortodoxia neoliberal quanto na legitimidade política. Não houve uma manifestação da comunidade internacional de não reconhecimento do governo. No entanto, é possível identificar

gestos simbólicos com relação ao novo presidente. Na 11ª Cúpula do G20 financeiro realizada em Hangzhou, na China, Temer aparece à margem na foto oficial, diferentemente de Lula e Dilma que, em Cúpulas anteriores, estavam no centro da imagem. É claro que tal situação não pode ser determinada como um reflexo da realidade do Brasil no cenário mundial sob o mandato de Temer. Entretanto, simboliza a circunstância do presente governo, que chegou à reunião tendo um dos piores desempenhos econômicos de todo o grupo (ROSSI, 2016).

Portanto, argumentamos que a ampliação do poder dissuasório requer, dentre os anseios da própria política externa, uma melhora nos índices econômicos, sejam eles conjunturais, através do crescimento, seja estrutural, através de um planejamento estratégico que desenvolva uma complexidade econômica interna. A Guerra de Posição, por seu turno, interpreta-se mais como uma resposta à crise da arquitetura financeira global e o aumento da importância do Brasil na economia mundial do que necessariamente uma estratégia de política externa. As limitações no hard power do Brasil contribuiu para uma política mais ousada quando também era sustentada por outras economias emergentes. O governo brasileiro buscou a conquista gradual de espaços dentro das discussões no G20 financeiro, ao passo que o BRICS tornou-se peça chave no acesso do país às possibilidades de contribuir para a reforma da governança econômica mundial.

No entanto, não se pode afirmar que a forma como o Brasil atuou no grupo parte das raízes do pensamento gramsciano. Até porque, qualquer discurso mais radical tornou-se muito mais visto na retórica e pouco na prática. Em outros termos, o caráter revolucionário da Guerra de Posição não pode ser visto. Neste sentido, utilizamos o termo Guerra de Posição como processo para alçar melhores posições de influência no campo da governança econômica e não como um projeto revolucionário de reestruturação dos arranjos de constrangimentos das estruturas hegemônicas.

Por fim, consideramos três componentes chaves para explicitar a guerra de posição na política externa brasileira: a) estrutura organizacional – G20 financeiro; b) poder dissuasório – capacidade de influenciar o sistema internacional através da construção de uma política externa soberana; c) capacidades materiais – hard power e estrutura econômica. Os avanços e as limitações dos mesmos contribuem para o entendimento da inserção internacional do Brasil no G20 financeiro.