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Ao longo da presente dissertação, pudemos percorrer um caminho que teve início na foraclusão enquanto uma noção propriamente lacaniana, porém considerando a sua inspiração em Freud, e culminou na questão do Outro e do supereu. Vislumbramos, primeiramente, a lógica pela qual se dá o processo da foraclusão do Nome-do-Pai, tendo em vista a falha na etapa da metáfora paterna do enigma do desejo da mãe. Pudemos constatar, também, algo de cunho constituinte e intrínseco na estruturação subjetiva relativo à foraclusão, a saber, a foraclusão originária, a qual, como vimos, representaria uma falha de saída no processo constitutivo do sujeito. Foi a nós possível desenvolver algumas ideias acerca dos efeitos de tais foraclusões, bem como de suas interações, sem nos isentar de lidar com as implicações disso para o Outro.

Foi assim que, num segundo momento, trouxemos a questão do Outro, a fim de que pudéssemos desenvolvê-la enquanto conceito, mas sobretudo enquanto plot fundamental na estruturação subjetiva, seja qual for a estrutura. Deste modo, caminhamos com Lacan por um primeiro Outro de cunho absoluto, o garante da verdade, até aquele que tinha implícito em si uma inconsistência e que implica o fading do sujeito quando este pergunta: Che voi? No que concerne a um Outro em Schreber, notamos este último enquanto objeto do primeiro, porém, essa noção é típica e, se considerada de maneira não crítica, parece esgotar o que se pode dizer sobre a relação entre o psicótico e o Outro. Foi nesse sentido que observamos certas peculiaridades que nos permitem avançar em relação a esta noção. Tais peculiaridades consistiram justamente nas manifestações de subversão das imposições vindas desse Outro, de maneira que, esse elemento demonstra especificamente uma insuficiência do Outro. Ora, como pudemos ver, a própria imposição de gozo feita por Deus lhe implica uma certa insuficiência.

Vimos em Schreber esse Outro representado por uma função impulsionadora do sujeito, no que diz respeito ao desenvolvimento delirante, mas, que por definição, não poderia estar nunca encarnado numa figura específica.

Deste modo, apesar de tentador, não nos coube equivaler a função do Outro às figuras perseguidoras presentes no delírio schreberiano. Pois em relação a elas há todas as intempéries que podemos observar numa relação imaginária, isto é, a agressividade, rivalidade, e tudo aquilo que se implica da dialética do um ou outro. Isso fica claro em Schreber, na medida em que, por meio de seu pensamento há riscos para a existência divina, além de considerarmos todas as subversões de Schreber para com as imposições de Deus, o que denota uma inconfundível rivalidade e tentativa de desautorização. Ou seja, estamos aqui,

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neste âmbito, tratando de um pequeno outro, que não deixa também de ter suas particularidades, a saber, de ser permeado por algo Outro. Como já dissemos, este panorama é representado em Schreber pelas diversas fragmentações das figuras perseguidoras, mas que ao mesmo tempo apresenta um senso de unidade ao nosso presidente. A partir disso, pudemos relativizar a tese de um Outro absoluto na paranoia, pois deve-se mensurar que absolutez seria essa. Quinet (2011) nos fala de um Outro absoluto em Schreber, equivalente à noção de Pai totêmico que nos é familiar. Ora, Lacan equivale o Pai totêmico à figura do Pai imaginário, justamente aquele que faz emergir as adversidades desse registro e é, por consequência, terrificante, justamente por estar encarnado. Constatamos aqui uma absolutez relativa à não castração deste Outro, isto é, por lhe faltar uma das dimensões da falta, este não seria barrado. Obviamente, como já fora exaustivamente dito, isso implica a não assimilação pelo sujeito de tal alteridade, dando-lhe o caráter inflexível e sem dialética. No entanto, ao relembrarmos de algumas considerações feitas no primeiro capítulo do presente trabalho, notamos rapidamente que este Outro absoluto já apresenta de saída uma falta, a saber, a chamada foraclusão originária. Nossa hipótese corrobora a favor da correspondência entre a hiância cultural e a foraclusão originária, sendo esta última, portanto, estritamente intrínseca ao próprio processo de estruturação, pois é tal hiância denunciada por um simbólico anterior ao próprio advento do sujeito que permite a constituição do imaginário e a posterior ascensão do sujeito ao registro simbólico. Há, portanto, uma rejeição intrínseca à própria Bejahung. Ora, quando Lacan nos diz que o inconsciente é o discurso do Outro, não se trata de uma atribuição de propriedade de tal discurso, mas sim da origem deste. O inconsciente é o discurso a partir de desde Outro. Esta foraclusão tem seus efeitos em quaisquer estruturas, inclusive na de Schreber, na qual não há sequer a castração como recurso simbólico ao sujeito a fim de que tal falta seja nomeada ou localizada em sua história, denunciando neste sentido, que este Outro absoluto é inconsistente enquanto Outro. Isso é justificado justamente pelas suscetibilidades aos efeitos do imaginário – rivalidade, agressividade, morte – daí decorre a nossa dificuldade em diferenciar o pequeno outro do grande Outro no contexto Schreberiano.

Por fim, num terceiro momento, a partir dos desenvolvimentos supracitados, chegamos a algumas conclusões acerca do supereu em relação à estrutura psicótica. O que está exposto nos dois primeiros capítulos argumenta justamente ao fato de que o Nome-do-Pai quando inscrito possibilita ao sujeito se posicionar em relação à foraclusão originária e, consequentemente, à inconsistência do Outro, por meio da cifração de seu gozo pela via significante. Não é à toa que Lacan denomina o significante do Nome-do-Pai como aquele responsável pela mediação do sujeito com os outros significantes. (LACAN, 1955-1956/2010).

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Caso este significante especial não esteja inscrito, observamos o sujeito absorto no enigma da hiância do Outro. E aqui encontramos tanto o sujeito paranoico quanto sua figura perseguidora a mercê de uma foraclusão originária. “Pois já desde antes abrira-se para ele, no campo do imaginário, a hiância que correspondia à falta da metáfora simbólica, aquela que só poderia encontrar meios de se resolver na efetivação da emasculação”. (LACAN, 1957- 58/1998, p. 570). Esse contexto lhe deixa entregue ao resto de palavra solta do Outro que tentamos, de maneira tão ardil, delimitar na presente pesquisa, a saber, o supereu. Ora, tanto Schreber, como seu próprio Deus estavam submetidos a uma ordem, a essa alteridade extremamente radical. Schreber inicialmente questiona as imposições divinas justamente pelo fato destas estarem em divergência com esta ordem. E tal divergência é – como nos retrata Schreber em suas memórias – sua principal fonte de angústia. Inclinamo-nos a afirmar, portanto, que se trata de uma sobreposição do Nome-do-Pai, quando este está inscrito, ao supereu, o qual não deixa de maneira alguma de ter seus efeitos. Dessa maneira, a psicose nos revelaria um supereu desarticulado de um Nome-do-Pai, pois não há nada no Outro que o capture minimamente.

Deste modo, repetimos, a fim de evidenciar o problema ao redor do qual girou – e não para de girar – nossa pesquisa, o seguinte questionamento: Qual é a implicação da foraclusão do Nome-do-Pai à maneira como o Outro e o supereu se postam na estrutura psicótica? Ora, pudemos ver que esta questão nos abre muito mais caminhos do que os fecha. Por isso, devemos ressaltar o caráter inacabado de nosso interesse sobre o tema, bem como a potencialidade acadêmica que este tem. Logo, expomos aqui nosso interesse em retomar a atividade de pesquisa com algum tema derivado do presente, isto é, detendo-nos em algum dos inumeráveis caminhos que nossa questão nos abriu. Pois o que Schreber nos ensina diz respeito a um caminho específico para a estabilização na paranoia, de modo que, não deixamos de reconhecer outros. Lacan nos fala de outros caminhos de estabilização num segundo momento de sua obra, utilizando como exemplo por excelência James Joyce. O que de modo algum nos faz deixar de reconhecer a verdade a legitimidade no caminho schrebiano de estabilização pela metáfora delirante. Nosso paranoico fora capaz de assimilar, à sua maneira, um legado que (não) lhe cabia.

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