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Ofício Tenente Coronel Luís dos Santos Paiva, 29.04.1824, BNRJ, Documentos Biográficos, C931- 1.

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No inventário do Barão e Baronesa do Serro Largo, constam quatro sesmarias (uma na costa do Ibirapuitã, uma na costa da Boa Vista, uma na costa do Pai Paço e uma no Inhanduí). Mais uma parte de campo, um rincão (no Arroio dos Ratos e outro em Viamão), uma charqueada em Novo Triunfo, três sítios (um em Porto Alegre, um no morro de Santana e um no Mato Grosso) (APERS, ano 1849, autos n.13, maço n.1, estante 68, Alegrete, Cartório do Civil, Inventário)). Ainda tivemos notícia de mais dois campos pertencentes a Abreu, que ficavam além do Quaraí, território incorporado após 1820. Nessa mesma região seus filhos, Cândido, Cláudio e Manuel possuíam sesmarias (AHRS, F1238, 04.07.823; AHRS, F1238, 31.05.1822; AHRS, F1238, 29.05.1822; AHRS, 1238, 10.07.1822. Agradecemos Prof.ª Helen Osório pela cessão das referências).

José de Abreu saía de uma família de poucos recursos, viveram poucas oportunidades de ascensão econômica e social. Nesse sentido, não conseguimos atestar se os pais deixaram a José de Abreu e a seus irmãos alguma forma de herança material ou imaterial. A opção pela vida militar parece ter sido uma forma de encontrar melhores condições econômicas, mas, em seus primeiros dez anos como militar de infantaria, não logrou nenhuma promoção. O casamento com Maria Feliciana Silveira em 1794, por acaso ou não, coincidia com a mudança de sua situação na hierarquia do exército. Nos próximos dez anos, José de Abreu não ficaria parado no mesmo cargo, pelo contrário, já seria Alferes do Regimento de Rio Pardo, comandando uma guarda avançada no território de Missões.

Estabelecer relacionamentos com os superiores militares, originários das tradicionais famílias de elite rio-grandense, e com os demarcadores de terras da Comissão de 1784, parece ter sido fundamental para a ascensão social do personagem em questão. O uso do seu dom, o “desempenho militar” conforme reiteradamente é afirmado, o faziam “merecedor” das promoções que se serviu no inicio do século XIX. Para além do “prestígio”, seu sucesso estava ligado ao seu cabedal militar, que era construído a partir de uma série de elementos, conforme a definição mais precisa de Luís A. Farinatti (2007):

[...] esse era formado, exatamente, por sua capacidade de conseguir homens, cavalos, suprimentos, por seu conhecimento das guerras do sul, por suas relações com lideranças platinas. Um cabedal militar sólido embasava o grau de autonomia relativa desses comandantes, ou seja, suas possibilidades de posicionar-se nas guerras e alianças instáveis do sul, de se tornar aliado desejável para os lados em luta, de poder negociar sua entrada nas guerras, de forma que considerasse mais adequada e vantajosa. Essa capacidade, por sua vez, dependia de também saber negociar com aliados e subalternos( FARINATTI, 2007,p.179-180).

A partida para uma terra de fronteira entre espanhóis e portugueses, entre índios e europeus, e a conjuntura de guerra dariam a oportunidade necessária para Abreu crescer no aparelho administrativo da capitania e na hierarquia militar. Estabelecendo alguma forma de comunicação com os habitantes nativos desse território, Abreu pode se posicionar como um mediador, um tradutor entre a administração do Rio Grande de São Pedro (e a partir daí com a Corte) e os distantes domínios fronteiriços em processo de conquista.

A carreira militar não trazia oportunidade para todos, uma boa parcela dos que combateram nas guerras de conquista nunca saíram de uma posição

subalterna. As famílias que já haviam feito seus nomes nas guerras de conquista dos Setecentos concentravam terras, títulos e os principais cargos militares, para acessar esse restrito círculo de recursos era necessário se aproximar de homens das tradicionais famílias guerreiras do Rio Grande, homens como Sebastião Pereira Pinto e João de Deus Mena Barreto. Era preciso ter a boa consideração dos superiores como Patrício Corrêa da Câmara e Joaquim Xavier Curado. Nesse sentido, o exército era o lugar para despontar lealdades e o companheirismo entre homens que lutavam lado a lado, mas não eram iguais. O relacionamento podia ser sacralizado na pia batismal onde os indivíduos eram tornados “parentes”. O estudo da trajetória de Abreu, talvez, esconda quão poucos eram os afortunados que faziam seu nome e fortuna nas guerras. O “fazer-se” elite exigia um pouco de estar no lugar certo na hora certa, mas dizia respeito, principalmente, de comprovar suas qualidades (seu dom) diante dos seus iguais e superiores.

Resta agora analisar como, a partir do exercício militar, Abreu teve acesso a terras, e influência na administração do território fronteiriço do distrito de Entre Rios. Assim, cada vez mais sua atuação como um agente do Estado lhe daria oportunidades de agregar relacionamentos (com jovens oficiais, com a população local e indígena missioneira) a seu cabedal social, que por sua vez seriam convertidos em maiores concessões mercês por parte da Coroa.

2.“GUERREAR E POVOAR NA FRONTEIRA: A ADMNISTRAÇÃO DE JOSÉ DE ABREU NO COMANDO DO DISTRITO DE ENTRE-RIOS (1814-1822)

Tinha vindo das guerras do outro tempo; foi um dos que peleou na batalha de Ituzaingo; foi do esquadrão do general José de Abreu. E sempre que falava no Anjo da Vitória ainda tirava o chapéu numa braçada larga, como se cumprimentasse alguém de muito respeito, numa distância muito longe(LOPES NETO, 1976 p.53).

José de Abreu seria lembrado como um dos maiores líderes guerreiros de seu tempo, seria consagrado como herói de uma era de revoluções, de um mundo um tanto selvagem, de uma terra de fronteira, aberta e conquistada à força. Nas primeiras décadas do século XIX, o território que formaria a porção oeste do Rio Grande do Sul era uma fronteira disputada entre portugueses, espanhóis e a população nativa da região. Foi durante este conturbado período que José de Abreu pode aproveitar das trocas de poder que aconteciam e, assim, Tornar-se uma poderosa e influente liderança da fronteira.

Neste capítulo, buscaremos entender esse período essencial para construção e fortalecimento do poder de José de Abreu. Entre os anos 1814 e 1822, ele exerceu o cargo de Comandante do Distrito de Entre Rios78, território compreendido entre os rios Quaraí, Ibirapuitan, Ibicuí e Uruguai (figura 4). Naquela região, os índios missioneiros haviam organizado suas estâncias durante o século XVIII e a invasão e conquista daquelas terras pelos luso-brasileiros levou a uma reestruturação do território a partir de uma nova lógica de ocupação, que tinha como fim efetivar o domínio sobre aquele espaço. Sobre tais terras, Abreu organizou a construção de uma capela que deu origem à vila de Alegrete, onde seriam aldeados os indígenas que lutavam com ele, também criou um corpo de cavalaria miliciana, distribuiu terras e recursos entre os homens que efetuaram a conquista e consolidou um poder que

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Osório (2015) esclarece que a designação “distrito” tinha um uso bastante amplo e, por vezes, impreciso, remetendo a diversas formas de divisão territorial, mas que, no entanto, era tida principalmente como uma divisão militar, refletindo uma circunscrição das tropas e ordenanças auxiliares. Edson Paniagua (2003) aponta quatro distritos pertencentes ao Departamento de Missões: “o Distrito de Missões” correspondendo aos Sete Povos; “o Distrito de São Diogo” delimitado pelos rios Santa Maria e Ibirapuitã; o “Distrito de Belém” entre os rios Uruguai, Quaraí e Arapey, e por fim, o “Distrito de Entre Rios”, como vimos, delimitado pelos rios Uruguai, Ibicuí, Ibirapuitã e Quaraí (figura 4). Tal divisão também nos foi sugerida pela documentação, no entanto, parece que como Belém acabou por ficar sobre administração de José de Abreu depois de 1820 (como veremos na terceira parte desse capítulo), esse território acaba por ser incorporado por Entre Rios, fazendo com que o distrito se estendesse desde o Ibicuí até o rio Arapey. Segundo Miguel Jaques Trindade (1985), ainda, o nome de “Território de Entre Rios” para essa região era utilizado antes da ocupação portuguesa daquele espaço (ver figura 8).

se alicerçava em uma rede de relações pautadas em trocas de reciprocidade desigual.

Figura 4. Mapa mostrando a região aproximada do Distrito de Entre Rios.

Fonte: Mapa adaptado de BELL, Stephen, 1998, p. 22. Apud. FARINATTI, 2010.

O território que José de Abreu ficara encarregado de povoar e de fixar a população local como súditos da Coroa lusa, estrategicamente, significava uma possibilidade de acesso rápido ao território de Missões, conquistado em 1801, em caso de ataque pelos inimigos espanhóis. Além disso, também representava um ponto avançado em relação aos campos da Banda Oriental, demarcando a intenção

lusa de domínio sobre aquele território. Assim, a partir da atuação de José de Abreu nesse importante espaço, queremos compreender as formas de apropriação e redistribuição de recursos, como terras e gado, em uma área de fronteira, mapear as relações sociais estabelecidas pelas trocas entre José de Abreu com a população instalada na região, e com os homens que, como ele, passaram a formar uma primeira geração da elite luso-brasileira naquela fronteira. O objetivo, então, é analisar as características da atuação de um agente do domínio luso-brasileiro em uma terra de fronteira recém-conquistada, no período colonial tardio, seu papel como mediador entre a Coroa e a população que se instalava naquele local, bem como os mecanismos do exercício do poder sobre aquele território.

Para tanto, utilizamos, como fontes, a documentação do Fundo Autoridades Militares do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Foram analisadas 145 cartas, em sua maioria, expedidas por José de Abreu entre os anos 1814-182279, que dão uma imagem acerca das demandas administrativas e militares do distrito. Entre elas, encontramos José de Abreu mediando disputas ou afirmando informações acerca da posse e propriedade da terra, organizando a povoação e narrando os enfrentamentos militares que participara. O referido fundo documental apresenta limitações, contendo informações por vezes bastante fragmentadas. Devido à falta de continuidade da correspondência de Abreu, é difícil acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e contendas relatadas. No entanto, mesmo que originando uma imagem parcial e incompleta, essa documentação nos ajudou a pensar acerca da ocupação daquele território nos primeiros anos de conquista e também a refletir sobre o processo de disputa pela terra que se formava na região.

Também contribuíram para o estudo os relatos de campanha publicados na Revista Histórica do Instituto Histórico do Brasil, como “Memórias da Campanha de 1816” por Arouche de Morais Lara, Capitão da Infantaria da Legião de São Paulo (volume 26, publicado em 1845) e “A celebração da paixão de Cristo entre os Guaranys”, de José Joaquim Machado de Oliveira, publicada em 1842. Por fim,

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Por vezes, acrescentamos a análise documentação encontrada referente aos anos 1810-1814, mas esta era bastante esparsa e não corresponde ao período que Abreu era Comandante da Fronteira; ou ainda, cartas de outras lideranças da fronteira como Francisco Chagas Santos, Joaquim Félix da Fonseca e Joaquim Xavier Curado.

empregamos também outras menções acerca de José de Abreu encontradas em escritos de viajantes, memorialistas e historiadores do período80.

Na primeira parte deste capítulo, trataremos do processo de expansão administrativa do Reinado luso sobre as terras da fronteira que foi aberta pela força das armas dos luso-brasileiros nas primeiras décadas do século XIX. Esse espaço era formado tanto pela estância missioneira do povo de Japejú quanto por terras de domínio charrua e minuano, consistindo, portanto, em uma fronteira instável. O cenário de disputas pela região tornava-se ainda mais complexo diante do contexto de revoluções do Prata a partir de 1810. Nesse sentido, é necessário entender a organização do território como estratégia de conquista.

Ao longo da segunda parte deste capítulo, buscaremos compreender a relação estabelecida entre José de Abreu com a população missioneira, sobretudo aquela que se instalou ao sul do Ibicuí no período em questão. As alianças com os índios foram essenciais no processo de expansão dos domínios meridionais portugueses no Brasil. Consolidar alianças com essa população parece ter sido um dos grandes recursos de Abreu para colocar-se como uma liderança importante na