Como foi observado nesta pesquisa, da passagem do latim para o português, diversas
mudanças ocorreram. Entretanto,a que se refere à mudança de caso, é considerada como uma das
mais importantes. Essa reanálise do sistema, também, conhecida como processo de sintaticização,
passou a exigir uma maior rigidez na ordem dos termos, na sentença. Isso resultou num uso cada
vez mais freqüente das preposições, que também auxiliam na marcação de caso, no português.
Este trabalho, de orientação pancrônica, está centrado em textos representativos dos séculos
XIV, já analisado por Poggio (1999), do XVI e XVII, ora em estudo, cuja delimitação está
pautada na gramaticalização da preposição a. Também, são analisadas as interferências
semânticas entre as preposições a, em e para, ao longo desses três séculos.
Com relação às mudanças gramaticais, observou-se que a sofreu um rico processo de
recategorização sintática e de semanticização, ao compor, respectivamente, não só locuções
adverbiais e conjuntivas, mas também locuções prepositivas e verbais. Além disso, houve
morfologização, com um acentuado desbotamento semântico, quando a preposição se torna um
afixo derivacional (prefixo a-). Outro aspecto que vale a pena ressaltar, foi a redução fonológica
da preposição latina ad, quando da sua passagem para o seu reflexo português a, através da
redução da consoante final [-d].
Verificou-se também que o item a apresenta os seguintes princípios estabelecidos por P.
Hopper: o de estratificação, o de divergência e o de persistência.
De acordo com a análise do corpus estudado, a preposição a vem passando por um rico
processo de gramaticalização – processo gradual e contínuo. Esse processo vem se
desenvolvendo desde a sua passagem do latim ao português arcaico (séc. XIV), passando pelo
português moderno (séc. XVI), atravessando o século XVII até a atualidade (séc. XX), através do
Num nível mais elevado de gramaticalização, foram encontradas ocorrências de a como
prefixo, como já observado, anteriormente, ocorre, nesses casos, um processo de enfraquecimento
semântico, que leva, algumas vezes, ao desaparecimento de seu sentido de base, quando a passa a
compor um novo vocábulo, correspondendo à última etapa dos processos de recategorização e de
morfologização, apontados por Castilho (1997a, p. 39).
Verificou-se que a preposição a foi encontrada em maior números de vezes em seu valor
semântico básico, mas ela também foi empregada para expressar diversas outras ampliações de
sentido, fato que confirma a teoria semântica do localismo , pois esse termo relacional foi
inicialmente usada no seu sentido base ´espaço: direção`, passando para o uso temporal
(metaforicamente mais próximo do sentido literal) e, finalmente,chegando aos sentidos mais
abstratos, numa escala progressiva e gradual de abstratização.
No que se refere à teoria dos protótipos, versão polissêmica, verificou-se que, em seu
estudo comparativo com os séculos XIV, XVI E XVII, seu sentido base ‘espaço/direção’ foi o
mais freqüente, resultando em 80,6 % das ocorrências, no século XIV, 43,6 %, para o XVI e 41,7
%, no XVII, contra 5,6 %, no XIV, 23,7 %, em XVI e 37,1 % para o XVII, representando outros
valores semânticos. Esses dados, portanto, levam à identificação da acepção ‘espaço: direção’
como o sentido mais prototípico, dentro dos recortes sincrônicos estudados. Contudo, o item a é
cada vez mais usual nas acepções abstratas, conforme demonstrado na Tabela nº. 5, de freqüência.
Em seu processo de metaforização, a apresenta ampliação do seu uso, desde alterações
semânticas até a interferência no campo semântic o de outras preposições. Neste estudo,
confirmou-se a interferência semântica sofrida por a , pela preposição para, que apresentou os
seguintes valores percentuais: 23,7 % para o século XIV, 10,0 % para o XVI e 27,3 % para o
XVII (cf. Tabela no 6). Isso confirma que o século XVII é, dentre esses recortes, o mais
representativo no que se refere às interferências por que vem passando o item a, ao longo desses
Entretanto, os dados não foram suficientes para confirmar as interferências semânticas por
que vem passando a, na atualidade, pela preposição em. A análise quantitativa demonstrou que
houve redução no uso da preposição em, em acepção diretiva, pois o seu uso passou de 12,2 %, no
século XIV, para 4,0 %, em XVI e para 0,6 %, no XVII (cf. Tabela no 6). Isso pode significar que
ou esse tipo de corpus não revela a mudança, ou essa interferência é mais recente na língua.
Por outro lado, os dados confirmaram ampla extensão do uso de a em sentido locativo, tanto
na acepção espacial como na temporal, denotando certa interferência no campo semântico da
preposição em. A preposição a passou de 5 (cinco) ocorrências, no século XIV, para 91 (noventa e
uma), no XVI e 54 (cinqüenta e quatro), no XVII, na acepção espacial. Já a acepção ‘tempo:
localização’ do item a cresceu de 12 (doze) ocorrências, no século XIV, para 85 (oitenta e cinco),
no XVI e 58 (cinqüenta e oito), no XVII (cf. Tabela no 2).
No entanto, diversos autores afirmam que, atualmente, o item a vem cedendo espaço para as
preposições em e para, no sentido de ´espaço: direção `. Dentre esses autores, destaca-se, em
especial, o trabalho realizado por Pontes (1992), a respeito das categorias de espaço e tempo na
língua portuguesa.
Já com relação à acepção ‘tempo/direção’, a análise constatou que tanto a , quanto para
encontram-se em amplo processo de variação, devido ao fato de ter havido um certo equilíbrio nos
seus usos.
Com isso, depreende-se do exposto que, tanto o estudo semântico – teoria localista e dos
protótipos -, quanto o da gramaticalização, dentre outros processos lingüísticos, podem, esclarecer
muitos processos de mudança lingüística, a saber, os processos de gramaticalização por que vem
passando a preposição a. Afinal, como afirma Neves (2001, p. 20), muitas formas apresentadas
pelo sistema como absolutamente estáveis, mudam, dadas certas condições de lugar, adquirem