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Enéada VI, 9

Neste trabalho tomamos como ponto de partida duas grandes linhas interpretativas de Platão. A primeira, que remete à preeminência e à absoluta autonomia dos escritos, permitiu analisar a significativa contribuição de Schleiermacher aos estudos platônicos. A segunda, que afirma a insuficiência da obra dialógica e sua necessária complementação por meio do ensinamento oral intra-acadêmico, analisou a crítica à escrita presente no Fedro e na Carta VII, e coligiu importantes testemunhos da tradição indireta, seja de discípulos da Primeira Academia, como é o caso de Aristóteles, seja de comentadores que fizeram referências às doutrinas não escritas ao longo da história do platonismo.

Buscamos apoio na escola de Tübingen-Milão e em renomados comentadores de Platão, para avaliar o peso que a tradição indireta exerce na compreensão do platonismo, e se ela teria a capacidade de levar à reinterpretação substancial da filosofia platônica. Nesse intuito, também recorremos a pensadores pré-socráticos, assim como à análise detida dos próprios Diálogos e das Cartas. Com isso foi possível mostrar que o Platão que emerge da tradição indireta valoriza em demasia a escrita, que explora às últimas possibilidades, mesmo que seja para demonstrar a insuficiência e a rigidez da palavra escrita em face do nobre propósito de conduzir almas em direção ao Bem e ao Belo.

Logo, procuramos mostrar que a obra dialógica de Platão remete a coisas de maior valor, em direção às quais o mestre dialético é sempre capaz de prestar auxílio, desde que os aspirantes se revelem aptos à filosofia, para usar a linguagem do Fedro. Caso contrário, haverá a retenção intencional do saber, como ocorre com a palavra escrita, que é incapaz de avaliar aqueles que a ela terão acesso. Assim, evidenciamos que a linguagem e o método dos Diálogos sempre ensejam uma complementação posterior. Mostramos, ainda, por meio dos principais testemunhos da tradição indireta, que as doutrinas não escritas vão além da obra dialógica, pois são recorrentes as menções a níveis ontológicos que transcendem as Ideias.

No segundo capítulo mostramos que os filósofos neoplatônicos não quiseram criar uma nova escola de pensamento, mas apenas resgatar o ensinamento do fundador da Academia, motivo pelo qual se denominavam simplesmente platônicos. A partir daí, apresentamos Plotino como

artífice de uma nova articulação do platonismo, devedora, é bem verdade, dos Diálogos e das Cartas, citados em profusão, mas sob influência decisiva da tradição indireta, a partir da leitura da Metafísica de Aristóteles, conforme referido expressamente na Vita Plotini, escrita por Porfírio. Plotino equipara o Uno das Enéadas ao Um das doutrinas não escritas e ao Bem de A República, elevando-o à condição de fundamento metafísico das Ideias, em sintonia com a doutrina dos princípios e dos múltiplos níveis de ser reservados ao ensinamento intra- acadêmico.

Com tal intuito, revisitamos a filosofia plotiniana, mostrando como o licopolitano transita nos meandros da tradição platônica, como recepciona os problemas filosóficos do platonismo e em que medida as soluções que apresenta se aproximam ou se distanciam daquelas propostas por Platão. Destacamos, sobretudo, o paralelo estrutural entre os dois sistemas de pensamento, ambos fundados na concepção cíclica do universo, de uma descida do Uno ao Múltiplo, com o consequente retorno do Múltiplo ao Uno. Nesses extremos, abordamos a concepção antropológica de cada pensador, que precisa dar conta das capacidades de o ser humano ascender aos níveis mais elevados do Ser.

Plotino, sob o influxo da tradição indireta, quer ascender ao que está além do Ser, quer chegar ao Uno-Bem. Para tanto, estabelece a correlação entre sujeito e objeto de contemplação no âmbito da Segunda Hipóstase. Com isso, transcende o âmbito da razão discursiva, pois no Intelecto o conhecimento se dá por meio da visão direta, uma fusão entre o conhecedor e o conhecido. Todavia, ainda faltará um passo em direção à unificação, a absoluta simplicidade a que o licopolitano pretende ascender com a superação de toda alteridade. Isso será possível porque tanto em Plotino quanto no Platão das doutrinas não escritas, o universo inteiro decorre de um primeiro princípio, portanto, no ensinamento plotiniano, a alma humana traz em si os vestígios dessa realidade mais plena a que aspira ascender. Platão trata da assimilação ao Bem, mas não elabora de forma tão detalhada quanto Plotino a possibilidade de chegar ao além do Ser e ao fim da viagem, para usar a terminologia de A República.

No último capítulo estabelecemos a correlação entre a hénôsis plotiniana e a ascensão dialética em Platão. Para isso, tomamos com o ponto de partida a correspondência estrutural da dimensão inteligível nos dois sistemas, mostrando como a Carta II e o Parmênides foram recepcionados nas Enéadas. Destacamos que os dois momentos da filosofia plotiniana reproduzem a concepção dialética de Platão, tanto no seu aspecto descensional, quanto no seu retorno à

origem. Indicamos como o Fédon e A República foram fundamentais para a metafísica neoplatônica, mas que a tradição indireta fornece alicerces mais sólidos para a ascese plotiniana. Por fim, tratamos da erótica platônica desde o Lísis, o Fedro e O Banquete, mostrando a forte influência que esses Diálogos exercem sobre Plotino, a exemplo dos tratados Sobre o Belo, Sobre a Beleza Inteligível e Sobre o Amor. Mostramos, no entanto, que esse caminho apontado nas obras escritas deve ser complementado com a doutrina dos princípios e com a perspectiva dos múltiplos níveis de ser, pois foi exatamente aí que Plotino encontrou elementos para a superação de toda a dualidade, para a unificação com o Uno-Bem, para a hénôsis. Descortinamos, dessa forma, novos horizontes ao aprofundamento dos estudos platônicos, desafio sempre presente para a filosofia de todos os tempos.

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