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O caminho por nós percorrido, buscou identificar quais as representações construídas a partir de alguns clássicos da historiografia brasileira, acerca dos nossos povos indígenas. Partindo da ideia de que o conhecimento histórico, é por si só uma representação, já que o objeto de estudo do historiador é um objeto ausente, ou seja, atingido apenas a partir de vestígios do passado, aquilo que os historiadores produzem não vem a ser necessariamente uma verdade absoluta, mas sim uma representação dos fatos.

Essa representação no entanto, acaba por se tornar a forma pela qual o objeto descrito passa a ser visto, então quando os historiadores clássicos constroem uma representação dos povos indígenas, que nega suas autonomias, que não valoriza suas culturas, que ver esses povos na condição de povos estáticos no tempo e em vias de desaparecimento, a forma pela qual a sociedade os enxergará, tende a ser essa.

De acordo com o que foi exposto, as representações clássicas, pouco ajudam ou até mesmo operam no sentido contrário daquilo que os povos indígenas reivindicam para si atualmente, sendo necessário uma ruptura com essas representações, para que seja possível a construção de novas, fortalecendo os movimentos indígenas e possibilitando o amplo apoio da sociedade as suas causas. Não são as representações algo estático no tempo, elas mesmas participam de um movimento de construção e desconstrução contínuas, sendo muitas vezes produtos de pesquisas científicas, que vão servindo como fundamento para o senso comum.

Portanto, novas pesquisas amparadas em novos métodos e teorias, passam a criar condições propícias para construção dessas novas representações, entretanto ainda se torna necessário uma maior produção, e além disso formas de diálogo com a sociedade para desconstrução das representações anteriores, que em muitos casos ainda vigoram com bastante fôlego no senso comum.

O papel da história é de extrema importância na luta por direitos humanos, desde o fato de ser o direito a memória um direito humano, enquanto livre expressão e produção do saber, até o fato de ser o conhecimento do passado um caminho de extrema valia para fortalecimento das lutas contemporâneas, possibilitando que uma nova história seja escrita por aqueles grupos que sofreram violência no passado.

No Brasil contemporâneo, os povos indígenas precisam lutar cotidianamente para que direitos por eles já conquistados possam ser garantidos, além da garantia das suas reivindicações que o poder público ainda não as reconhece.

Como foi visto, reivindicações dos povos indígenas; direito a terra, autodeterminação e valorização da cultura indígena, correm sérios riscos no país atualmente, seja por medidas tomadas pelo governo, ou mesmo por não ter respaldo em grandes partes da sociedade brasileira.

Enquanto nação, o não reconhecimento da importância cultural indígena e de seus direitos básicos como política de Direitos Humanos, significa um não reconhecimento da sociedade brasileira com suas origens e desenvolvimento histórico-social.

Os povos indígenas, invisibilizados em boa parte da nossa historiografia, ou então vistos de uma forma pejorativa, foram e são de grande importância na história de nosso país, bem como a matriz étnica africana, pois muito da nossa cultura e costumes tiveram como fundamento as sociabilidades desses povos. Mas não apenas por isso, também por ser necessário dar dignidade a grupos historicamente marginalizados.

Uma política nacional de Direitos Humanos, que vise de fato melhorar as condições sociais do país, não pode furtar-se da responsabilidade com os povos indígenas, trazendo dignidade a esses povos, com a melhora das suas condições de vida, promovendo equidade étnica e social, bem como respeitando as diferenças culturais, ressaltando que cada povo segue caminhos históricos diferentes, e índios e não índios, apesar dessas diferenças, pertencem a um mesmo país, o que não significa que essa pertença venha a acarretar uma prática integracionista, pois dentro da pertença a uma mesma comunidade nacional, é direito de povos de uma etnia não hegemônica nesse território, terem total condição de se desenvolverem a partir dos caminhos que escolherem para si próprios.

Como diz Boaventura de Souza Santos, “Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza.” (Santos, 2013) Sendo assim, uma pretensa igualdade, entre os povos indígenas e os não indígenas, que não venha a ser construída a partir desses povos, pode resultar em uma descaracterização e violação de seus direitos, sendo essa postura algo que fica explícito nos pronunciamentos dos governos vistos anteriormente.

Um política de Direitos Humanos que vise a defesa dos povos indígenas, também nos mostra o quanto plural são os direitos humanos, não sendo unicamente destinados a um único tema, como pejorativamente é visto no Brasil, como “direitos de bandidos”, ao levantar a defesa do estado de direito, mas sim a importância dos direitos humanos para debates de gênero, igualdade étnica, direitos da criança e do adolescente, liberdade de expressão, etc.

É preciso que reconheçamos enquanto comunidade nacional, a importância dos povos indígenas em nossa formação, e mais do que isso, reconheçamos que muitos desses povos não fazem apenas parte dos livros de história, mas ainda existem, espalhados em todo território brasileiro, cada um com uma cultura própria e relações sociais específicas, podendo contribuir muito ainda para o nosso país.

No dizer da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha:

As culturas, constituem para a humanidade um patrimônio de diversidade, no sentido de apresentarem soluções de organização do pensamento e de exploração de um meio que é, ao mesmo tempo, social e natural. Como fez notar Lévi-Strauss em uma conferência feita no Japão, nesse sentido a sociodiversidade é tão preciosa quanto a biodiversidade. Creio, com efeito, que ela constitui essa reserva de achados na qual as futuras gerações poderão encontrar exemplos – e quem sabe novos pontos de partida – de processos e sínteses sociais já postos a prova. (CUNHA, 2012, p22)

Esperamos ter contribuído de alguma forma com essa pesquisa, tanto para os estudos acadêmicos, possibilitando um diálogo entre a historiografia e os direitos humanos, bem como na tentativa de problematização de um conhecimento histórico que condiz com os anseios dos movimentos indígenas contemporâneos.

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