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Sabemos que, assim como os hospitais nem sempre estiveram constituídos na qualidade de instituições médicas, as doenças mentais nem sempre integraram o rol das doenças, objeto de tratamento médico. Também é sabido que, até recentemente, a assistência destinada aos portadores de sofrimento psíquico, se caracterizava, principalmente, pela prática de retirá-los do convívio social e interná-los em instituições psiquiátricas, ou seja, uma assistência caracterizada pela exclusão e reclusão dos indivíduos, contribuindo assim para a institucionalização e cronificação do sujeito.

Ao abordar a problemática da internação e da exclusão, através da teoria de Foucault, percebe-se que esta foi historicamente construída ao longo das épocas. A forma como Foucault descreve a história da loucura deixa bem claro qual foi o papel dos portadores de sofrimento psíquico nas sociedades ocidentais ao longo dos anos. Desta forma, consideramos indispensável esta retomada histórica, por entendermos ser fundamental para a compreensão do processo histórico que resultou na percepção da doença mental presente na atualidade. Assim, a exclusão e a reclusão são fatores que explicam sistematicamente de que forma se deu a institucionalização da loucura, e o processo de estigmatização pelo qual passou, que se reproduziu em toda a história até a atualidade.

Com isso, verificou-se o surgimento de várias manifestações sociais com vistas à desinstitucionalização. E que, apesar da existência no contexto internacional de movimentos sociais em saúde mental propondo tratamentos mais humanizados e menos segregadores, no Brasil a atenção aos portadores de sofrimento psíquico continua sendo associada a internações em instituições psiquiátricas e tratamentos ineficazes onde condições de maus tratos, superlotação e exclusão são características. Assim, o hospital psiquiátrico ainda constitui uma das respostas mais freqüentes ao sofrimento psíquico, mesmo que considerado um espaço

ineficaz, onde predomina o modelo de atendimento hospitalocêntrico e sintomatológico, e apontado como um dos principais fatores responsáveis pela cronificação e institucionalização dos portadores de sofrimento psíquico.

O movimento nomeado de Reforma Psiquiátrica surge como conseqüência da preocupação social, após diversos episódios de confinamento, tortura e maus tratos, divulgados pela mídia. A partir de então, buscou-se alcançar um modelo de assistência onde o tratamento fosse mais humanizado, e que objetivasse a redução dos leitos psiquiátricos, fazendo com que o paciente permanecesse mais tempo com a família e convivesse no meio social.

Desta forma, pode-se concluir por este estudo que a atenção à saúde mental no Brasil ocupou, e ainda ocupa, na sociedade, um lugar demasiado restrito e pouco amparado pelo Estado que, de forma ainda deficiente, busca desvincular a idéia de maus tratos e exclusão do portador de sofrimento psíquico. E, apesar de não se ter mais, teoricamente, o objetivo de punição ou reeducação, estas instituições ainda apresentam estas características. A exclusão se torna exacerbada, a ponto de encobrir maus tratos e tratamentos desumanos e cruéis, que por vezes só vêm à luz quando extremados.

Diante do exposto, percebe-se que tratamentos inadequados dispensados aos portadores de sofrimento psíquico dentro das instituições psiquiátricas são agravados pelo modelo de internação, uma vez que, nestes espaços, o doente encontra-se privado do contato com o mundo e sem defesas, tendo a sua capacidade de autonomia comprometida.

De acordo com o que foi explorado acerca da reforma psiquiátrica, pode-se perceber que para se alcançar os objetivos principais de inclusão social dos portadores de sofrimento psíquico e o resgate de sua cidadania, se faz de grande importância o questionamento do paradigma psiquiátrico. Já que é a partir deste paradigma que se legitimam a loucura enquanto doença e irracionalidade, conceitos que justificam um tratamento de exclusão e tutela. Pois

que este modelo assistencial dispensado às pessoas com transtornos mentais, baseado na internação, leva à exclusão, e conseqüentemente a violações dos direitos humanos.

Assim, tal reforma deve ser feita de forma mais contundente e eficaz por parte do Estado e seus agentes. É importante lembrar que a proposta da reforma psiquiátrica não consiste apenas em uma transformação meramente assistencial, mas sim em uma mudança de paradigma no que se refere ao modo de conceber o outro, o diferente. Isso implica em uma progressiva mudança de mentalidade e comportamento da sociedade e dos profissionais de saúde para com os usuários de saúde mental, requerendo também um investimento nos aspectos sadios dos portadores de sofrimento psíquico, com vistas à sua reinserção na sociedade, resgatando sua dignidade e respeito que foram negados. Dessa forma, as transformações devem ocorrer não apenas na estrutura, mas também e principalmente no espaço social, uma mudança do olhar sobre o sofrimento psíquico.

De outra parte, os serviços substitutivos foram surgindo e desenvolvendo-se de forma razoável e estão entre as maiores conquistas da luta antimanicomial. Assim, os Centros de Atenção Psicossocial, como um novo dispositivo terapêutico da reforma psiquiátrica, se deparam com um grande desafio que é o de não retroceder e repetir a lógica asilar ao se colocar apenas como mais um meio terapêutico que proporciona aos seus usuários de saúde mental um ambiente acolhedor e facilitador, e que oferece diversas atividades e modalidades terapêuticas.

Verifica-se a existência da possibilidade de mudança através dos Centros de Atenção Psicossocial, desde que, nestes serviços sejam preservados os princípios de desconstrução dos modelos institucionais de exclusão e de resgate de cidadania. Contundo, deve-se tomar muito cuidado para que, embora os doentes não permaneçam mais trancados e isolados, não ocorra o risco de uma mudança apenas ilusória, atendendo sua clientela com horários e atividades pré-estabelecidas dando assim continuidade às antigas práticas. Práticas estas que apresentam

somente uma roupagem nova. E se estes Centros de Atenção Psicossocial não estiverem articulados com outras redes sociais tais como: as cooperativas de trabalho, instituições de ensino, associações de defesa de direitos dos usuários e parcerias com empresas públicas, privadas e ONGs, correm o risco de se acomodarem promovendo nesses usuários a dependência do assistencialismo e não da construção da cidadania.

Faz-se necessário, portanto, uma atuação persistente para que estes centros não se tornem instituições manicomiais disfarçadas, e para que isso não ocorra deve existir um eficaz trabalho de ruptura com esse modelo que considera a loucura um mero objeto de saber e trabalho. Pode-se dizer que esta forma de tratar a doença mental exige dos profissionais uma grande flexibilidade de ação, moldando sua forma de agir de acordo com cada sujeito que se apresenta, respeitando suas diferenças e limitações. E é neste sentido que o psicólogo tem papel primordial de incentivo à constante reflexão entre os membros da equipe e entre equipe e família, ou seja, de cuidar das relações que são estabelecidas entre os profissionais e as famílias, assim como acolher os profissionais em seus conflitos, muitas vezes suscitados pelo convívio direito com a loucura.

É importante ressaltar que, em todo corpo deste trabalho, a crítica à psiquiatria esteve ancorada no modelo tradicional e reducionista de olhar a loucura enquanto doença orgânica, modelo este que a própria psiquiatria hoje busca também combater. Vale lembrar que na reforma psiquiátrica, o psiquiatra é um profissional de fundamental importância, visto que a medicação pode se constituir como apoio para alívio do sofrimento intenso do sujeito. Alívio este que, em muitas situações, favorece o sujeito a retomar o contato com o social e com a equipe que o acompanha.

Apesar dos progressos, ainda existem muitos desafios a serem enfrentados, seja através de transformações institucionais, como também de investimentos na implantação de práticas e serviços substitutivos para garantir um atendimento digno aos portadores de

sofrimento psíquico. Pois, no caminho rumo à superação do paradigma manicomial, uma providência importante a ser tomada é o investimento em serviços substitutivos, sendo estes essenciais no processo de extinção dos manicômios, visto que a falta de recursos extra-hospitalares dificulta a consolidação das mudanças propostas. Para o alcance dessas transformações, este processo de superação deve contar com a participação dos entes estatais, da sociedade civil, e de todas as entidades populares e de produção artística e cultural.

Esperamos que as reflexões apresentadas nesta monografia sejam contribuições para a teorização do campo da saúde mental, fontes de incentivo para a construção de novas iniciativas, que resultem em práticas mais humanas a todos que trabalham e necessitam desses cuidados.

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