• Nenhum resultado encontrado

Desde a sua origem, o movimento hip hop configura-se como fenômeno da sociedade globalizada. Como no caso do rap, o hip hop é fruto de trocas culturais entre imigrantes jamaicanos com os jovens do subúrbio nova-iorquino, e dava, desde a sua constituição, indícios que esse movimento não se limitaria a um espaço territorial e social específico. No Brasil, o estilo ganhou contornos bastante diversos, que variam, de acordo com cada região, bem como aglutina diferentes formas de expressão da identidade juvenil.

No tocante a esta pesquisa, entende-se que o caminho eleito pelos rappers dos grupos Irmandade Rap Crato e Junior Baladeira parece ser capaz de inovar as relações culturais e sociais, nas quais estão inseridos.

Constatou-se, de um ponto de vista local, que os membros dos grupos de rap, tanto da cidade do Crato, como de Ouricuri, por exemplo, sentem uma necessidade de trabalhar o rap, em uma perspectiva mais regionalizada, no falar deles, o desejo de “se apegar mais à parada da cultura local”, ou seja, de adaptar os elementos artísticos, o estilo visual, às referências “importadas” para a realidade social e cultural local de cada cidade.

O exemplo disso pode ser visto por meio de vários aspectos. No caso das referências visuais, o hip hop norte-americano tinha na raça a principal fonte de referência, o que positivava o estilo hip hop como cultura juvenil negra. Já aqui, no Brasil, essa referência também permaneceu forte, mas a ela foi acrescido o fator regional – o que é possível verificar. No tocante ao visual, pode-se perceber que as vestimentas diárias, usadas pelos rappers e divulgadas por meio dos videoclipes e internet, eram constituídas basicamente por joias, camisas largas, com imagens de times de basquete, calças e bermudas grandes e frouxas, tênis das marcas mundiais Nike, Adidas e o boné.

Tanto em Ouricuri, como no Crato, é visível, por exemplo, nos dias de apresentação do grupo, esse visual ser modificado, substituindo as camisas largas por camisas xadrez, ou camisas nas quais esteja estampada a imagem de algum ídolo nacional ou até mesmo regional. Eles também fazem uso de camisetas, devido ao clima quente da região, os tênis de “marca” são substituídos por chinelos de dedo ou sandálias de couro, o boné, pelo chapéu de couro ou de palha, no caso do grupo Júnior Baladeira.

Em relação ao estilo musical, nas suas bases sonoras são introduzidos sons de instrumentos musicais como a sanfona, tambores e rabecas, bem como a utilização de encaixes de trechos de músicas de Luiz Gonzaga e de poesias de Patativa do Assaré, de outros poetas da região, e também uma linguagem regional.

83

Antes de finalizar, é importante destacar, neste estudo, o caráter educativo do hip hop na vida dos seus integrantes. É visível, em todos os relatos, o processo de ensino e aprendizagem sendo realizado, desde as atividades formativas às atividades dos grupos desenvolvidas em escolas, até a conscientização da condição racial de cada um.

Diante do exposto, é possível afirmar que o rap tem sido um espaço de descobertas e de novas identificações, por parte dos seus integrantes. Assim, vem possibilitando aos jovens não só o entendimento de que esse estilo musical é uma cultura de resistência frente ao sistema excludente, que a maioria dos jovens está inserida, mas que, ao mesmo tempo, também tem buscado criar alternativas de valorização da herança cultural, como um elemento capaz de fortalecer a autoestima daquela juventude.

84

REFERÊNCIAS

ABRAMO, H. W. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista

Brasileira de Educação, São Paulo, ANPED, n. 5. P-25-36, 1997.

ALVAREZ, Marcos César. Cidadania e direitos num mundo globalizado. Perspectivas, São Paulo, n. 22, 95-107, 1999.

ALVES, M. K. F.; PETIT, S. H. Os marcadores das africanidades. In: ALVES, M. K. F.; MACHADO, A. F.; PETIT, S. H. (org.). Memórias de Baobá II. Fortaleza: Imprece, 2015. ANDRADE, E. Hip-Hop: movimento negro juvenil. In: ANDRADE. E. (org.). Rap e

educação, rap é educação. São Paulo: Summus/Selo Negro, 1999.

CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura Vol. 1 - O Poder da Identidade. São Paulo, Ed. Paz e Terra, 1999.

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber, elementos para uma teoria. Porto Alegre, Artmed. 2000.

CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2000.

DAYRELL, Juarez. A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno da socialização

juvenil. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1105-1128, out. 2007. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br Acessado em 27/01/2018.

DAYRELL, Juarez. O rap e o funk na socialização da juventude. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.1, p. 117-136, jan./jun. 2002.

DIAS, Carlos Rafael. Da flor da terra aos guerreiros cariris: representações e identidades

do Cariri cearense (1855–1980). 2014. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2014.

DOMINGOS, Reginaldo Ferreira. Pedagogias da transmissão da religiosidade africana na

casa de candomblé Iabasé de Xangô e Oxum em Juazeiro do Norte – CE. 2011.

Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2011.

DUBET, François. Sociologia da Experiência. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.

DUBET, François. A socialização e a formação escolar. Lua Nova, São Paulo, n. 40/41, p. 241-266, 1997.

DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. São Paulo, Melhoramentos. 1978.

DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. 24 ed. - São Paulo: Martins Fontes, 1999.

DUTRA, Juliana Noronha. Rap: identidade local e resistência global. 2007. Dissertação

85

FRASER, Márcia Tourinho Dantas; GODIM, Sônia Maria Guedes. Da fala do outro ao texto

negociado: discussões sobre a entrevista na perspectiva qualitativa. Ribeirão Preto-SP:

Paidéia, 2004.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4ª ed.- Porto Alegre: Artemed. 2005.

GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo, Editora da Unesp. 1991.

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1999. GOMES, Lélis Renan. Território usado e movimento hip hop: Cada canto um rap, cada rap um canto. 2012. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geociências/

Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012.

GONSALVES, E. P. Conversas sobre iniciação à pesquisa científica. Campinas, SP: Alínea, 2001.

HERSCHMAN, Micael. O funk e o hip hop invadem a cena. 2. Ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Cidades. Disponível em:

https://cidades.ibge.gov.br/ Acessado em: 21/05/2018

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. População. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao.html Acessado em 21/05/2018.

KELNNER, Douglas. A cultura da mídia. Estudos culturais: identidade e política entre o moderno e pós-moderno. Bauru: Edusc, 2001.

LÜDKE, Menga e ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MAGNANI, José Guilherme Cantor. O (velho e bom) caderno de campo. Revista Sexta

Feira. São Paulo, n.1, p. 8-12, 1997.

Disponível em:

http://nau.fflch.usp.br/sites/nau.fflch.usp.br/files/upload/paginas/o%20velho%20e%20bom%2 0caderno_de_campo.pdf. Acesso em: jul. 2017.

MINAYO, C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 27. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

MOREIRA, Daniel Augusto. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002.

NUNES, Cicera. Os Congos de Milagres e Africanidades na educação do Cariri cearense. 2010. Tese (Doutorado em Educação Brasileira) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2010.

86

ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. PAIS, J. M. Culturas Juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1996.

PAIS, Machado Jose. Buscas de si: expressividades e identidades juvenis. In: ALMEIDA, Isabel Mendes de. EUGENIO, Fernanda. (org.). Culturas jovens: novos mapas do afeto. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2006.

PIMENTEL, S. O livro vermelho do hip hop. 1997. Monografia (Graduação em

Jornalismo). Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997. RIBEIRO, Christian Carlos Rodrigues. A cidade para o movimento hip hop: jovens

afrodescendentes como sujeitos políticos. Humanitas. São Paulo: PUC-Campinas, v.9, n. 1, p. 57-71, jan-jun, 2006.

ROCHA, Janaína; DOMENICH, Mirella; CASSEANO, Patrícia. Hip Hop: a periferia grita. 1. Ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.

SCOTT, Jhon. (org.). Sociologia: conceitos-chaves. Ed. Jorge Zahar. 2006.

SILVA SOUZA, A. L. Letramentos de reexistência: poesia, grafite, música, dança: hip-hop. São Paulo: Parábola, 2011.

SILVA, J.C.G. Arte e Educação: experiência do movimento hip hop paulistano. In: Andrade, E. (Org.). Rap e educação, rap é educação. São Paulo: Summus, 1999.

SOUSA, Kássia Mota. Entre a escola e a religião: Desafios para crianças de candomblé em Juazeiro do Norte. 2010. Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará, 2010.

STUART, Hall. A identidade cultural da pós-modernidade. São Paulo: DP&A Editora, 2002.

VIANNA, Hermano. O Mundo do Funk Carioca. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor. 1997. WELLER, Wivian. Práticas Culturais e Orientações Coletivas de Grupos Juvenis: um estudo comparativo entre jovens negros em São Paulo e jovens de origem turca em Berlim. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS DA ABEP, XIII, 2002, Ouro Preto. Anais ... Ouro Preto: Unicamp, 2002.

http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2002/com_juv_st32_well. er_texto.pdf no dia: 03/02/2018.

YOSHINAGA, Gilberto. Nelson Triunfo: Do sertão ao Hip Hop. São Paulo. 1ª ed., Shuriken Produções/ LiteRUA, 2014.

87

ANEXO A – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS GRUPOS

1.1 Nome completo 1.2 Data de nascimento 1.3 Cor:

2. Sujeitos

2.1 Como você se tornou um rapper? (Constituição identitária)

2.2 O que significa, para você, ser um rapper? (Imagem social/constituição identitária) 2.3 Quais os principais desafios vivenciados por você no grupo de rap? (Dimensão política e ética)

2.4 O que motivou a sua inserção no grupo? Suas expectativas foram alcançadas? Justifique. (Expectativas)

3. Condições

3.1 Como o grupo está organizado? (Planejamento)

3.2 Quais as condições que o grupo tem para existir? Quais os desafios enfrentados? (Apoio institucional/infraestrutura)

3.5 Quais as discussões ou os debates entre os pares para a criação das letras do rap? De onde partem as inspirações?

4. Experiência

4.1 Relate que experiências inovadoras o rap proporcionou a você.

4.3 Quais as práticas e os saberes mobilizados, no âmbito do rap, você percebeu que modificaram seu repertório de conhecimento de mundo? (Conhecimento de mundo)

4.4 Que situações/experiências vividas no rap você identifica/considera como relevantes para a construção da sua identidade negra? Descreva e justifique (identidade)

5. Prática e atuação

2. Destaque as dificuldades enfrentadas e possibilidades vivenciadas por você nesta função. 5.3 Como você analisa a sua atuação no mundo antes e depois de participar do grupo de rap? 5.4 Descreva sua relação interpessoal com os demais integrantes do grupo. (Dimensão coletiva)

6. Mudanças

6.1 A experiência vivenciada no rap alterou/modificou/ressignificou: a) a relação com os familiares?

88

b) a relação com a/o escola/trabalho?

c) a concepção sobre construção do conhecimento elaborado? e) os resultados de sua prática?

6.2 O que é para você uma atuação transformadora? (Concepções)

6.3 Você considera a sua atuação no rap uma experiência transformadora? Por quê? 6.4 Que fatores dificultam e favorecem a concretização de uma atuação transformadora no contexto do rap local?

6.5A sua experiência no rap vem provocando alterações/mudanças na sua relação com o mundo? Descreva.

89

ANEXO B- GALERIA DE FOTOS DOS GRUPOS IRMANDADE RAP CRATO E JÚNIOR BALADEIRA

GRUPO- IRMANDADE RAP CRATO

Leo Prioridade X: negro, ensino médio completo,

casado, não tem filho. É autônomo, rapper e atualmente presidente da Casa da Irmandade de Culturas.

Nélio Luna: casado, pai de duas filhas, negro, cursa

o Técnico em Segurança no Trabalho, rapper e fundador do Irmandade Rap Crato. Atualmente, por problemas de saúde, está afastado do trabalho.

Amaro Lua: é rapper, branca, tem um filho, vive

com o seu companheiro, ensino superior incompleto. Atualmente, vende doces feitos em casa. Produz mídia social para o grupo.

90

GRUPO- JÚNIOR BALADEIRA

Júnior: negro, historiador, pós-graduado, poeta

cordelista, professor, arte e educador. Casado, não tem filhos, rapper e b-boy.

Rozylda: branca, professora, último semestre de

Pedagogia, mãe de duas filhas e b-boy.

Jânio: negro, formado em educação física, casado,

91

ANEXO C – GLOSSÁRIO

A juventude negra dentro do universo cultural que é o hip hop possui uma linguagem específica, que demarca suas experiências e vivências diárias. Dessa forma, selecionamos algumas palavras-chave que compuseram o nosso estudo e outras palavras extraídas da obra Hip Hop – A Periferia Grita.

A

Atitude: ter consciência social, racial e postura perante a vida.

B

Back to back: percussão feita com colagem de várias músicas. No grafite, muro preenchido

de ponta a ponta.

B-Boy: B-Girl:

Beat: batida do rap.

Beatbox: percussão de boca: imitação vocal de sons diferentes. Break: dança; elemento cênico do hip hop.

C

Chegado: amigo, aliado. Colar: andar junto.

Crew: grupo de MC’s, DJs ou b.boys.

D

DJ: dee-jay ou disc-jóquei, que opera as bases instrumentais para o Mestre de Cerimônia.

(MC).

F

Fazer a correria: concretizar um projeto. Fazer a rima: comunicar, passar a mensagem.

G

Gangsta: rap de letras agressivas, que glamouriza atividades ilícitas. Giro de cabeça: giro de corpo, com a cabeça apoiada no chão.

Grafite: arte urbana em aerosol, pintada sobre muros, paredes, fachadas, trens etc.

92

Hip hop: cultura urbana, de origem afro-hispânica, que envolve poesia, música, dança e

pintura de rua.

L

Limpeza: pessoa ou situação legal.

M

Mano: parceiro, cara (forma de tratamento). Mina: parceira, garota.

Mixer: aparelho usado pelos DJs para “colar” (misturar) uma música na outra. MC: Mestre de Cerimônias, poeta do rap, cantor.

N

New school:

P

Pick up: toca-discos do DJ, com máquina para produzir efeitos. Posse: crew, grupo organizado de hip hoppers.

R

Rap: rithm and poetry, ritmo e poesia.

S

Sacar: entender e/ou afirmar

Samplear: copiar fragmentos de gravações para remixar em novas bases. Scratch: efeito de atrito da agulha sobre o LP girado “ao contrário”. Style: atitude do b.boy refletida no jeito de vestir, falar e andar.

T

Tá ligado?: manter o papo e a atenção. Treta: confusão, briga.

93

94

Documentos relacionados