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A expectativa em torno desta dissertação é a de compreender de que forma a inclusão dos esportes de aventura no programa Olímpico pode rejuvenescer e trazer novo interesse aos Jogos, além de influenciar a prática da atividade física e do esporte de aventura entre os brasileiros. A primeira inclusão do surfe, do skate e também da escalada esportiva em Tóquio 2020 sinaliza o desejo do COI por juventude e aventura no movimento olímpico. Atingir este patamar é uma consequência do crescimento e amadurecimento dos esportes de aventura nos últimos anos. Observa-se na fala dos entrevistados diversas repetições da história de afirmação do surfe e do skate, buscando reconhecimento desde os tempos da contra cultura, quando estes esportes eram conhecidos como formas de contestação ao sistema, próximos da marginalidade e da proibição.

O surfe promove a interação do homem com a natureza de forma intima e lúdica, desde a época em que foi descoberto por James Cook e a marinha britânica, quando os nativos das ilhas polinésias sequer portavam roupas. Talvez por isso tenha sido considerado imoral pelos colonizadores ingleses e proibido por mais de cem anos antes de reaparecer para o mundo ocidental pela vontade de um atleta nativo das ilhas do Havaí, campeão olímpico dos cem metros nado livre que, por conta de sua cultura intimamente ligada ao surfe, difundiu este esporte enquanto fazia demonstrações nas costas da Califórnia, África do Sul e Austrália durante os anos 1910 e 1920.

Como afirmou o representante da ISA, esta conquista olímpica tem início no sonho de Duke Kahanamoku em levar o surfe às mais altas esferas do esporte mundial, ainda nas primeiras décadas do século passado. Nesse percurso, o surfe foi perseguido, contestado e denunciado com prática de vagabundos, drogados e outras referências negativas, até ser redimido pelo sistema, já em 2016, na sessão 129 do COI realizada no Rio de Janeiro, quando foi aprovado para os Jogos Olímpicos Tóquio 2020, de forma unânime, pelo Comitê Olímpico Internacional e assim elevado à condição olímpica, reverenciado pela juventude mundial por conta de seu estilo de vida particular e original, inaugurando uma nova fase para o movimento olímpico, que procura se reinventar para manter sua relevância em tempos modernos.

Os registros históricos pesquisados sobre os esportes de aventura, durante a produção desta dissertação, nos levaram a conhecer a riqueza de seu caminho. Uma

trajetória muitas vezes desconhecida por seus praticantes, já que sua prática é suficientemente prazerosa por si só. Buscando compreender o tangível e o intangível nas falas de nossos sujeitos de pesquisa, apesar de uma compreensível resistência histórica, fica o voto positivo em torno da entrada dos esportes de aventura e, mais especificamente, do surfe e do skate nos Jogos Olímpicos. Todos os entrevistados revelam grande entusiasmo com a entrada destes esportes no programa olímpico, reconhecendo a simetria de suas respectivas filosofias e estilos de vida. Resta saber quais serão as consequências futuras da entrada destes esportes para os Jogos Olímpicos, algo que poderemos observar nos próximos anos, enquanto a história desta nova fase se constrói.

As expectativas em torno da entrada do surfe no Programa Olímpico de Tóquio 2020 foram analisadas em termos de popularidade e juventude, procurando compreender a relação entre seu estilo de vida e os valores da filosofia olímpica. Os motivos que fundamentam a entrada do surfe no programa olímpico foram identificados, assim como as ideias a respeito do tema por parte de jornalistas, gestores e atletas do esporte. O surfe agrega um sentimento ímpar aos esportes já reconhecidos como olímpicos, trazendo renovação e coerência com os valores humanos que fundamentam o Olimpismo. Sua organização e maturidade esportiva o credenciam ao alto rendimento e profissionalismo, agregando a natureza como elemento essencial desta equação, na forma das imprevisíveis ondas proporcionadas pelo oceano que, assim, conferem uma interessante dose de mistério e surpresa às disputas realizadas no mar. Pelo exposto, nos parece que a estreia do surfe no programa olímpico tem grandes possibilidades de, não apenas, rejuvenescer o movimento olímpico, mas também reforçar os princípios olímpicos e sua popularidade perante um público mais jovem.

A existência de ondas artificiais, cada vez mais consistentes e acessíveis, poderia até seduzir aqueles que entendem o surfe como algo demasiadamente fora do controle da organização dos jogos, por depender dos movimentos da natureza, mas, em sua primeira edição olímpica, a ISA e o COI defendem que a competição de surfe seja realizada nas ondas naturais das praias japonesas, a fim de preservar o aspecto lúdico, imprevisível e onipotente do oceano como palco dos embates entre os melhores surfistas do mundo. Este estudo contribui também para a linha de pesquisa em “Atividade Física para a Promoção da Saúde”, conferindo ao surfe a capacidade de proporcionar saúde física e mental a seus praticantes, principalmente se considerarmos a imprescindível conexão com a natureza

conferida pela prática.

Em tempos de aquecimento global e poluição desenfreada, colocando em risco a vida neste ambiente, a entrada do surfe nos Jogos Olímpicos deve promover uma reconexão com o ecossistema ambiental e lembrar ao grande público a importância primordial da natureza em suas vidas e práticas diárias, na construção de um futuro melhor, tanto para os Jogos Olímpicos, quanto para o planeta.

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APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTAS